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São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003

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RECEITA ORTODOXA

Economista prevê retorno da instabilidade se país não aprovar em um ano as mudanças previdenciária e tributária

É hora de efetivar reformas, diz Scheinkman

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Na semana passada, durante a visita do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, aos EUA, o economista liberal José Alexandre Scheinkman, 54, professor da Universidade Princeton, participou de vários encontros com o ministro e com outros integrantes da equipe econômica do governo.
Segundo Scheinkman, a receptividade dos americanos ao discurso de Palocci foi muito positiva. O economista diz, no entanto, que agora é hora de começar as realizações. Acha que, se o Brasil não conseguir realizar as reformas tributária e da Previdência no prazo de um ano, voltará à situação de forte instabilidade do segundo semestre de 2002.
Em entrevista concedida de Princeton por telefone, Scheinkman -que teve breve participação na campanha presidencial do hoje ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), do PPS- foi enfático ao dizer que o governo não deve se preocupar com a queda do dólar. Acha até que, com a melhora geral da economia, o BC já deve começar a pensar na queda dos juros.

Folha - Como foram os encontros nos Estados Unidos com Palocci?
José Alexandre Scheinkman -
Eu acho que as pessoas, tanto aqui fora como no Brasil, ficaram muito animadas em relação à economia brasileira. Há uma certa expectativa de realização das reformas propostas pelo governo. Participei da reunião da Câmara de Comércio Brasil-EUA [em Nova York, na terça-feira passada] e tive a impressão de que todos gostaram muito do discurso do ministro Palocci. Ele expôs de forma muito clara as idéias sobre o Brasil e o que o governo está decidido a fazer. As pessoas entenderam que o governo tem um programa muito sério de retomada do crescimento, mas também prioriza a distribuição de renda.

Folha - E as suas conversas com Palocci?
Scheinkman -
Ele quis saber mais qual é minha opinião sobre as perspectivas da economia mundial. Eu continuo relativamente pessimista sobre a economia americana. A política de corte de impostos que o presidente Bush defende vai trazer problemas fiscais sérios para os EUA. Também acho que o governo americano deveria ter sido mais rígido ao tratar os escândalos financeiros corporativos, como o da Enron. O governo tentou transmitir a mensagem de que os executivos abusaram, mas o sistema continuava sólido. Essa atitude deixou os investidores desconfiados. A Europa continua com problemas estruturais sérios, e o Japão continua a mesma confusão.

Folha - O sr. acha que a vitória na guerra não terá efeitos positivos sobre a economia americana?
Scheinkman -
Certamente a guerra do Iraque poderia ter sido muito ruim se tivesse demorado muito mais tempo, mas é preciso deixar claro que o problema não está resolvido. Será preciso gastar dezenas de bilhões de dólares para reconstruir o Iraque.

Folha - O petróleo não será suficiente para cobrir as despesas?
Scheinkman -
O petróleo do Iraque pode ajudar um pouco, mas não será suficiente. O custo para os EUA será muito grande. A diplomacia americana alienou tanto os outros países que poderiam ajudar a pagar que não vejo, hoje, a Alemanha e o Japão, por exemplo, que ajudaram na Guerra do Golfo, em 1991, fazendo o mesmo agora.

Folha - A guerra não deve reativar a economia americana?
Scheinkman -
Se fosse assim, seria fácil fazer um país crescer. Isso não funciona. O Japão gasta mais de 5% do PIB por ano para reativar a economia e não consegue. Parte dos gastos militares vem de cortes em serviços que poderiam ter maior impacto na economia, como as áreas de saúde e de ajuda às cidades.

Folha - Quais as consequências para o Brasil?
Scheinkman -
Para o Brasil, quanto melhor estivessem os países desenvolvidos, melhor seria, mas as loucuras do governo Bush não são controladas por Brasília. Por isso, o Brasil está fazendo o melhor que pode -e, diga-se de passagem, muito bem. O que se observa é uma melhora na economia brasileira, enquanto há deterioração das grandes economias aqui fora. Mas, agora, é preciso chegar o período das realizações. As reformas têm de acontecer.

Folha - Todo esse otimismo pode gerar problemas no ajuste externo, já que o dólar caiu muito nas últimas semanas?
Scheinkman -
Na minha opinião, ainda há espaço para o dólar cair sem prejudicar as exportações brasileiras. Além disso, nossas experiências de intervenção no câmbio têm sido muito ruins. Acho até que a queda do dólar pode ser uma boa oportunidade para o governo se livrar da armadilha de ter dolarizado parte da dívida interna de 2001 para cá. Agora, pode ser a hora de começar a mudar a estrutura da dívida.
Palocci está certo ao dizer que o governo não vai intervir no dólar. Depois, quando ficar claro que a capacidade de exportação começa a cair, o dólar vai subir um pouco. O importante é que essa queda é a demonstração de confiança de que o ajuste externo foi feito e que a economia brasileira já é compatível com um dólar mais baixo.
A queda do dólar vai provocar dois efeitos. Em primeiro lugar, desacelera a inflação. Depois, vai levar também à redução do risco-país e abrir espaço para a redução de juros no país.

Folha - O sr. acredita na possibilidade de queda de juros já na próxima reunião do Copom?
Scheinkman -
Não sei. O Banco Central tem mais informação do que a gente de fora, mas, sem dúvida, a queda do risco-país vai abrir espaço para a queda dos juros. Isso porque vai permitir ao BC tirar o componente de risco de não-pagamento da dívida que existe nos juros cobrados no Brasil para atrair capitais. O que determina os juros no Brasil são os riscos de inflação e de não-pagamento da dívida pelo governo.

Folha - O sr. acha correto o governo dizer que não deve estabelecer limites para o câmbio?
Scheinkman -
O governo tem dois instrumentos básicos que deve tomar como bússola: a taxa de juros e o superávit primário. Está usando esses dois instrumentos para controlar a inflação. Aprendemos que intervir no câmbio não deu certo no Brasil nem em outros países. Ninguém sabe o valor de equilíbrio do câmbio.

Folha - O sr. acredita que o governo conseguirá aprovar as reformas e a autonomia do BC neste ano?
Scheinkman -
Se não conseguir, voltamos à situação em que estávamos no último semestre do ano passado. Mas acho que as reformas tributária e da Previdência são mais importantes do que a autonomia do BC. Daqui a um ano, se estivermos com o mesmo sistema de previdência pública, a capacidade do Brasil de voltar a crescer e a capacidade do governo de honrar seus compromissos ficarão muito afetadas.


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