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RECEITA ORTODOXA
Economista prevê retorno da instabilidade se país não aprovar em um ano as mudanças previdenciária e tributária
É hora de efetivar reformas, diz Scheinkman
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Na semana passada, durante a
visita do ministro da Fazenda,
Antonio Palocci Filho, aos EUA, o
economista liberal José Alexandre
Scheinkman, 54, professor da
Universidade Princeton, participou de vários encontros com o
ministro e com outros integrantes
da equipe econômica do governo.
Segundo Scheinkman, a receptividade dos americanos ao discurso de Palocci foi muito positiva. O economista diz, no entanto,
que agora é hora de começar as
realizações. Acha que, se o Brasil
não conseguir realizar as reformas tributária e da Previdência
no prazo de um ano, voltará à situação de forte instabilidade do
segundo semestre de 2002.
Em entrevista concedida de
Princeton por telefone, Scheinkman -que teve breve participação na campanha presidencial do
hoje ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), do PPS- foi
enfático ao dizer que o governo
não deve se preocupar com a queda do dólar. Acha até que, com a
melhora geral da economia, o BC
já deve começar a pensar na queda dos juros.
Folha - Como foram os encontros
nos Estados Unidos com Palocci?
José Alexandre Scheinkman - Eu
acho que as pessoas, tanto aqui
fora como no Brasil, ficaram muito animadas em relação à economia brasileira. Há uma certa expectativa de realização das reformas propostas pelo governo. Participei da reunião da Câmara de
Comércio Brasil-EUA [em Nova
York, na terça-feira passada] e tive a impressão de que todos gostaram muito do discurso do ministro Palocci. Ele expôs de forma
muito clara as idéias sobre o Brasil
e o que o governo está decidido a
fazer. As pessoas entenderam que
o governo tem um programa
muito sério de retomada do crescimento, mas também prioriza a
distribuição de renda.
Folha - E as suas conversas com
Palocci?
Scheinkman - Ele quis saber mais
qual é minha opinião sobre as
perspectivas da economia mundial. Eu continuo relativamente
pessimista sobre a economia
americana. A política de corte de
impostos que o presidente Bush
defende vai trazer problemas fiscais sérios para os EUA. Também
acho que o governo americano
deveria ter sido mais rígido ao tratar os escândalos financeiros corporativos, como o da Enron. O
governo tentou transmitir a mensagem de que os executivos abusaram, mas o sistema continuava
sólido. Essa atitude deixou os investidores desconfiados. A Europa continua com problemas estruturais sérios, e o Japão continua a mesma confusão.
Folha - O sr. acha que a vitória na
guerra não terá efeitos positivos
sobre a economia americana?
Scheinkman - Certamente a
guerra do Iraque poderia ter sido
muito ruim se tivesse demorado
muito mais tempo, mas é preciso
deixar claro que o problema não
está resolvido. Será preciso gastar
dezenas de bilhões de dólares para reconstruir o Iraque.
Folha - O petróleo não será suficiente para cobrir as despesas?
Scheinkman - O petróleo do Iraque pode ajudar um pouco, mas
não será suficiente. O custo para
os EUA será muito grande. A diplomacia americana alienou tanto os outros países que poderiam
ajudar a pagar que não vejo, hoje,
a Alemanha e o Japão, por exemplo, que ajudaram na Guerra do
Golfo, em 1991, fazendo o mesmo
agora.
Folha - A guerra não deve reativar a economia americana?
Scheinkman - Se fosse assim, seria fácil fazer um país crescer. Isso
não funciona. O Japão gasta mais
de 5% do PIB por ano para reativar a economia e não consegue.
Parte dos gastos militares vem de
cortes em serviços que poderiam
ter maior impacto na economia,
como as áreas de saúde e de ajuda
às cidades.
Folha - Quais as consequências
para o Brasil?
Scheinkman - Para o Brasil,
quanto melhor estivessem os países desenvolvidos, melhor seria,
mas as loucuras do governo Bush
não são controladas por Brasília.
Por isso, o Brasil está fazendo o
melhor que pode -e, diga-se de
passagem, muito bem. O que se
observa é uma melhora na economia brasileira, enquanto há deterioração das grandes economias
aqui fora. Mas, agora, é preciso
chegar o período das realizações.
As reformas têm de acontecer.
Folha - Todo esse otimismo pode
gerar problemas no ajuste externo,
já que o dólar caiu muito nas últimas semanas?
Scheinkman - Na minha opinião,
ainda há espaço para o dólar cair
sem prejudicar as exportações
brasileiras. Além disso, nossas experiências de intervenção no
câmbio têm sido muito ruins.
Acho até que a queda do dólar pode ser uma boa oportunidade para o governo se livrar da armadilha de ter dolarizado parte da dívida interna de 2001 para cá. Agora,
pode ser a hora de começar a mudar a estrutura da dívida.
Palocci está certo ao dizer que o
governo não vai intervir no dólar.
Depois, quando ficar claro que a
capacidade de exportação começa a cair, o dólar vai subir um pouco. O importante é que essa queda
é a demonstração de confiança de
que o ajuste externo foi feito e que
a economia brasileira já é compatível com um dólar mais baixo.
A queda do dólar vai provocar
dois efeitos. Em primeiro lugar,
desacelera a inflação. Depois, vai
levar também à redução do risco-país e abrir espaço para a redução
de juros no país.
Folha - O sr. acredita na possibilidade de queda de juros já na próxima reunião do Copom?
Scheinkman - Não sei. O Banco
Central tem mais informação do
que a gente de fora, mas, sem dúvida, a queda do risco-país vai
abrir espaço para a queda dos juros. Isso porque vai permitir ao
BC tirar o componente de risco de
não-pagamento da dívida que
existe nos juros cobrados no Brasil para atrair capitais. O que determina os juros no Brasil são os
riscos de inflação e de não-pagamento da dívida pelo governo.
Folha - O sr. acha correto o governo dizer que não deve estabelecer
limites para o câmbio?
Scheinkman - O governo tem
dois instrumentos básicos que deve tomar como bússola: a taxa de
juros e o superávit primário. Está
usando esses dois instrumentos
para controlar a inflação. Aprendemos que intervir no câmbio
não deu certo no Brasil nem em
outros países. Ninguém sabe o valor de equilíbrio do câmbio.
Folha - O sr. acredita que o governo conseguirá aprovar as reformas
e a autonomia do BC neste ano?
Scheinkman - Se não conseguir,
voltamos à situação em que estávamos no último semestre do ano
passado. Mas acho que as reformas tributária e da Previdência
são mais importantes do que a autonomia do BC. Daqui a um ano,
se estivermos com o mesmo sistema de previdência pública, a capacidade do Brasil de voltar a
crescer e a capacidade do governo
de honrar seus compromissos ficarão muito afetadas.
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