São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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DNA de Belo Monte fica mais estatal após mudança em grupo

MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando as construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht saíram da disputa pela construção de Belo Monte, no dia 7, o presidente Lula reagiu com a seguinte declaração: "Quem apostar que o governo não tem cacife para fazer está errado. O governo vai fazer Belo Monte".
A promessa parece realizar-se, gradativa e consistentemente. Ontem, após a vitória inesperada no leilão, as construtoras Queiroz Galvão e J. Malucelli, ambas privadas, decidiram deixar o grupo vitorioso, liderado pela estatal Chesf, subsidiária da Eletrobras.
Ao mesmo tempo, Eletronorte e os fundos Petrus e Funcef, de funcionários de estatais, negociavam forma de aderir ao grupo vencedor, fortalecendo ainda mais a presença estatal no bloco que irá erguer a usina.
Somados à imensa parcela do financiamento público da obra -de até 80%, vindos dos cofres do BNDES- e a isenção de IR autorizada pela Sudam por até 15 anos, os últimos fatos transformam Belo Monte praticamente numa espécie de estatal -ainda que um grupo privado, como Alcoa ou CSN, ingresse como autoprodutor ou construtoras venham a ser contratadas para fazer a obra como simples prestadoras de serviço.
Percebida só agora por quase todos os observadores, a tendência à estatização causou surpresa entre empresários. Em especial, a forma com que o governo atuou, até o fim, como se desejasse a hegemonia privada no bloco vencedor.
Isso porque o resultado do leilão ocorreu depois de manobra bem-sucedida da ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, de fortalecer justamente o grupo rival e perdedor, liderado por Vale e Andrade Gutierrez.
Nos dias anteriores ao leilão, Erenice havia conseguido trazer de volta à disputa, ao lado da Vale e da Andrade, as duas maiores construtoras do país -Odebrecht e Camargo Corrêa, que formavam consórcio dissidente e haviam abandonado o leilão por verem muito risco e pouco retorno na obra.
Erenice conversou pessoalmente com os dois principais executivos das duas construtoras (Marcelo Odebrecht e Luiz Nascimento). Com criatividade e ousadia, convenceu-os a voltar à disputa, como simples construtoras, e não mais como investidores em energia.
O argumento de Erenice, que lhes pareceu sincero, foi o que de que, somado à musculatura financeira da Vale e à experiência da Andrade Gutierrez, o know-how das empreiteiras, então desistentes, asseguraria a construção daquela que, se iniciada, será a maior obra em construção no mundo.
As negociações foram delicadas. Odebrecht e Camargo disseram que o principal entrave era o risco de custo inesperado na construção de diques e canais -Belo Monte prevê a abertura de dois canais de até 35 km de comprimento e 500 m de largura; o volume de terra a ser retirado, e de concreto para forrá-los, supera o da construção do canal do Panamá.
Como não teria havido sondagens geológicas suficientes para trazer previsibilidade para a obra, diziam as construtoras, seria um risco assumir um preço fixo para a empreitada -o governo insiste em que a obra custará R$ 19 bilhões, enquanto o setor privado calcula o valor em R$ 30 bilhões.
Como solução, Erenice convenceu a Vale a assumir o risco extra apontado pelas empreiteiras, remunerando diques, perfurações e canais por "custo unitário", e não por custo fechado. Ou seja, ao aderir ao grupo da Vale, Odebrecht e Camargo Corrêa terceirizariam o risco para a mineradora (não ficou claro como ela se compensaria por isso). As duas empreiteiras, então desistentes, ganhariam menos dinheiro do que como investidores em energia, mas com menos risco. Com o resultado do leilão, nada disso valeu.


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