UOL


São Paulo, sábado, 21 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O mestre e a "fracassomania"

Um pequeno livro de pouco menos de cem páginas ajudaria, e muito, a orientar melhor a discussão econômica brasileira e a esclarecer o país acerca da ditadura dos modelos econômicos fechados brandidos pela nova geração de economistas do mercado financeiro.
Trata-se de "A Moral Secreta do Economista", entrevista realizada com Albert Hirschman, editada pela editora Unesp.
Hirschman é uma lenda no mundo econômico mundial. Professor de Princenton, nasceu na Alemanha, fugiu do nazismo, alistou na resistência espanhola, depois tornou-se sargento do Exército norte-americano, tudo antes de completar 26 anos.
Terminada a guerra, fez carreira acadêmica nos EUA e acabou se tornando um dos principais especialistas em teoria do desenvolvimento, com especial atenção à América Latina. Suas aulas foram frequentadas por alguns dos maiores economistas brasileiros, como José Serra e Pérsio Arida.
O livro, pequeno, é um libelo contra toda forma de ortodoxia e de tentativa de enquadrar processos econômicos e sociais em regras imutáveis. "O inimigo principal é sempre a ortodoxia. Repetir sempre a mesma receita, a mesma terapia, para curar tipos diferentes de doença; não admitir a complexidade, querer reduzi-la a todo custo; ao passo que as coisas reais são sempre mais complexas", diz ele no texto que ilustra a contracapa do livro.
No livro, Hirschman defende a importância de avaliar adequadamente cada circunstância, não apenas cada país em si mas o momento histórico.
Trabalha o conceito da teoria pendular. "Para um país em via de desenvolvimento, é bom conhecer uma fase de abertura em direção a países mais desenvolvidos, mas, em um segundo momento, é também positivo fechar-se em si mesmo, fechar as próprias portas ao exterior, pelo menos por certo período, e desenvolver os próprios recursos, a própria indústria", diz ele à página 77.
Hirschman foi autor do conceito da "fracassomania", a mania dos intelectuais latino-americanos de jamais compreenderem os avanços ocorridos em seus países. O conceito surgiu a partir da análise da experiência de incentivos ao Nordeste. Só se via a corrupção e ele, em suas análises, viu também progressos.
Mas sua crítica mais ácida é contra os jovens economistas que vão estudar no exterior e voltam ao seu país desconhecendo completamente as experiências passadas nacionais.
É a eles que se destina o conceito de "fracassomania" -diferentemente do uso de Fernando Henrique Cardoso, contra os que reagiam contra reformas muitas vezes desamarradas da realidade. "Os jovens são mandados para estudar nas universidades norte-americanas e européias e, quando retornam, acreditam saber e conhecer tudo, sem ter aprendido nada das experiências dos velhos que sempre viveram na América Latina (...) Usei, às vezes, a palavra "fracassomania" para definir a figura do consultor das reformas, que traz novas idéias e novas propostas sem observar a realidade e a experiência do país para o qual as reformas estão voltadas."
Levará bom tempo para que o bom senso de Hirschman consiga modificar a discussão econômica brasileira.


E-mail -
Luisnassif@uol.com.br



Texto Anterior: Artigo: Crise em outros países dá confiança aos norte-americanos
Próximo Texto: Receita ortodoxa: Indústria cobra mais ação do BC sobre juro
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.