São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2010

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ARTIGO

A União Europeia cairá diante dos bárbaros?

A zona do euro não pode se estabilizar sem uma estrutura sólida de solução de crises e a capacidade de enfrentar a moratória de um país-membro

DANIEL GROS
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

A zona do euro está diante de uma crise fundamental, que ataques aos especuladores nada farão por resolver. O Conselho Europeu de ministros prometeu centenas de bilhões de euros aos países-membros que enfrentam perigos financeiros, ainda que a economia europeia como um todo não esteja realmente em crise.
Pelo contrário: a maioria das pesquisas e indicadores econômicos mais sólidos aponta forte recuperação, e o país que enfrenta problemas de fato sérios, a Grécia, representa apenas 3% do PIB (Produto Interno Bruto) total da região.
Mesmo assim, a crise impõe desafio quase fatal à União Europeia, porque envolve diretamente o principal princípio subjacente da governança europeia: a natureza do Estado. O caso da Grécia propõe uma questão simples, mas profunda: será possível permitir a quebra de um país-membro da UE?
Uma das opiniões é a de que o Estado é sacrossanto: a UE precisa intervir e ajudar qualquer membro errante a recuperar o fôlego. Mas essa posição presume que todos os países-membros tenham aderido aos valores econômicos subjacentes da união: a prudência financeira e reformas pró-mercado.
Problemas só poderiam surgir devido a choques inesperados, dificuldades políticas locais temporárias ou -o mais querido dos vilões- comportamento irracional de parte dos mercados.

Exagero
Aplicada à Grécia, essa visão indicaria que a crise fiscal do país resultou de reação exagerada dos mercados mundiais a dificuldades políticas locais (gastos excessivos pelo governo grego antes das eleições do país no ano passado).
Além disso, indicaria que a crise está sob controle da Europa e que as autoridades do bloco elaboraram um plano que vai resolver todos os problemas fiscais e estruturais da Grécia.
Daí o refrão oficial -ou ao menos meridional: "O plano da União Europeia e do FMI (Fundo Monetário Internacional) vai dar certo. O fracasso seria inadmissível".
A opinião oposta é mais pragmática e leva em consideração as normas da união. Essa visão "setentrional" deriva da premissa de que os países-membros continuam a ser entidades soberanas e que é possível que um país-membro não venha a implementar um programa de ajuste necessário.
A visão tem representação na cláusula do tratado do euro, que proíbe resgates e estipula que cada país é responsável isoladamente por sua dívida pública. Nesse caso, o fracasso passa a ser uma possibilidade, se o país tiver violado as normas básicas da moeda única.
Os mercados não participam diretamente desse debate. Mas têm muito em jogo na situação.
Qualquer detentor de títulos de dívida gregos precisa calcular a probabilidade de que o sistema político da Grécia seja forte para promover as reformas necessárias a manter em dia o serviço da dívida do país.
A avaliação coletiva dos mercados sobre a política econômica e fiscal de qualquer governo se expressa no ágio por risco que aquele governo precisa pagar para colocar títulos de dívida. Dúvidas resultam em ágios mais altos, o que torna ainda mais difícil financiar um governo que já esteja enfrentando problemas financeiros.

Erros de julgamento
Os mercados muitas vezes erram nos julgamentos. Mas esses são um fato da vida; não há como eliminá-los por um ato de vontade ou regulamentação.
Seria possível objetar que a distinção entre a posição meridional e a setentrional tem apenas interesse acadêmico, hoje, porque um fracasso é de fato inadmissível.
Mas o Conselho Europeu de ministros também criou um grupo de trabalho, presidido por Hermann Van Rompuy, o presidente da União Europeia, a fim de elaborar propostas concretas de reforma da união monetária.
A escolha essencial para esse grupo é simples: devem dirigir seus esforços só a impedir fracasso (o que incluiria apoio fiscal irrestrito) ou será necessário também tomar providências para a possibilidade de quebra de um país-membro, a fim de mitigar as consequências se isso ocorrer?
A primeira escolha envolveria medidas complicadas cujo objetivo seria agir da mesma maneira, mas com mais vigor -um reforço do Pacto de Estabilidade e Crescimento, por exemplo, com cláusulas adicionais de vigilância e cooperação na política econômica.
No entanto, essa abordagem não oferece resposta a uma questão fundamental: por que a estrutura básica não funciona?
Enquanto os líderes da UE não forem capazes de responder a essa pergunta, os mercados continuarão a abrigar dúvidas sobre a estabilidade do euro em longo prazo.

Estrutura sólida
A zona do euro não pode se estabilizar em termos políticos e econômicos sem uma estrutura sólida de solução de crises e a capacidade de enfrentar a moratória de um país-membro.
A posição de que não se deve permitir a quebra de um país-membro implica, logicamente, que será necessário sustentar o euro por meio de uma união política ou ao menos fiscal.
É essa a escolha que os líderes europeus terão de encarar: um passo adiante radical rumo à integração política ou econômica ou uma estrutura clara para lidar com as consequências do fracasso de um país-membro no que tange a respeitar as regras fundamentais da união monetária.
Não há dinheiro que permita aos líderes europeus fugir a essa escolha.


DANIEL GROS é diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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