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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Crime e castigo
Nos anos 90, houve um
declínio formidável do crime
nos Estados Unidos; a taxa de
homicídio per capita caiu 43%
O BRASIL tem problemas estruturais relacionados com a
criminalidade. A literatura
econômica documenta que a desigualdade está associada a uma
maior taxa de delinqüência. Diminuir a desigualdade é uma prioridade para o país, e não somente por
causa do seu efeito no crime. Mas a
crise de segurança pública paulista
demanda medidas com maior impacto no curto e médio prazo e, em
particular, que afetem o crime organizado.
Nos anos 90, houve um declínio
formidável do crime nos EUA; a taxa de homicídio per capita caiu
43%, e a de crimes violentos, 33%.
Esse foi um período de crescimento
da economia americana, mas as
melhores estimativas são que a
prosperidade teve um efeito pequeno nos crimes contra a propriedade
e praticamente nulo na violência.
Não faltam hipóteses para explicar a menor criminalidade. A mídia
tem enfatizado a experiência de
Nova York e a política de tolerância
zero do prefeito Giuliani. O uso de
melhores estratégias de combate ao
crime provavelmente foi um fator
importante na queda de delitos,
mas é bom lembrar que a diminuição do crime em Nova York antecede a posse de Giuliani, em 1993, e
que cidades americanas que não
impuseram tolerância zero também experimentaram quedas na
criminalidade. Além disso, a política nova-iorquina dá um poder extraordinário aos policiais, e as polícias brasileiras não estão preparadas para isso. Numa pesquisa do
Instituto Futuro Brasil, 6,9% dos
homens negros em São Paulo afirmaram que haviam sofrido uma
agressão policial nos últimos 12 meses. Antes de aumentar os poderes
dos policiais, é preciso melhorar a
qualidade da polícia e as relações
entre polícia e cidadãos. Isso não
quer dizer que se deva adiar a implementação de outras medidas
que aumentem a capacidade da polícia de combater a delinqüência.
Se o crescimento econômico e tolerância zero não são capazes de explicar o que ocorreu nos EUA, dois
outros fatores parecem ter sido efetivamente importantes e relevantes
para o caso de São Paulo.
Nos anos 90, o número de policiais per capita cresceu 14% nos
EUA e 45% em Nova York, e a melhor estimativa atribui mais de um
quarto da queda da criminalidade
na cidade ao aumento do contingente policial. A fartura de "seguranças", substitutos inadequados
para policiais, que se observa em
qualquer grande cidade brasileira
testemunha a necessidade de mais
polícia.
Além disso, a partir de meados da
década de 70, a quantidade de presos nos EUA cresceu vertiginosamente. O aumento da encarceração
retirou criminosos das ruas, e a
maior chance de punição, assim como as penas mais longas, desencorajou a criminalidade. No Brasil, a
probabilidade de o responsável por
um crime acabar numa penitenciária é muito pequena e, em muitos
casos, o tempo passado na prisão é
reduzido.
Há pouca análise sistemática do
crime organizado. Uma exceção é o
trabalho de Levitt e Venkatesh, que
obtiveram o livro-caixa de uma
gangue de Chicago. Uma conclusão
fascinante é a grande desigualdade
de ganhos entre os seus membros.
Os "soldados" enfrentavam substancial risco de vida em troca de
rendimentos que pouco superavam
o salário mínimo. Aparentemente,
eles o faziam em troca da pequena
chance de sobreviver e galgar postos mais altos, nos quais, além de
prestígio social, receberiam 10 a 20
vezes mais. Isso demonstra um
grande apetite para o risco, muito
acima daquele estimado por economistas para uma pessoa média.
Se o mesmo for verdade para os
soldados do PCC, pouco adianta
ameaçá-los com a possibilidade remota de pena de morte. Muito mais
efetivo será atacar as fontes de ganho da organização criminosa e aumentar substancialmente as chances de apreensão e encarceramento
dos seus membros. Além disso, é
preciso isolá-los de seus colegas de
bando na prisão, impedindo, assim,
que subam na hierarquia do comando. Mas essa é uma tarefa não
só da polícia mas também dos políticos e juízes, que precisam endurecer as leis e fazê-las cumprir.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
@ - jose.scheinkman gmail.com
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