|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DNA de Belo Monte fica mais estatal após mudança em grupo
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando as construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht saíram da disputa pela construção
de Belo Monte, no dia 7, o presidente Lula reagiu com a seguinte declaração: "Quem
apostar que o governo não tem
cacife para fazer está errado. O
governo vai fazer Belo Monte".
A promessa parece realizar-se, gradativa e consistentemente. Ontem, após a vitória inesperada no leilão, as construtoras Queiroz Galvão e J. Malucelli, ambas privadas, decidiram
deixar o grupo vitorioso, liderado pela estatal Chesf, subsidiária da Eletrobras.
Ao mesmo tempo, Eletronorte e os fundos Petrus e Funcef, de funcionários de estatais,
negociavam forma de aderir ao
grupo vencedor, fortalecendo
ainda mais a presença estatal
no bloco que irá erguer a usina.
Somados à imensa parcela do
financiamento público da obra
-de até 80%, vindos dos cofres
do BNDES- e a isenção de IR
autorizada pela Sudam por até
15 anos, os últimos fatos transformam Belo Monte praticamente numa espécie de estatal
-ainda que um grupo privado,
como Alcoa ou CSN, ingresse
como autoprodutor ou construtoras venham a ser contratadas para fazer a obra como
simples prestadoras de serviço.
Percebida só agora por quase
todos os observadores, a tendência à estatização causou
surpresa entre empresários.
Em especial, a forma com que o
governo atuou, até o fim, como
se desejasse a hegemonia privada no bloco vencedor.
Isso porque o resultado do
leilão ocorreu depois de manobra bem-sucedida da ministra
da Casa Civil, Erenice Guerra,
de fortalecer justamente o grupo rival e perdedor, liderado
por Vale e Andrade Gutierrez.
Nos dias anteriores ao leilão,
Erenice havia conseguido trazer de volta à disputa, ao lado
da Vale e da Andrade, as duas
maiores construtoras do país
-Odebrecht e Camargo Corrêa, que formavam consórcio
dissidente e haviam abandonado o leilão por verem muito risco e pouco retorno na obra.
Erenice conversou pessoalmente com os dois principais
executivos das duas construtoras (Marcelo Odebrecht e Luiz
Nascimento). Com criatividade
e ousadia, convenceu-os a voltar à disputa, como simples
construtoras, e não mais como
investidores em energia.
O argumento de Erenice, que
lhes pareceu sincero, foi o que
de que, somado à musculatura
financeira da Vale e à experiência da Andrade Gutierrez, o
know-how das empreiteiras,
então desistentes, asseguraria a
construção daquela que, se iniciada, será a maior obra em
construção no mundo.
As negociações foram delicadas. Odebrecht e Camargo disseram que o principal entrave
era o risco de custo inesperado
na construção de diques e canais -Belo Monte prevê a abertura de dois canais de até 35 km
de comprimento e 500 m de
largura; o volume de terra a ser
retirado, e de concreto para forrá-los, supera o da construção
do canal do Panamá.
Como não teria havido sondagens geológicas suficientes
para trazer previsibilidade para
a obra, diziam as construtoras,
seria um risco assumir um preço fixo para a empreitada -o
governo insiste em que a obra
custará R$ 19 bilhões, enquanto o setor privado calcula o valor em R$ 30 bilhões.
Como solução, Erenice convenceu a Vale a assumir o risco
extra apontado pelas empreiteiras, remunerando diques,
perfurações e canais por "custo
unitário", e não por custo fechado. Ou seja, ao aderir ao grupo da Vale, Odebrecht e Camargo Corrêa terceirizariam o risco para a mineradora (não ficou
claro como ela se compensaria
por isso). As duas empreiteiras,
então desistentes, ganhariam
menos dinheiro do que como
investidores em energia, mas
com menos risco. Com o resultado do leilão, nada disso valeu.
Texto Anterior: Análise: Projeto ganha "finale" digno do regime militar Próximo Texto: Obra não põe fim a gargalos, diz especialista Índice
|