São Paulo, quinta-feira, 21 de maio de 2009

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MICHAEL PETTIS

O perigo do modelo asiático


A expansão nos empréstimos que a China encorajou resultará em imensa expansão dos futuros calotes

A RECENTE aceleração nas economias asiáticas está criando um perigoso otimismo que ignora de maneira quase deliberada as dificuldades que o futuro reserva. Os futuros historiadores classificarão 2008 como o ano em que o modelo de desenvolvimento que impulsionou boa parte do crescimento asiático nas duas últimas décadas faliu. Embora a próxima década deva representar difícil transição em direção a novo modelo de desenvolvimento, infelizmente muitos países asiáticos estão respondendo à crise com políticas que podem reforçar temporariamente o crescimento econômico, mas provavelmente só tornarão mais difícil a transição.
Em posição central no modelo asiático de desenvolvimento, com a China oferecendo um exemplo movido a anabolizantes, havia políticas cujo objetivo era mobilizar um nível elevado de poupança interna e canalizar investimentos pesados à ampliação da capacidade produtiva. Essas políticas estimulavam a poupança ao restringir o consumo, enquanto forçavam crescimento rápido na produção doméstica. Uma das consequências do modelo asiático é que por décadas a produção foi superior ao consumo. Quando um país produz mais que consome, precisa manter um superávit comercial a fim de exportar a capacidade excedente. O modelo asiático, por conseguinte, requeria superávits altos e crescentes que permitiam aos produtores asiáticos fabricar muito mais do que os consumidores asiáticos eram capazes de absorver.
Mas não pode haver superávits comerciais sem que haja déficits comerciais em outros lugares. Um requisito fundamental para o modelo asiático era o de que existissem estrangeiros capazes de arcar com esses déficits. Na prática, apenas a economia e o sistema financeiro dos EUA eram grandes e flexíveis o bastante para desempenhar esse papel. O modelo asiático, em outras palavras, envolvia uma grande aposta implícita na disposição e na capacidade dos EUA para manter déficits comerciais grandes e crescentes.
Por quase duas décadas, os domicílios americanos tomaram empréstimos de maneira irresponsável para financiar um surto de consumismo que permitiu que os exportadores asiáticos continuassem a exportar sua capacidade excedente, mas, à medida que os balanços domiciliares nos EUA se distendiam imensamente, era apenas questão de tempo até que um longo processo de redução de endividamento fosse deflagrado. A crise financeira mundial é parte desse processo. Como consequência, o consumo norte-americano crescerá mais devagar que o PIB dos EUA por muitos anos.
Por mais apegados que estejam a uma ideologia de desenvolvimento antiquada e a sistemas financeiros e industriais rígidos, muitas das autoridades asiáticas estão tornando as coisas ainda piores. Elas estão tentando elevar o consumo interno via aceleração de políticas que já se provaram falidas.
A expansão sem precedentes nos empréstimos que as autoridades chinesas encorajaram nos cinco últimos meses não só se destina primordialmente a incentivar o investimento mas resultará certamente em imensa expansão dos futuros calotes. Quando isso se tornar evidente e começar a ameaçar o sistema bancário, Pequim se verá forçada a responder com medidas que restringirão ainda mais o consumo.
A suposição subjacente ao modelo de desenvolvimento asiático -a de que a capacidade de consumo e captação dos domicílios americanos não tem limites- é falsa. Isso dita o final do modelo como propulsor de crescimento. Quanto antes as autoridades asiáticas aceitarem o fato e forçarem as mudanças econômicas e políticas necessárias, menos dolorosa será a transição. Infelizmente, isso não parece estar acontecendo.


MICHAEL PETTIS é pesquisador sênior associado da Carnegie Endowment e professor de Finanças na Universidade de Pequim. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Excepcionalmente, hoje, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.


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