São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2006

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RECEITA FEDERAL

Dinheiro foi pago por empresas que se beneficiaram de alterações na legislação tributária na gestão de Everardo Maciel

MPF suspeita de R$ 26 mi pagos a auditores

LEONARDO SOUZA
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os auditores da Receita Federal Sandro Martins Silva e Paulo Baltazar Carneiro, ex-integrantes do primeiro escalão da Receita, receberam R$ 26 milhões por serviços que incluíam alterações na legislação tributária. Essas mudanças se confirmaram na gestão do ex-secretário Everardo Maciel.
Outros R$ 11 milhões pagos a empresas que intermediaram os recursos para a firma dos auditores, a Martins Carneiro Consultoria, desapareceram no meio do caminho e não há indícios, até agora, de quem teria se beneficiado dessa parcela.
Os dois auditores não quiseram se pronunciar sobre o caso.
Os dados decorrem de investigação iniciada por comissão de inquérito aberta pela Corregedoria da Receita em 2003. A Folha obteve informações relacionadas ao caso dos dois auditores que até agora não haviam sido divulgadas. A dupla recebeu R$ 1,27 milhão da coletora de lixo Vega Engenharia (prestadora de serviços da Prefeitura de São Paulo e uma das principais doadoras dos diretórios estadual e nacional do PT) e R$ 950 mil da Brasil Telecom e do banco Opportunity, que administrava a telefônica.
Já se sabia que Silva e Carneiro haviam embolsado pagamentos da construtora OAS (R$ 18,35 milhões), da rede de lanchonetes McDonald's (R$ 1,5 milhão), da Fiat Automóveis (R$ 2,18 milhões) e da importadora Eximbiz (R$ 1,33 milhão). Além dos casos Vega, Brasil Telecom e Opportunity, descobriu-se agora que a empreiteira Norcon (R$ 410 mil) e a Refrigerantes Brasília (R$ 40 mil) também contrataram os serviços dos dois auditores.
Todas as empresas tinham algum problema com a Receita ou autuações que queriam derrubar na esfera administrativa ou por meio de mudanças na legislação tributária. Juntas, as nove empresas tinham autuações da Receita no total de R$ 1,81 bilhão.
Um relatório da inteligência do Núcleo de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Federal, ao qual a Folha teve acesso, revela o poder de Carneiro na Receita.
"Paulo [Baltazar Carneiro] tem grande influência entre seus colegas da Receita, inclusive políticos ligados à instituição, prova disso é o seu nome ter sido indicado numa lista tríplice para apreciação, por parte da equipe de transição do novo governo, para assumir a Secretaria da Receita Federal", afirma o documento da PF, datado de novembro de 2002. O currículo de Carneiro confirma a percepção. Foi coordenador-geral de tributação e ex-secretário-adjunto de Everardo, dois dos principais cargos da Receita.
Sandro Martins também foi coordenador geral de tributação e chefe da assessoria especial de Maciel. Na gestão de Rachid, continuou prestigiado, ao ocupar sua assessoria especial até o começo de 2003, quando as primeiras denúncias sobre o caso OAS foram publicadas pela imprensa.
Funcionários de carreira da Receita, Carneiro ou Martins estava de licença quando os contratos investigados foram assinados. Enquanto um deles estava afastado e trabalhava na empresa, o outro continuava como auditor.

Ações públicas
O MPF e a PF investigam em quatro ações civis públicas e inquéritos a extensão das atividades da dupla, além da suposta participação de Everardo Maciel -que nega qualquer envolvimento.
Dos nove grandes clientes da Martins Carneiro Consultoria, pelo menos três fizeram os pagamentos poucos dias depois de mudanças na legislação tributária autorizadas por Maciel.
A McDonald's pagou R$ 1,5 milhão à empresa dos auditores 18 dias depois que uma instrução normativa assinada por Maciel livrou a rede de lanchonetes do pagamento de impostos futuros. A instrução normativa foi usada na defesa de uma cobrança de R$ 78 milhões em autuações.
Entre os documentos apreendidos durante a investigação estão duas notas fiscais originais da empresa que subcontratou a Martins Carneiro, a RPN, que aponta o pagamento "conforme contrato de consultoria sobre dedutibilidade de royalties" -o mesmo objeto da instrução normativa assinada por Maciel.
Além disso, o contrato da McDonald's com a RPN (usada apenas para despistar os pagamentos da rede de lanchonetes a Carneiro) informa que um dos objetivos da parceria é "agilização da aprovação de portaria da Receita Federal sobre dedutibilidade de royalties".
No segundo caso, Everardo Maciel assinou, em fevereiro de 2002, uma instrução normativa que alterava legislação tributária na área automotiva. Cinco dias depois da medida, a Fiat Automóveis depositou R$ 12 milhões na conta de um escritório de advocacia do Rio de Janeiro. Dali o dinheiro seguiu no mesmo dia para outra empresa, que em seguida pagou R$ 2,1 milhões à dupla de auditores.
O principal sócio do escritório de advocacia, Alberto Guimarães Andrade, disse em depoimento à Corregedoria da Receita que a subcontratação da empresa que pagou os auditores tinha por objetivo a adoção de medidas que "levassem à modificação da legislação e dessem o resultado esperado".
Segundo os documentos em poder do Ministério Público Federal, a coletora de lixo Vega, a Brasil Telecom e o Opportunity de Daniel Dantas fizeram pagamentos à firma Martins Carneiro em troca da atuação dos auditores em processos administrativos internos ou "consultoria".
A tele teria deixado de pagar R$ 35 milhões por causa da ação dos auditores. Eles receberam ao todo R$ 881 mil pelo contrato com a empresa.
O banco Opportunity pagou R$ 70 mil à dupla. Alegou que eles deram "palestras na sede do banco" e que não há documentos comprobatórios do trabalho porque foram foram "exposições orais".


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