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São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

As dificuldades de um novo império

MICHEL A. ALABY

Deveríamos refletir sobre a tentativa de imposição do novo império norte-americano e nos preocupar com ela, mesmo que ainda não tenhamos a clara certeza de viabilidade de aceitação total deste, apesar de a nova ordem mundial indicar tal assertiva.
Como ponto de partida, a gestação ocorre de modo muito peculiar, mas, se perguntarmos para qualquer autoridade norte-americana, com certeza negará o plano de construção do império, mas aplicará sempre o chamado "direito soberano" dos Estados Unidos da América de se defenderem contra qualquer ameaça possível, que possa ocorrer em seu país ou em qualquer outro país aliado ou não, para implementar a "democracia". Estamos diante de um projeto de império defensivo, mas do início ao fim, não respeitando as regras internacionais existentes.
Recentemente, dois pensadores americanos atestaram a idéia do império em dois artigos publicados no jornal espanhol "El País", comparando a presença norte-americana no cenário mundial ao passado de existência dos impérios britânico e espanhol, baseado nos poderios econômico, militar e tecnológico.
Pensamos realmente que, na globalização mundial, a existência de um império entra em contradição com os aspectos essenciais da realidade econômica.
O pensador Kennedy compara a realidade de hoje com a realidade de 200 anos passados, mas a comparação não é adequada, pois nem no aspecto econômico, nem no tecnológico ou no político podem existir hegemonias indiscutíveis.
A diferença principal dos dias atuais e de 200 ou 400 anos passados é que o mercado é um fenômeno totalmente descentralizado e crescentemente liberado de políticas públicas de apoio incondicional a setores ineficientes. Decerto que existem inúmeras empresas norte-americanas globalizadas, mas há também empresas européias e asiáticas.
De acordo com a revista "Fortune", das 500 maiores empresas mundiais, cerca de 40% são americanas, 31% são européias e 20% são asiáticas. As empresas globalizadas possuem o mundo como seu mercado e a Terra como seu parque industrial. O poder econômico empresarial tem-se desvinculado dos chamados Estados-nação.
Outro argumento utilizado é "a questão das estruturas tecnológicas". A supremacia norte-americana, como Schumpeter denominou, é um monopólio de inovação, que, por meio de um ritmo trepidante de inovações e adaptações etnológicas, desaparecerá relativamente num período muito breve. As novas tecnologias são de rede e, por definição, não têm um epicentro de localização fixo, mas, sim, variável. Há menos de dez anos, não se considerava possível o aparecimento de novas concentrações produtoras de inovação. Depois do vale do Silício, apareceram Bangalore, na Índia, Dublin, na Irlanda, e Catânia, na Itália.
Finalmente, quanto à supremacia política, não se pode esquecer também que, há 400 anos, a realidade era diferente, pois o mundo se consolidou em Estados-nação, cada um com sua soberania e suas regras internas que particularmente rechaçam qualquer ingerência externa em suas políticas nacionais.
A única hegemonia clara e indiscutível do poderio norte-americano é a militar, com incomensuráveis recursos aplicados que poderiam ser utilizados no combate à pobreza mundial. A segunda potência armamentista (Alemanha) tem um terço do poder militar norte-americano.
Sem dúvida, mais de um partidário da chamada "Realpolitik" diria que os impérios se constroem e se mantêm sobre os pilares do poder, dos músculos e das armas.
No mundo moderno, a cooperação entre as nações para construir instituições comuns internacionais deve prevalecer, mas, se uma nação hegemônica quiser atuar para defender seus interesses econômicos, a forma de pressão deverá ser por persuasão e força política, e não por força bruta e poder militar.
Os Estados Unidos, após 11 de setembro de 2001, abandonaram os princípios de liberalismo econômico, partindo para um nacionalismo defensivo, usando o poder da força bruta, querendo garantir fornecimento incondicional de petróleo e sobrepujando todos os países do mundo pelo poder econômico, isto é, utilizando a máxima: "Ou se está a favor do império ou contra o império".
As instituições comuns internacionais foram completamente abandonadas pelo império. Não resta nenhuma dúvida de que a falência da Organização das Nações Unidas é incontestável. A não-adesão ao Protocolo de Kyoto e ao Tribunal Penal Internacional é outra manobra do império, assim como o fracasso de qualquer tentativa de negociação das políticas agrícolas na Organização Mundial do Comércio nos faz antever a construção de uma nova ordem mundial, aposentando-se esses órgãos em que o contribuinte principal é o império.
Como tema para reflexão, poder-se-iam revitalizar tais órgãos, baseados na cooperação internacional, caso contrário teremos o abandono da teoria do multilateralismo em favor do bilateralismo, com pressões econômicas do império sobre os demais países.
Em essência, neste século 21, mesmo que no concerto das nações possam existir lideranças hegemônicas, tais lideranças devem primar pela força da razão, e não pela razão da força, atuando como genuínos "Primus Interpares", e não como epicentros absolutos e incontestáveis.
Será prematuro indicar que o poderio do império prevalecerá em detrimento das instituições multilaterais, pois a consciência da opinião pública mundial, com uma nova dinâmica de cidadania e ética nas relações internacionais, deverá mudar esse cenário e, com certeza, prevê-se uma nova ordem mundial, baseada nos interesses de cooperação internacional. Caso contrário a pobreza e a falta de tolerância instigarão novos conflitos bélicos, e mais vidas humanas inocentes serão sacrificadas para dar vazão aos interesses da falsa noção de liderança do império.


Michel A. Alaby, 55, é presidente da Adebim (Associação de Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados) e consultor de comércio exterior.


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