São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2008

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ENTREVISTA DA 2ª

ELIZABETH FARINA


Faltou empenho do governo para reformar defesa da concorrência

Presidente do Cade, que deixa cargo nesta semana, diz ter sofrido pressão no julgamento de processos de fusão, mas não do Planalto

HÁ QUATRO anos no comando do órgão responsável pelo julgamento de fusões no país, a economista Elizabeth Farina deixa a presidência do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nesta semana. Na saída, dispara críticas à lentidão do governo na nomeação de conselheiros e confessa sua frustração com a falta de empenho do Palácio do Planalto em reestruturar o sistema de defesa da concorrência.

JULIANNA SOFIA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em entrevista à Folha na última quarta, Farina alertou sobre os riscos da mudança radical pela qual o Cade passará até o início de agosto. Dos 7 conselheiros, 5 entregarão seus cargos. "É muito ruim. (...) De fato a jurisprudência do Cade pode mudar inteira. Isso gera insegurança nas empresas."
Ao longo dos dois mandatos como presidente, Farina afirma ter sofrido pressão no julgamento de processos de fusão, mas nega que tenha vindo do governo. E, para as empresas, sempre tinha uma resposta pronta: "Vamos fazer um trabalho transparente, claro, a análise vai ser bem-feita, vamos ver os pareceres e analisar com o maior cuidado. Fique tranqüilo". "Nunca precisei passar daí", completa.
Na avaliação de Farina, não só o governo perdeu janelas para reformar o sistema antitruste brasileiro no Congresso como houve um recuo nos avanços administrativos obtidos nos últimos anos. Para ela, as equipes das secretarias de Acompanhamento Econômico, no Ministério da Fazenda, de Direito Econômico, no da Justiça, e do Cade voltaram a se "entrincheirar", defendendo visões "corporativistas", trazendo de volta a demora.
De quarentena (não-remunerada) pelos próximos quatro meses, a economista é comedida nos elogios ao indicado pelo governo para substituí-la, o atual procurador-geral da autarquia, Arthur Badin -cujo nome ainda depende de aprovação pelo Senado.
Também evita comentar as resistências já levantadas por senadores contra a escolha do procurador, assim como uma eventual disposição do governo em rever o nome de Badin para o cargo. "Talvez ele tenha de ser mais comedido. O presidente do Cade tem de ser sóbrio", aconselha. Leia abaixo trechos da entrevista:

 

FOLHA - Última semana?
ELIZABETH FARINA
- Vou sentir saudades, mas está na hora de ir embora, já estou há quatro anos. Está na hora de vir alguém com idéias novas.

FOLHA - A sra. sai satisfeita?
FARINA
- Muito não, né? O projeto de lei de reestruturação do Cade não foi aprovado [está parado na Câmara]. Acho que minha parte eu fiz.

FOLHA - Faltou empenho do governo em priorizar o tema?
FARINA
- Eu acho, logo depois que o projeto foi para o Congresso Nacional, com certeza.
Depois, entrou no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. De setembro de 2005 até 2007, não aconteceu absolutamente nada. Fizeram rapidamente várias audiências, bem direcionadas, mas num certo momento a coisa parou.
Posso dizer que, cada vez que pára, é como gripe mal cuidada, renova-se. Vêm os mesmos argumentos e resistências.

FOLHA - Que resistências?
FARINA
- O empresariado tem angústia de não poder fechar negócio sem anuência prévia e o sistema ser capaz de dar uma resposta. Acho que é relevante.
O fato de ter duas secretarias em dois ministérios não funciona. Acho que a gente já teve, dentro do sistema, no funcionamento, momentos melhores que hoje.

FOLHA - Por quê?
FARINA
- Começou de novo a demorar um pouco mais. Tem incentivo para que as coisas se reproduzam e se repitam. Tem a ver com a mudança do comando das secretarias. É natural que as equipes vão se entrincheirando. A gente sabia que isso ia acontecer. Vai ficando corporativista dentro de seus próprios ambientes, um faz uma critica ao outro, que recebe mal. Isso é natural. A gente perdeu muitas janelas para se reestruturar. Perdemos boas oportunidades. Essa é a minha maior frustração.

FOLHA - Tem sido comum o noticiário político mencionar o Cade como alvo de pressão do governo para esta ou aquela decisão. Há pressão?
FARINA
- Do governo, de alguém do governo me ligar para pedir uma decisão, não. Quando isso aconteceu por outros meios, porque não é só o governo, tenho uma resposta que nunca foi contestada e a conversa não foi adiante: dificilmente o Cade poderia ter melhores conselheiros que hoje, vamos fazer um trabalho transparente, claro, a análise vai ser bem-feita, vamos ver os pareceres, analisar com o maior cuidado, fique tranqüilo. Nunca precisei passar daí, e acho que essa pressão nunca chegou aos outros conselheiros.
Se acontece isso, é na fase de instrução. Nas secretarias, que são órgãos do Executivo, não sei responder.

FOLHA - O que achou das indicações para o conselho?
FARINA
- Foram tempestivas e espero que as nomeações sejam. Estou muito preocupada com as nomeações. Nós estamos operando com seis conselheiros, precariamente. Em várias sessões importantes, não houve quórum. Agora, temos três sabatinados, tem que sair rápido a nomeação. Isso, francamente, é uma questão burocrática que considero um desrespeito com o sistema. Alguns gabinetes se esvaziaram, estamos perdendo funcionários, investimos nessas pessoas.

FOLHA - Com um petista e o filho do presidente da Câmara, o Cade fica mais político?
FARINA
- Nem sabia que o Vinícius [Marques de Carvalho, indicado para o conselho] era filiado ao PT, ele é um gestor.
Tem doutorado na área de regulação, estudou na França. O filho do [Arlindo] Chinaglia [Olavo Chinaglia] foi meu aluno, ser filho do presidente da Câmara é o defeito que ele tem.
Falei isso até para seu pai. Sobre as indicações, não fui ouvida, não tive participação, mas tive na anterior e um dos nomes que levamos ao ministro foi o de Olavo. É um advogado que já atua no sistema, muito corretamente. Tem formação acadêmica, fez doutorado. Sei que essa leitura [de influência política] é feita por todo mundo. É muito ruim para o conselho, que pode ficar com uma cara política, mas essas pessoas são qualificadas.

FOLHA - A indicação de Arthur Badin vem enfrentando muita resistência. Rever é uma saída?
FARINA
- O Badin conhece bem o tema, o sistema. É uma transição, do ponto de vista técnico, fácil. Ele, por enquanto, é só indicado. O que acho necessário é que tenha logo solução, adiar é ruim, qualquer que seja ela. Interinidade sempre cria angústia e insegurança.

FOLHA - Mas as resistências são fortes, o DEM votará contra.
FARINA
- Não sei fazer essa avaliação. Tem uma coisa importante, ele não toma decisão. Quem tomou a decisão contra a Vale foi o conselho, não foi ele [o Cade determinou à Vale que optasse ou por vender a mineradora Ferteco, adquirida em 2001, ou abrisse mão do contrato com a CSN que lhe assegurava a preferência na compra do excedente de produção da mina Casa de Pedra]. Fez o que tem de fazer: defender a decisão do Cade no Judiciário, goste ou não dela. Acompanhei Badin nesses casos, partilhei a responsabilidade.
O que as empresas acham que ele, como presidente, pode fazer? É um voto. Às vezes, com voto de qualidade, são dois. De fato, a procuradoria se tornou mais pró-ativa. Ele foi fundamental, mas Paula Dallari já estava estruturando a procuradoria em 2003. As coisas não nascem do dia para a noite. Às vezes fico perplexa com essa posição das empresas.

FOLHA - Mas, como presidente, Badin vai representar a instituição.
FARINA
- Mesmo assim não justifica as empresas mobilizarem tantos esforços, se é que elas estão fazendo isso, às vezes fico cética. O que acho muito ruim é mudar 5 de 7 conselheiros. A jurisprudência do Cade pode mudar inteira. Isso gera insegurança nas empresas.

FOLHA - Se a sra. fosse consultada antes da indicação, o que diria sobre o currículo de Badin?
FARINA
- Não vou dar opinião sobre uma coisa que não me foi pedida até agora, não vai ser agora que vou dar. Ele responde a todos os requisitos legais e necessários, está há muito tempo no sistema, fez um bom trabalho na procuradoria. Talvez ele tenha de ser mais comedido.
O presidente do Cade tem de ser sóbrio. Tem uma coisa boa: ele quer muito. É uma pessoa jovem que poderia ir para o mercado e está disposta, lógico que vai alavancar a carreira, mas, independentemente disso, é uma pessoa que quer e está investindo.


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