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RECEITA FEDERAL
Dinheiro foi pago por empresas que se beneficiaram de alterações na legislação tributária na gestão de Everardo Maciel
MPF suspeita de R$ 26 mi pagos a auditores
LEONARDO SOUZA
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os auditores da Receita Federal
Sandro Martins Silva e Paulo Baltazar Carneiro, ex-integrantes do
primeiro escalão da Receita, receberam R$ 26 milhões por serviços
que incluíam alterações na legislação tributária. Essas mudanças
se confirmaram na gestão do ex-secretário Everardo Maciel.
Outros R$ 11 milhões pagos a
empresas que intermediaram os
recursos para a firma dos auditores, a Martins Carneiro Consultoria, desapareceram no meio do
caminho e não há indícios, até
agora, de quem teria se beneficiado dessa parcela.
Os dois auditores não quiseram
se pronunciar sobre o caso.
Os dados decorrem de investigação iniciada por comissão de
inquérito aberta pela Corregedoria da Receita em 2003. A Folha
obteve informações relacionadas
ao caso dos dois auditores que até
agora não haviam sido divulgadas. A dupla recebeu R$ 1,27 milhão da coletora de lixo Vega Engenharia (prestadora de serviços
da Prefeitura de São Paulo e uma
das principais doadoras dos diretórios estadual e nacional do PT) e
R$ 950 mil da Brasil Telecom e do
banco Opportunity, que administrava a telefônica.
Já se sabia que Silva e Carneiro
haviam embolsado pagamentos
da construtora OAS (R$ 18,35 milhões), da rede de lanchonetes
McDonald's (R$ 1,5 milhão), da
Fiat Automóveis (R$ 2,18 milhões) e da importadora Eximbiz
(R$ 1,33 milhão). Além dos casos
Vega, Brasil Telecom e Opportunity, descobriu-se agora que a
empreiteira Norcon (R$ 410 mil) e
a Refrigerantes Brasília (R$ 40
mil) também contrataram os serviços dos dois auditores.
Todas as empresas tinham algum problema com a Receita ou
autuações que queriam derrubar
na esfera administrativa ou por
meio de mudanças na legislação
tributária. Juntas, as nove empresas tinham autuações da Receita
no total de R$ 1,81 bilhão.
Um relatório da inteligência do
Núcleo de Repressão ao Crime
Organizado da Polícia Federal, ao
qual a Folha teve acesso, revela o
poder de Carneiro na Receita.
"Paulo [Baltazar Carneiro] tem
grande influência entre seus colegas da Receita, inclusive políticos
ligados à instituição, prova disso é
o seu nome ter sido indicado numa lista tríplice para apreciação,
por parte da equipe de transição
do novo governo, para assumir a
Secretaria da Receita Federal",
afirma o documento da PF, datado de novembro de 2002. O currículo de Carneiro confirma a percepção. Foi coordenador-geral de
tributação e ex-secretário-adjunto de Everardo, dois dos principais cargos da Receita.
Sandro Martins também foi
coordenador geral de tributação e
chefe da assessoria especial de
Maciel. Na gestão de Rachid, continuou prestigiado, ao ocupar sua
assessoria especial até o começo
de 2003, quando as primeiras denúncias sobre o caso OAS foram
publicadas pela imprensa.
Funcionários de carreira da Receita, Carneiro ou Martins estava
de licença quando os contratos
investigados foram assinados.
Enquanto um deles estava afastado e trabalhava na empresa, o outro continuava como auditor.
Ações públicas
O MPF e a PF investigam em
quatro ações civis públicas e inquéritos a extensão das atividades
da dupla, além da suposta participação de Everardo Maciel -que
nega qualquer envolvimento.
Dos nove grandes clientes da
Martins Carneiro Consultoria,
pelo menos três fizeram os pagamentos poucos dias depois de
mudanças na legislação tributária
autorizadas por Maciel.
A McDonald's pagou R$ 1,5 milhão à empresa dos auditores 18
dias depois que uma instrução
normativa assinada por Maciel livrou a rede de lanchonetes do pagamento de impostos futuros. A
instrução normativa foi usada na
defesa de uma cobrança de R$ 78
milhões em autuações.
Entre os documentos apreendidos durante a investigação estão
duas notas fiscais originais da empresa que subcontratou a Martins
Carneiro, a RPN, que aponta o pagamento "conforme contrato de
consultoria sobre dedutibilidade
de royalties" -o mesmo objeto
da instrução normativa assinada
por Maciel.
Além disso, o contrato da
McDonald's com a RPN (usada
apenas para despistar os pagamentos da rede de lanchonetes a
Carneiro) informa que um dos
objetivos da parceria é "agilização
da aprovação de portaria da Receita Federal sobre dedutibilidade
de royalties".
No segundo caso, Everardo Maciel assinou, em fevereiro de 2002,
uma instrução normativa que alterava legislação tributária na área
automotiva. Cinco dias depois da
medida, a Fiat Automóveis depositou R$ 12 milhões na conta de
um escritório de advocacia do Rio
de Janeiro. Dali o dinheiro seguiu
no mesmo dia para outra empresa, que em seguida pagou R$ 2,1
milhões à dupla de auditores.
O principal sócio do escritório
de advocacia, Alberto Guimarães
Andrade, disse em depoimento à
Corregedoria da Receita que a
subcontratação da empresa que
pagou os auditores tinha por objetivo a adoção de medidas que
"levassem à modificação da legislação e dessem o resultado esperado".
Segundo os documentos em poder do Ministério Público Federal,
a coletora de lixo Vega, a Brasil
Telecom e o Opportunity de Daniel Dantas fizeram pagamentos à
firma Martins Carneiro em troca
da atuação dos auditores em processos administrativos internos
ou "consultoria".
A tele teria deixado de pagar R$
35 milhões por causa da ação dos
auditores. Eles receberam ao todo
R$ 881 mil pelo contrato com a
empresa.
O banco Opportunity pagou R$
70 mil à dupla. Alegou que eles
deram "palestras na sede do banco" e que não há documentos
comprobatórios do trabalho porque foram foram "exposições
orais".
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