|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS TORRES FREIRE
A conta da miséria e os juros
Estudo critica tese de que medida da desigualdade é ruim devido à subestimação da renda dos ricos e dos juros
A FAMOSA conta dos juros pagos
pelo governo a seus credores
(instituições financeiras, empresas e famílias ricas) tem sido um
ponto cego nas pesquisas sobre renda, pobreza e desigualdade no Brasil.
De uns anos para cá, tornou-se popular a noção de que as pesquisas do
IBGE subestimariam a renda dos
mais ricos e, assim, a desigualdade.
Três pesquisadores do Ipea divulgaram ontem um estudo que contesta
essa visão pop da desigualdade. Afirmam ainda que, embora ocorra subestimação, tal fato não afetaria os
dados que indicam a redução na desigualdade de renda neste século.
O texto, "A Desigualdade de Renda no Brasil Encontra-se Subestimada?", é de Ricardo Paes de Barros, Samir Cury e Gabriel Ulyssea. O
trio comparou as medidas de renda
da Pnad (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio), da POF
(Pesquisa de Orçamento Familiar) e
da pesquisa do PIB, do Sistema de
Contas Nacionais, as três do IBGE.
Um resumo muito simples do trabalho dos economistas:
1) Considerados os anos estudados pelo trio de pesquisadores, 2001
e 2003, observa-se que, sim, a Pnad
subestima em cerca de 26% a renda
total das famílias, se comparada aos
resultados obtidos pela POF ou pela
pesquisa do PIB. Entenda-se: trata-se de subestimação devida às características do levantamento, não de
precariedade ou outro motivo;
2) Segundo as estimativas dos pesquisadores, as rubricas com maior
peso na discrepância entre as pesquisas são, pela ordem, as rendas de
transferências (recursos recolhidos
e redistribuídos pelo Estado, rendas
"sociais", mais típicas entre os mais
pobres) e a renda do trabalho. A renda de ativos (que inclui juros) vem
depois. Mais: rendas não-monetárias são relevantes na discrepância
entre POF e Pnad;
3) Levadas em conta tais diferenças e recalculado o índice de desigualdade com base na POF e na pesquisa do PIB, ainda assim o nível de
desigualdade neste início de século
seria praticamente o mesmo daquele calculado a partir da Pnad.
Estranha conta de juros
Mas continua a ser intrigante a
conta da rendas privadas e das despesas públicas com juros da dívida.
Nos dados relativos a 2003, o total da renda de ativos das famílias
(juros, dividendos e aluguéis) registrada pela Pnad foi de R$ 17,4 bilhões; na POF, de R$ 47,2 bilhões;
na obtida pela pesquisa do PIB, de
R$ 67,2 bilhões.
No entanto, naquele ano de 2003
a despesa com juros do setor público foi de R$ 145 bilhões (juros nominais) -ou de R$ 107 bilhões, se
porventura alguém observar de
maneira polêmica que o relevante
no caso seriam os juros reais.
Decerto é preciso observar que a
comparação entre os dados das três
pesquisas e o balanço das despesas
com juros do setor público não são
imediatamente comparáveis, entre
outros motivos porque nem toda a
despesa com juros é apropriada pelas famílias. Por outro lado, a renda
de ativos captada pelo IBGE inclui
muito mais que o recebimento de
juros pelos credores da dívida pública (em suma, quase todo mundo
que tem investimentos em fundos
de renda fixa e similares).
Ainda há algo de muito obscuro
aí nessa conta.
vinit@uol.com.br
Texto Anterior: Alexandre Schwartsman: Fora do lugar Próximo Texto: CVM amplia investigação sobre ações do grupo Ipiranga Índice
|