São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Crime e castigo

Nos anos 90, houve um declínio formidável do crime nos Estados Unidos; a taxa de homicídio per capita caiu 43%

O BRASIL tem problemas estruturais relacionados com a criminalidade. A literatura econômica documenta que a desigualdade está associada a uma maior taxa de delinqüência. Diminuir a desigualdade é uma prioridade para o país, e não somente por causa do seu efeito no crime. Mas a crise de segurança pública paulista demanda medidas com maior impacto no curto e médio prazo e, em particular, que afetem o crime organizado. Nos anos 90, houve um declínio formidável do crime nos EUA; a taxa de homicídio per capita caiu 43%, e a de crimes violentos, 33%. Esse foi um período de crescimento da economia americana, mas as melhores estimativas são que a prosperidade teve um efeito pequeno nos crimes contra a propriedade e praticamente nulo na violência. Não faltam hipóteses para explicar a menor criminalidade. A mídia tem enfatizado a experiência de Nova York e a política de tolerância zero do prefeito Giuliani. O uso de melhores estratégias de combate ao crime provavelmente foi um fator importante na queda de delitos, mas é bom lembrar que a diminuição do crime em Nova York antecede a posse de Giuliani, em 1993, e que cidades americanas que não impuseram tolerância zero também experimentaram quedas na criminalidade. Além disso, a política nova-iorquina dá um poder extraordinário aos policiais, e as polícias brasileiras não estão preparadas para isso. Numa pesquisa do Instituto Futuro Brasil, 6,9% dos homens negros em São Paulo afirmaram que haviam sofrido uma agressão policial nos últimos 12 meses. Antes de aumentar os poderes dos policiais, é preciso melhorar a qualidade da polícia e as relações entre polícia e cidadãos. Isso não quer dizer que se deva adiar a implementação de outras medidas que aumentem a capacidade da polícia de combater a delinqüência. Se o crescimento econômico e tolerância zero não são capazes de explicar o que ocorreu nos EUA, dois outros fatores parecem ter sido efetivamente importantes e relevantes para o caso de São Paulo. Nos anos 90, o número de policiais per capita cresceu 14% nos EUA e 45% em Nova York, e a melhor estimativa atribui mais de um quarto da queda da criminalidade na cidade ao aumento do contingente policial. A fartura de "seguranças", substitutos inadequados para policiais, que se observa em qualquer grande cidade brasileira testemunha a necessidade de mais polícia. Além disso, a partir de meados da década de 70, a quantidade de presos nos EUA cresceu vertiginosamente. O aumento da encarceração retirou criminosos das ruas, e a maior chance de punição, assim como as penas mais longas, desencorajou a criminalidade. No Brasil, a probabilidade de o responsável por um crime acabar numa penitenciária é muito pequena e, em muitos casos, o tempo passado na prisão é reduzido. Há pouca análise sistemática do crime organizado. Uma exceção é o trabalho de Levitt e Venkatesh, que obtiveram o livro-caixa de uma gangue de Chicago. Uma conclusão fascinante é a grande desigualdade de ganhos entre os seus membros. Os "soldados" enfrentavam substancial risco de vida em troca de rendimentos que pouco superavam o salário mínimo. Aparentemente, eles o faziam em troca da pequena chance de sobreviver e galgar postos mais altos, nos quais, além de prestígio social, receberiam 10 a 20 vezes mais. Isso demonstra um grande apetite para o risco, muito acima daquele estimado por economistas para uma pessoa média. Se o mesmo for verdade para os soldados do PCC, pouco adianta ameaçá-los com a possibilidade remota de pena de morte. Muito mais efetivo será atacar as fontes de ganho da organização criminosa e aumentar substancialmente as chances de apreensão e encarceramento dos seus membros. Além disso, é preciso isolá-los de seus colegas de bando na prisão, impedindo, assim, que subam na hierarquia do comando. Mas essa é uma tarefa não só da polícia mas também dos políticos e juízes, que precisam endurecer as leis e fazê-las cumprir.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

@ - jose.scheinkman gmail.com


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