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Bolsa encerra 119 anos de grito no pregão
Em meio à crise nos mercados, operação eletrônica substitui pregão viva-voz e extingue o emprego de 90 operadores
Profissionais afirmam que não foram comunicados oficialmente; no auge, mercado chegou a ter 2.600 na negociação dos contratos
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma história de 119 anos de
operadores de pregão que ganham a vida, literalmente, no
grito chega ao fim no dia 30, data do último pregão viva-voz da
BM&FBovespa, Bolsa que já
passou a de Nova York e se tornou a quarta maior em valor de
mercado no mundo.
Em meio à crise, as redes de
computadores da Bolsa substituirão os últimos 90 operadores de pregão, profissionais experientes, a maioria tem entre
35 e 40 anos, com salários que
vão de R$ 6.000 a R$ 15 mil e
que terão agora de mudar de ramo, como aconteceu com operadores de telégrafo, datilógrafos e taquígrafos.
Só 2% dos negócios com o
Ibovespa futuro (contratos
com base no índice da Bolsa de
SP) seguem no viva-voz; todos
os demais são eletrônicos. A
Bovespa encerrou o viva-voz
para ações em 2005.
Independentemente do talento individual para ganhar dinheiro, esses profissionais foram tornados obsoletos pelo
avanço da tecnologia. Enquanto os computadores da Bolsa
são capazes de processar até
700 ordens por segundo, um
operador demora de dois a dez
minutos para fechar e registrar
um único negócio. A rede acessa mais de 100 mil investidores
em todo o mundo.
O elemento humano traz
ainda riscos praticamente inexistentes entre redes de computador, como erros de digitação ou mesmo fraude (privilégio de uma contraparte em detrimento de outra).
A dez dias do fim do pregão, a
maioria dos operadores afirma
que não sabe onde se apresentará no dia seguinte à extinção
do trabalho na Bolsa. Eles ainda negociam seu destino com
os empregadores, mas ninguém tem esperança de ser
aproveitado nas mesas de operação eletrônica. O salário dos
gerentes de mesa costuma ser
inferior ao dos viva-voz.
A BM&FBovespa afirma que
o fim do pregão viva-voz não
tem nada a ver com a crise e que
foi uma decisão tomada pelo
mercado, que preferiu as vantagens e a economia de custos do
negócio eletrônico. "Essa decisão não é unidirecional da Bolsa. Foi o mercado que começou
a se concentrar no eletrônico",
disse André Demarco, diretor
de operações da Bolsa.
"Nós fizemos o melhor pregão viva-voz do mundo, mas vimos que havia uma tendência
do mercado de migrar para o
eletrônico. Foi um processo
muito longo, ninguém pode dizer que foi pego de surpresa",
disse Manoel Félix Cintra Neto, presidente da Ancor (associação das corretoras) e ex-presidente da BM&F.
O Sindicato dos Trabalhadores no Mercado de Capitais (ligado à CUT) afirma que, em nenhum momento, a Bolsa comunicou o fim oficial do pregão.
"Eles estão deixando morrer
aos poucos. Foi acabando contrato por contrato. Hoje, nós
nos tornamos um problema para as corretoras", disse Carlos
Borges, diretor do sindicato.
O auge do pregão viva-voz foi
nos anos 90, época de sucessivas crises e período em que o
Brasil estava fora do radar dos
investidores estrangeiros.
Àquela época, a Bovespa chegou a ter 1.400 operadores, e a
BM&F, outros 1.200.
Reconhecido como um dos
melhores de sua época, Raul
Forbes, 69, estreou como operador em 1966, quando os corretores usavam chapéu e colete. Forbes conta que viu muitos
assistentes de operadores assumirem posições de destaque
nos bancos e até fazerem fortuna. "Vi também pessoas quebrarem no pregão. Todo mundo berrava ao mesmo tempo.
Tinha de reconhecer de costas
alguém que fazia uma oferta."
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