São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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PAULO RABELLO DE CASTRO

A verdade de Brasília


Sua arquitetura lembra tanto uma cruz como uma espada; a cruz tributária de todos os brasileiros não tem sido leve

NO RETROSPECTO do seu primeiro cinquentenário, a verdade econômica de Brasília é que ela nos custou caro. E continua custando. Mas sua "verdade" admite muitas versões, algumas delas favoráveis ao projeto que, afinal, não era de Juscelino, mas já estava firmado no imaginário dos nossos tataravós, ao inscreveram o sonho de uma capital interiorana na primeira Constituição da República em 1891. Juscelino, gênio político, apenas colheu a quimera no ar, na resposta de improviso que deu ao Toniquinho, um jovem que escutava a arenga do candidato, num comício na longínqua Jataí. As melhores e as piores coisas costumam nascer de um improviso.
Naquele comício, a pergunta seminal faria Brasília nascer. Mas foi a obsessão persistente de JK que transformou a palavra dada ao eleitor em blocos de concreto armado, a partir dos traços igualmente fabulosos de Niemeyer e de Lúcio Costa. Como sonho telúrico e afirmação de identidade nacional, Brasília inflacionou mas valeu a pena.
Brasília foi, no entanto, politicamente desestruturante. Isso nos custou mais caro. Da construção de Brasília, resultaram o desequilíbrio orçamentário que a financiou, a carestia que se seguiu, os apertos para rolar os empréstimos americanos, o inconformismo da população e o rugido político do pensamento conservador, que alimentaria o desfalecimento derradeiro da democracia em 1968. Brasília matou, inclusive, a carreira política do seu criador. Não deixa de ser contraditório, e por isso, bem brasileiro, que Brasília, nascida de um mutirão lindamente popular, uma espécie de quermesse de humanismos, tenha se consolidado no determinismo castrense dos anos de chumbo. Tal como a conheci, ainda era uma jovem meio desengonçada, capital com jeito de guarnição de fronteira. Agora aos 50, com árvores frondosas e bairros amadurecidos, vestida pelas festivas alegrias democráticas, Brasília já se assumiu como capital, deixando o Rio na saudade.
Com seus quadros da alta burocracia do Estado, políticos e assessores, toda sorte de acólitos do poder -gastadores da multibilionária verba federal-, Brasília se tornou a maior renda per capita, apesar de não produzir quase nada que se coma, que se vista ou que se use na vida comum dos cidadãos. Brasília produz comandos. Sua arquitetura lembra tanto uma cruz como uma espada. A cruz tributária dos brasileiros não tem sido leve. Na era brasiliense, a carga tributária total saltou de 20% para 40% do PIB. Mas a máquina federal continua perto da lanterna do mundo (128º lugar) no ranking de eficiência mundial em gastos públicos, segundo pesquisa do World Economic Forum. Aqui, Brasília responde por tabela, pelo fato de ser uma cidade que reúne, sobretudo, os gastadores oficiais e onde os contribuintes são desproporcionalmente mal representados.
Também registro uma injustiça que vai ficando na poeira da história.
Brasília nasceu da costela de Adão, quando se extraiu do Rio sua serventia como capital federal, no mais completo descuido do replanejamento de uma cidade que, mal ou bem, ainda representa a pátria amada. Enquanto Brasília, como Distrito Federal, ganhava hiper-representação política (e que políticos!) com três senadores, o general -presidente Geisel- capava o Rio da sua condição de autonomia, ao extinguir o Estado da Guanabara sem consulta ao povo, disso resultando a decadência carioca até hoje.
Mesmo assim, por cumprir um destino onírico, Brasília merece nossos encômios. O resto é conosco e o futuro.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 61, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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