São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Famílias pagam R$ 72,1 bilhões em juros e travam consumo

Volume de crédito oferecido a pessoas físicas aumenta 89,7% sobre 2003, enquanto a taxa cobrada cai de 66,6% para 59%, ainda muito acima da Selic

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

As famílias brasileiras pagaram, nos últimos 12 meses encerrados em março, R$ 72,1 bilhões sob a forma de juros de empréstimos e de financiamentos para a compra de bens, revela estudo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio SP) obtido pela Folha.
Em março, a taxa média de juros cobrada de pessoas físicas era de 59% ao ano -bem mais alta do que a taxa básica da economia, que na época estava em 16,5% ao ano e hoje está em 15,75% ao ano.
Com os juros mais baixos, esse dinheiro iria para o consumo, assegurando crescimento econômico maior, avalia a entidade. Antonio Carlos Borges, diretor-executivo da Fecomercio SP, acredita que se o Banco Central fosse mais ousado e cortasse o juro básico com maior intensidade, o país poderia crescer 6% ao ano.
A previsão do governo é de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 4% neste ano. Em 2005, a expansão da economia foi de 2,3%.
"Com essa taxa de juro, há uma transferência de renda para o sistema financeiro. É renda que deixa de estar disponível para poupança ou para consumo. Considerando que 80% da renda das famílias vai para o consumo e 20% para a poupança, esses recursos poderiam impulsionar as vendas de produtos e serviços", disse Borges.
Já o volume de recursos pagos na forma de juros por empresas (R$ 50,6 bilhões) e pelo governo (R$ 174 bilhões), nos últimos 12 meses encerrados em março, correspondeu a R$ 296 bilhões. É o equivalente a 1,24 vez o PIB do Chile no ano passado (R$ 110 bilhões).
Cálculos da Fecomercio SP apontam ainda que o total de juros pagos no país representa 218 dias -ou sete meses e oito dias- de vendas do varejo. Outra comparação que chama a atenção: os juros pagos no país correspondem à totalidade da renda gerada pelas famílias de São Paulo -o montante foi de R$ 290 bilhões em 2005.

Escalada dos juros
Apesar da queda dos juros praticados em financiamentos às pessoas físicas, o volume de juros pagos pelas famílias só cresceu nos últimos anos.
O valor subiu 6,8% de 2005 (quando as famílias pagaram R$ 67,6 bilhões em juros) para 2006. Em relação ao total de 2003 (R$ 48,7 bilhões), primeiro ano do governo Lula, a expansão foi de 48,2%.
Para Borges, a escalada dos juros compromete cada vez mais a renda da população e "acaba por comprimir a capacidade de consumo" da sociedade brasileira, já combalida pela "pesada" carga tributária -atualmente, de 39% do PIB, segundo estimativa da Fecomercio SP.
O aumento das despesas com o pagamento de juros acompanha a evolução do volume de crédito oferecido às famílias, que cresceu 7,7% de 2005 para 2006. O montante relativo a empréstimos nas mãos de pessoas físicas passou de R$ 155,2 bilhões para R$ 167,2 bilhões.
Desde 2003, o volume de recursos financiados às famílias aumentou 89,7%, segundo dados coletados pela entidade.
As taxas de juros a pessoas físicas, por sua vez, baixaram. Eram de 66,6% em dezembro de 2003. Passaram para 59,3% ao final de 2005. Chegaram a 59% na média dos últimos 12 meses encerrados em março deste ano.

Conservadorismo
O patamar das taxas de juros oferecidas às famílias, porém, é ainda muito alto e bastante descolado da taxa Selic, na visão da Fecomercio SP.
Borges acredita que a inflação está em "parâmetros seguros" e permite um recuo mais intenso das taxas de juros. Para ele, o Banco Central tem sido conservador -os últimos cortes da taxa de juros têm sido de 0,75 ponto percentual.
Como forma de ampliar a "ousadia" do BC e assegurar a meta de inflação, Borges defende um maior rigor fiscal, com o corte de gastos do governo em despesas correntes.
Com a queda mais intensa dos juros, prevê, sobrariam mais recursos para investimentos. A Fecomercio SP estima que, se a Selic tivesse ficado dois pontos percentuais mais baixa em 2005 (fechou o ano em 18%), o governo poderia ter ampliado os investimentos (R$ 23 bilhões em 2005) em 90% ou empregado o dobro de recursos no programa Bolsa-Família -cujo orçamento foi de R$ 8,3 bilhões no ano passado.


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