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LUÍS NASSIF
O rei dos escurinhos
Depois de amanhã Geraldo Pereira estaria fazendo
84 anos. Morreu com 37 anos,
em 8 de maio de 1955, vítima de
uma hemorragia, após uma briga no bar Capela com o marginal que atendia pelo nome de
Madame Satã. Era motorista de
caminhão de lixo. Hoje em dia é
candidato ao título de maior
sambista da história.
No final dos anos 60, o grande
nome do samba brasileiro ainda era o mineiro Ataulfo Alves,
que já dominava nossas noitadas e serenatas. Era aceito nos
salões da sociedade e nos botecos, e algo discriminado no morro. Por não ser carioca, por fazer
uma música mais "limpa", era
visto como "sambista branco".
Lá em Poços de Caldas, pouco
nos lixávamos para isso. "Saudades da Professorinha", "Laranja Madura" e outras viraram daqueles clássicos que vão
dos salões às churrascarias.
No final dos anos 60 começou
o processo de reavaliação de
Nelson Cavaquinho e de Cartola e começou a discussão sobre
quem teria sido o maior sambista negro. Os votos passavam por
Ataulfo, Nelson e Cartola, Ismael Silva, pelos jovens brilhantes Elton Medeiros e Paulinho
da Viola, e, a partir dos anos 70,
por Wilson Baptista e Geraldo
Pereira.
A reabilitação de Wilson e Geraldo se deu quando a cultura
brasileira se desiludiu com a política e as instituições e passou a
enaltecer a marginalidade. Esse
mesmo movimento que produziu o cinema marginal ajudou a
reabilitar os dois sambistas.
Mas eles foram muito maiores
do que poderia supor o mero
culto da marginalidade.
Não ouso e não quero opinar
sobre esse tema de quem foi o
maior. Tenho quatro filhas e
uma neta e a cada semana me
sinto profundamente apaixonado por uma das minhas mulherzinhas. Com os gênios do samba
ocorre o mesmo. Coloque um
disco de Cartola na vitrola, e ele
será o maior. Substitua por um
de Nelson Cavaquinho, e não
haverá dúvidas de que Nelson é
maior. Isso até você colocar Ismael...
Mas minha paixão maior nessa área, depois de descobrir Ismael, foi Geraldo Pereira. Ele
nasceu em Juiz de Fora, mudou-se cedo para o Rio de Janeiro,
frequentou morros, rodas de
malandragem.
Seu primeiro sucesso foi "Se
Você Sair Chorando" ("Se você
sair chorando / Dizendo que vai
embora"), em parceria com Nelson Teixeira, gravado em 1939
por Roberto Paiva. Em 1940,
deu início a uma série de parcerias com Wilson Baptista, das
quais a mais bem-sucedida foi o
histórico "Acertei no Milhar",
de 1940, gravado por Moreira
da Silva.
Lembro ainda hoje de quando
o nosso grupo de teatro de São
João da Boa Vista levou a peça
"Liberdade, Liberdade", de Millor Fernandes e Flávio Rangel.
A peça continha várias músicas,
entre as quais "Etelvina". Tínhamos a letra, mas nem a menor idéia sobre a música. Acabei
"musicando" -melhor seria dizer "assassinando"- a música.
Só chegando a São Paulo conheci a original, assim como o mito
que cercava os dois sambistas.
Na verdade, a parceria de
Wilson com Pereira era meio
heterodoxa. Às vezes um compunha sozinho a música, dava a
parceria para o outro e recebia
outra parceria em retribuição.
Pelo que se conta, "Etelvina" seria apenas do Wilson Baptista.
Geraldo foi um dos pioneiros
do samba de breque, o rei do
samba sincopado, o cantor da
marginalidade. Frequentou as
rodas mais barras-pesadas, e fez
cinema, como o Diabo Laurindo, no filme "Berlim na Batucada", de Luiz Barros, de 1944.
Em meados dos anos 40 sua
estrela começou a brilhar intensamente, quando Ciro Monteiro
passou a gravá-lo sistematicamente, e estourou o primeiro sucesso, a "Falsa Baiana" ("Baiana que entra na roda / Só fica
parada / Não canta, não samba..."). Em 1945, os Anjos do Inferno gravaram "Bolinha de Papel", e o sincopado de Geraldo
passou a dominar o período.
Em 1949, Blecaute estourou
com "Que Samba Bom" ("Oh,
que samba bom / Oh, que coisa
boa / Eu também estou aí estou
aí o que é que há"). Em 1953,
lança o divertidíssimo "Cabritada Mal Sucedida". A série de
clássicos é enorme. "Chegou a
Bonitona", com José Baptista,
"Jurei", com Cristóvão de Alencar, "Ministério da Economia",
com Arnaldo Passos, "Escurinha", "Escurinho", "Sem Compromisso", que Chico Buarque
gravaria nos anos 70, quando se
apresentava como Julinho da
Adelaide.
Pouco depois de sua morte,
quando João Gilberto compõe a
monumental síntese da bossa-nova com o período anterior, é
em "Bolinha de Papel" que ele
vai buscar o melhor do sincopado.
Repito o que disse e não volto
atrás: não vou nessa de quem é o
maior, em se tratando de gênios.
Mas nesses dias em que se juntam o aniversário de nascimento e de morte de Geraldo Pereira, coloco suas músicas com todo carinho no CD e proclamo
em alto e bom som: foi dos
maiores da história.
E-mail -
lnassif@uol.com.br
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