São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Eleições 2002 (1): despesa pública, inimigo oculto

PAULO RABELLO DE CASTRO

Neste e nos próximos três artigos quinzenais até o primeiro turno das eleições pretendo explorar, com os leitores da Folha, quatro temas centrais ao bem-estar dos brasileiros e à segurança política e econômica do nosso país nos próximos anos. Não podemos, afinal, lançar nosso voto na direção equivocada, contra os nossos próprios interesses e o da nossa comunidade. O Brasil nunca esteve numa encruzilhada tão difícil, justamente porque, se der errado, tem muito mais a perder do que antes.
O tema desta primeira conversa é o inimigo oculto da democracia, o nervo inflamado da economia, o tabu dos políticos: a despesa pública.
Político não se elege para não gastar, é tão simples assim. É no gasto público que se materializa o poder. Para gastar é preciso tributar, ou então pedir emprestado (emitindo dívida pública) ou então fabricar mais dinheiro. Orçamentos públicos existem e são votados porque, supostamente, a sociedade controla o gasto público por intermédio de seus representantes no Congresso Nacional. Até aí, tudo bem, faz sentido que o poder público tribute para redistribuir, por meio do gasto, conforme as necessidades da população e os investimentos desejados.
Por que, então, os candidatos não conversam sobre o nível do gasto público, se é esse o centro de sua atividade? Por que essa questão é tão pouco tratada nos programas de governo dos quatro candidatos?
A despesa pública no Brasil virou tabu porque o nível de conflito nesse tema ultrapassou os limites considerados normais. Para falar de despesa pública, o político tem de enfrentar uma realidade dolorosa: dizer que não sobrou espaço para ele gastar, uma vez que a gastança anterior gerou dívida sobre dívida. O gasto futuro terá de ser inteiramente reformado e cortes radicais terão de ser praticados. Um choque fiscal impõe-se sobre a despesa pública. No entanto a presunção do eleitor é que suas chances como cidadão só serão ampliadas se ele conseguir uma beirada dos próximos gastos do governo. Ilusão. Para gastar mais, o governo terá que, antes, tributar mais, ou tomar mais emprestado ou fabricar mais dinheiro. Três opções ruins, uma pior do que a outra. As administrações passadas, inclusive a atual, já usaram e abusaram dessas três maneiras de financiar o gasto sem fim. Endividaram o país até o talo. FHC emitiu menos dinheiro, mas tributou um montão e emitiu "papagaios" a perder de vista.
Portanto para não jogar fora o voto o eleitor deve ter certeza de que: (1) não há margem para um gastinho a mais, por menor que seja; (2) será necessário rediscutir até os gastos considerados "imexíveis" (altos proventos de milhares de aposentados, serviços e programas considerados "sagrados", despesas e transferências tidas como líquidas e certas aos Estados e municípios). Ninguém poderá escapar de algum sacrifício.
Se você tem dúvida (é tão difícil acreditar que chegamos a esse ponto!) tome lá alguns números básicos para sua reflexão. Dez anos atrás, o governo (soma dos níveis federal, estadual, municipal e Previdência Social) tomava 25% (ou seja, o equivalente a três meses no ano) de toda a renda gerada no país para poder financiar seus gastos. Você acha pouco? Ele também. Por isso, emitia moeda para gastar mais e tomava emprestado na praça porque, afinal, "ninguém é de ferro".
Dez anos depois, em 2000, o governo toma quase cinco meses da sua renda anual. Não parece, não é mesmo? Mas faça você as contas dos tributos (em cascata) que você paga em cada compra, em cada desconto de salário, em cada aplicação financeira, sobre a renda declarada do seu salário e sobre o faturamento da sua empresa. Essa é a cara do gasto público brasileiro: 40% do Produto Interno Bruto. Com tributos de toda espécie, os mais esdrúxulos e capciosos, o governo fará uma arrecadação de 35% do PIB, faltando 5 pontos percentuais (35 - 40 = -5) para cobrir o déficit público em 2002. Você acha isso muito ou pouco? Vamos lá: 5% de uma produção total de cerca de R$ 1,2 trilhão (repito, um trilhão de reais) representam déficit anual de R$ 60 bilhões. É realmente um colosso de déficit! Quantas vezes você ouviu algum candidato tocar nesse assunto indigesto, mas verdadeiro?
Ano após ano, mais déficit. Logo, a dívida (soma dos "papagaios") que rola esse déficit vai crescendo. E os que emprestam esse dinheiro ao governo somos nós mesmos. Caramba! Somos nós, via caderneta, títulos de capitalização, FIF, fundo cambial -pelo amor de Deus- precisamos, então, de juros compatíveis com o risco crescente dessas aplicações. Falou em risco? Sobem os juros...
Portanto trata-se de tolice sem sentido querer pensar que, numa renegociação de dívidas o credor bonzinho (nós) deixará o governo pagar menos juros, para esse poder continuar gastando como sempre, desenfreadamente. A esta altura, já percebemos que cabe ao governo fazer o primeiro movimento, mostrando que vai rever os gastos, todos os gastos, para começar a fechar suas contas -seu déficit. Isso precisa acontecer já em 2003, sob pena de o risco percebido, aqui no país e por parte dos financiadores de fora, ficar insuportável.
Chegamos, de fato, ao fim da linha. A era FHC ainda foi de gastos crescentes, mas à custa de impostos crescentes e de dívida explosivamente crescente. Agora acabou. Podemos enfrentar essa situação limite de modo organizado ou desorganizado. No segundo caso, só se for emitindo mais moeda, como sugerido pelo economista M. Mussa (ex-FMI) em patética entrevista no último domingo. Voltar à inflação e ao caos, eis a sugestão de um "amigo" do Brasil.
Em 2003, não bastará austeridade, como pretende um dos candidatos. Precisaremos de audácia. Outro fala em reformas, mas qual delas trará corte de gastos? Outro fala em mais crédito, que também é gasto do setor público. O governo FHC acelerou o gasto público: 10,7% em 1999; 12,7% em 2000; 18,1% em 2001; 14% em 2002. Confronte com o crescimento da produção: 0,8% em 1999; 4,4% em 2000; 1,5% em 2001; e, no máximo, 1,5% em 2002. Quem mais cresceu (a agricultura, o agronegócio) foi quem menos chegou perto dos gastos do governo. De fato, o maior gasto público está associado à anemia do crescimento brasileiro e à pobreza do país -não à sua superação. Países europeus, especialistas em gastar, produziram um controle concentrado da despesa pública nos últimos anos (Espanha, Itália, Portugal e até a França). O sucesso do programa trouxe o aumento dos empregos e da renda.
No Brasil, os candidatos prometem crescimento. Prometem cifras de milhões de empregos a serem criados. Tudo fictício enquanto o nervo da gastança pública continuar exposto. É por aí que tem de começar o próximo governo. Se for para valer...


Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br


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