São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2008

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PAULO RABELLO DE CASTRO

A volta do Estado faz-tudo


A nova escalada fiscal do governo faz parte de uma ressurreição do Estado providencial, Estado faz-tudo

O ANÚNCIO de que o Palácio do Planalto "nada fará" para barrar a iniciativa parlamentar de ressurreição da CPMF contém indícios preocupantes. A insistência em "arrecadar o máximo" -palavras do presidente da República no ano passado- tem sua raiz profunda num velado desprezo, nutrido intimamente pela equipe de Lula, em razão da suposta incapacidade dos empresários em materializar investimentos num ritmo suficiente para gerar os milhões de empregos necessários nos próximos anos. Daí o PAC e a pressa em anunciar os avanços do Estado no campo econômico. Os porquês dessa alegada incapacidade dos empresários, e da sociedade em geral, jamais são levantados e investigados. Empresários, mercado e investidores são um mal a ser tolerado e administrado, com rédea curta.
Outro pressuposto é que o empresário engaveta recursos. É necessário chegar até eles via tributação. Aumentar a massa de recursos em mãos do Estado é oportuno e urgente. O Estado pretende até criar uma poupança especial, o fundo de riqueza soberana, mediante AUMENTO da arrecadação tributária, que o governo quer votar ainda neste ano.
Recriando a CPMF, o governo teria recursos "baratos" para o seu fundo soberano, a ser aprovado pelo Congresso. E para quê?
Para fazer o apoio financeiro das empresas que -ele, governo- julgar merecedoras de um empurrão no comércio exterior, de acordo com sua estratégia oficial, mediante a recém-anunciada política industrial.
Se depender do governo, a CPMF será recriada para aumentar ainda mais a capacidade de intervenção do poder público nas decisões de investimentos privados. O governo faz esse movimento intervencionista por considerar, internamente, que o setor privado "é subalterno" das políticas e da proteção do Estado.
Quando, por exemplo, o presidente se refere à aviação civil "da América do Sul" como um "desastre" e acrescenta ser preciso, talvez, criar uma estatal aérea aqui no Brasil, ele não pensa nas péssimas políticas públicas para a aviação civil brasileira e, principalmente, nas decisões equivocadas em relação à condução da crise da Varig, que desembocaram na falência e no quase desaparecimento da bandeira brasileira no exterior.
A autoconsciência não é condição de Estado. Quando a coisa vai mal, "são esses empresários corruptos, interesseiros e míopes", e, se a coisa vai bem, com certeza, será por causa da "grandeza das políticas do Estado". Nem uma coisa nem outra. Bem sabemos que o mercado, nossos empresários, a sociedade brasileira, têm suas conhecidas limitações. Nada que se compare, contudo, ao insólito e trágico desperdício que as obtusas políticas públicas vêm trazendo ao nosso país nestes últimos 30 anos. E muito pouco mudou, ultimamente, mesmo com fé de que estejamos, paulatinamente, melhorando.
A nova escalada fiscal do governo, com a atual proposta de reforma tributária em curso -cuja carga será crescente- e o anunciado resgate da odiosa CPMF, tudo faz parte de uma ressurreição mais do que evidente do Estado providencial, do Estado faz-tudo, que dará todas as cartas e comandará mentes e corações, de norte a sul do país, sempre com a melhor das intenções.
Para quem já viu esse filme antes, desde os tempos do autoritarismo político -do qual, aliás, muitos, hoje no governo, afirmam ser vítimas-, não custa comparar e sacar as lições da história.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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