São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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LUÍS NASSIF

Patiño e o cobre da Bolívia

Por mais primário que seja Evo Morales, existe uma herança secular boliviana que precisa ser exorcizada

A POBREZA da Bolívia contrastou, durante muito tempo, com a riqueza de um de seus filhos, Antenor Patiño, o "rei do estanho", nascido nos últimos anos do século 19 e considerado um dos homens mais ricos de seu tempo.
Em 1968, a pedido de Oliveira Salazar, o ditador português, Patiño preparou um baile com o objetivo de ser o mais faustoso da história. O pretexto de Salazar era atrair a Portugal o turismo de alto luxo; o de Patiño, mostrar a riqueza que a Bolívia lhe proporcionara. Era para ser uma festa maior do que a do Marquês de Cuevas, em Biarritz; a de Charles de Beistégui, no Palácio da Lábia, em Veneza; o Baile Astor, na Inglaterra, ao qual compareceu o primeiro-ministro britânico John Profumo, com as prostitutas do doutor Ward -um episódio inesquecível dos anos 60. O baile foi na Quinta Patiño, a três quilômetros de Estoril. Foram selecionados 700 convidados, a nata da sociedade européia, americana e alguns asiáticos. O baile mobilizou jatinhos de toda a Europa, iates alugados em todos os portos do Mediterrâneo e do Atlântico. Como descreveria José-Luiz de Vilallonga, um nobre espanhol inteligente e ferino, durante meses uma centena de operários escavou um vale artificial em uma colina, em frente à Quinta, só para permitir aos convidados avistar o mar do alto dos terraços. Foram trazidas orquestras de Londres, Nova York e Antilhas; fabricadas 60 mil lâmpadas a óleo. Houve mercado negro de convites, e Gina Lollobrigida só conseguiu entrar de penetra. Antenor Patiño era herdeiro, filho de Simon Patiño, descendente de espanhóis nascido em Cochabamba. Por conta de um tio general, Simon conseguiu emprego na German Fricke & Cia, trading que comercializava quinino e metais variados. Tempos depois, associou-se a outro empresário na exploração de mina de estanho, investindo US$ 6.000. Em lugar de prata, passou a procurar estanho. Com a descoberta das reservas de Orko-Intijaljata, conseguiu o melhor estanho do mundo. Teve três herdeiros, o mais velho entrevado, o mais novo Antenor, que se tornou o herdeiro de fato de sua fortuna. Durante décadas, em seu escritório na avenida Foch ou em seu palacete na Rua D'Andigné, Antenor deu as maiores demonstrações de riqueza inútil que seu tempo conheceu. Transformou sala inteira em cofre forte, para guardar sua coleção de prataria. Tímbalos, taças, jarros, cremeiras, vasos e uma coleção infindável de objetos do século 18 encantavam seus convidados. Em cada jantar, tiravam-se as pratarias da sala-forte e uma secretária registrava cada peça colocada na mesa; depois, conferir a volta ao cofre. Em 1952, as minas foram nacionalizadas no bojo de uma das inúmeras revoluções bolivianas. Patiño manteve a fortuna, chegou a ser grande acionista da Brasmotor. Todo o luxo e a riqueza que acumulou não melhoraram um centavo a vida dos mineiros bolivianos. Por mais primário que seja Evo Morales, há uma herança secular boliviana que precisa ser exorcizada. Não mais pelo estanho que Patiño consumiu; mas pelo gás.

@ - Luisnassif uol.com.br


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