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LUÍS NASSIF
Patiño e o cobre da Bolívia
Por mais primário que seja
Evo Morales, existe uma
herança secular boliviana
que precisa ser exorcizada
A POBREZA da Bolívia contrastou, durante muito tempo,
com a riqueza de um de seus
filhos, Antenor Patiño, o "rei do estanho", nascido nos últimos anos do
século 19 e considerado um dos homens mais ricos de seu tempo.
Em 1968, a pedido de Oliveira Salazar, o ditador português, Patiño
preparou um baile com o objetivo de
ser o mais faustoso da história. O
pretexto de Salazar era atrair a Portugal o turismo de alto luxo; o de Patiño, mostrar a riqueza que a Bolívia
lhe proporcionara. Era para ser uma
festa maior do que a do Marquês de
Cuevas, em Biarritz; a de Charles de
Beistégui, no Palácio da Lábia, em
Veneza; o Baile Astor, na Inglaterra,
ao qual compareceu o primeiro-ministro britânico John Profumo, com
as prostitutas do doutor Ward -um
episódio inesquecível dos anos 60.
O baile foi na Quinta Patiño, a três
quilômetros de Estoril. Foram selecionados 700 convidados, a nata da
sociedade européia, americana e alguns asiáticos. O baile mobilizou jatinhos de toda a Europa, iates alugados em todos os portos do Mediterrâneo e do Atlântico. Como descreveria José-Luiz de Vilallonga, um
nobre espanhol inteligente e ferino,
durante meses uma centena de operários escavou um vale artificial em
uma colina, em frente à Quinta, só
para permitir aos convidados avistar
o mar do alto dos terraços. Foram
trazidas orquestras de Londres, Nova York e Antilhas; fabricadas 60 mil
lâmpadas a óleo. Houve mercado
negro de convites, e Gina Lollobrigida só conseguiu entrar de penetra.
Antenor Patiño era herdeiro, filho
de Simon Patiño, descendente de
espanhóis nascido em Cochabamba.
Por conta de um tio general, Simon
conseguiu emprego na German
Fricke & Cia, trading que comercializava quinino e metais variados.
Tempos depois, associou-se a outro
empresário na exploração de mina
de estanho, investindo US$ 6.000.
Em lugar de prata, passou a procurar estanho. Com a descoberta das
reservas de Orko-Intijaljata, conseguiu o melhor estanho do mundo.
Teve três herdeiros, o mais velho
entrevado, o mais novo Antenor,
que se tornou o herdeiro de fato de
sua fortuna. Durante décadas, em
seu escritório na avenida Foch ou
em seu palacete na Rua D'Andigné,
Antenor deu as maiores demonstrações de riqueza inútil que seu tempo
conheceu. Transformou sala inteira
em cofre forte, para guardar sua coleção de prataria. Tímbalos, taças,
jarros, cremeiras, vasos e uma coleção infindável de objetos do século
18 encantavam seus convidados. Em
cada jantar, tiravam-se as pratarias
da sala-forte e uma secretária registrava cada peça colocada na mesa;
depois, conferir a volta ao cofre.
Em 1952, as minas foram nacionalizadas no bojo de uma das inúmeras revoluções bolivianas. Patiño
manteve a fortuna, chegou a ser
grande acionista da Brasmotor. Todo o luxo e a riqueza que acumulou
não melhoraram um centavo a vida
dos mineiros bolivianos.
Por mais primário que seja Evo
Morales, há uma herança secular
boliviana que precisa ser exorcizada.
Não mais pelo estanho que Patiño
consumiu; mas pelo gás.
@ - Luisnassif uol.com.br
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