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ARTIGO
A União Europeia cairá diante dos bárbaros?
A zona do euro não pode se estabilizar sem uma estrutura sólida de solução
de crises e a capacidade de enfrentar a moratória de um país-membro
DANIEL GROS
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE
A zona do euro está diante de
uma crise fundamental, que
ataques aos especuladores nada farão por resolver. O Conselho Europeu de ministros prometeu centenas de bilhões de
euros aos países-membros que
enfrentam perigos financeiros,
ainda que a economia europeia
como um todo não esteja realmente em crise.
Pelo contrário: a maioria das
pesquisas e indicadores econômicos mais sólidos aponta forte
recuperação, e o país que enfrenta problemas de fato sérios,
a Grécia, representa apenas 3%
do PIB (Produto Interno Bruto) total da região.
Mesmo assim, a crise impõe
desafio quase fatal à União Europeia, porque envolve diretamente o principal princípio
subjacente da governança europeia: a natureza do Estado. O
caso da Grécia propõe uma
questão simples, mas profunda: será possível permitir a quebra de um país-membro da UE?
Uma das opiniões é a de que o
Estado é sacrossanto: a UE precisa intervir e ajudar qualquer
membro errante a recuperar o
fôlego. Mas essa posição presume que todos os países-membros tenham aderido aos valores econômicos subjacentes da
união: a prudência financeira e
reformas pró-mercado.
Problemas só poderiam surgir devido a choques inesperados, dificuldades políticas locais temporárias ou -o mais
querido dos vilões- comportamento irracional de parte dos
mercados.
Exagero
Aplicada à Grécia, essa visão
indicaria que a crise fiscal do
país resultou de reação exagerada dos mercados mundiais a
dificuldades políticas locais
(gastos excessivos pelo governo
grego antes das eleições do país
no ano passado).
Além disso, indicaria que a
crise está sob controle da Europa e que as autoridades do bloco elaboraram um plano que
vai resolver todos os problemas
fiscais e estruturais da Grécia.
Daí o refrão oficial -ou ao menos meridional: "O plano da
União Europeia e do FMI
(Fundo Monetário Internacional) vai dar certo. O fracasso seria inadmissível".
A opinião oposta é mais pragmática e leva em consideração
as normas da união. Essa visão
"setentrional" deriva da premissa de que os países-membros continuam a ser entidades
soberanas e que é possível que
um país-membro não venha a
implementar um programa de
ajuste necessário.
A visão tem representação na
cláusula do tratado do euro,
que proíbe resgates e estipula
que cada país é responsável isoladamente por sua dívida pública. Nesse caso, o fracasso
passa a ser uma possibilidade,
se o país tiver violado as normas básicas da moeda única.
Os mercados não participam
diretamente desse debate. Mas
têm muito em jogo na situação.
Qualquer detentor de títulos de
dívida gregos precisa calcular a
probabilidade de que o sistema
político da Grécia seja forte para promover as reformas necessárias a manter em dia o serviço da dívida do país.
A avaliação coletiva dos mercados sobre a política econômica e fiscal de qualquer governo
se expressa no ágio por risco
que aquele governo precisa pagar para colocar títulos de dívida. Dúvidas resultam em ágios
mais altos, o que torna ainda
mais difícil financiar um governo que já esteja enfrentando
problemas financeiros.
Erros de julgamento
Os mercados muitas vezes
erram nos julgamentos. Mas
esses são um fato da vida; não
há como eliminá-los por um ato
de vontade ou regulamentação.
Seria possível objetar que a
distinção entre a posição meridional e a setentrional tem apenas interesse acadêmico, hoje,
porque um fracasso é de fato
inadmissível.
Mas o Conselho Europeu de
ministros também criou um
grupo de trabalho, presidido
por Hermann Van Rompuy, o
presidente da União Europeia,
a fim de elaborar propostas
concretas de reforma da união
monetária.
A escolha essencial para esse
grupo é simples: devem dirigir
seus esforços só a impedir fracasso (o que incluiria apoio fiscal irrestrito) ou será necessário também tomar providências para a possibilidade de
quebra de um país-membro, a
fim de mitigar as consequências se isso ocorrer?
A primeira escolha envolveria medidas complicadas cujo
objetivo seria agir da mesma
maneira, mas com mais vigor
-um reforço do Pacto de Estabilidade e Crescimento, por
exemplo, com cláusulas adicionais de vigilância e cooperação
na política econômica.
No entanto, essa abordagem
não oferece resposta a uma
questão fundamental: por que a
estrutura básica não funciona?
Enquanto os líderes da UE não
forem capazes de responder a
essa pergunta, os mercados
continuarão a abrigar dúvidas
sobre a estabilidade do euro em
longo prazo.
Estrutura sólida
A zona do euro não pode se
estabilizar em termos políticos
e econômicos sem uma estrutura sólida de solução de crises
e a capacidade de enfrentar a
moratória de um país-membro.
A posição de que não se deve
permitir a quebra de um país-membro implica, logicamente,
que será necessário sustentar o
euro por meio de uma união
política ou ao menos fiscal.
É essa a escolha que os líderes europeus terão de encarar:
um passo adiante radical rumo
à integração política ou econômica ou uma estrutura clara
para lidar com as consequências do fracasso de um país-membro no que tange a respeitar as regras fundamentais da
união monetária.
Não há dinheiro que permita
aos líderes europeus fugir a essa escolha.
DANIEL GROS é diretor do
Centro de Estudos Políticos Europeus.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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