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OPINIÃO ECONÔMICA
Eleições 2002 (1): despesa pública, inimigo oculto
PAULO RABELLO DE CASTRO
Neste e nos próximos três
artigos quinzenais até o primeiro turno das eleições pretendo
explorar, com os leitores da Folha, quatro temas centrais ao
bem-estar dos brasileiros e à segurança política e econômica do
nosso país nos próximos anos.
Não podemos, afinal, lançar nosso voto na direção equivocada,
contra os nossos próprios interesses e o da nossa comunidade. O
Brasil nunca esteve numa encruzilhada tão difícil, justamente
porque, se der errado, tem muito
mais a perder do que antes.
O tema desta primeira conversa
é o inimigo oculto da democracia, o nervo inflamado da economia, o tabu dos políticos: a despesa pública.
Político não se elege para não
gastar, é tão simples assim. É no
gasto público que se materializa o
poder. Para gastar é preciso tributar, ou então pedir emprestado
(emitindo dívida pública) ou então fabricar mais dinheiro. Orçamentos públicos existem e são votados porque, supostamente, a
sociedade controla o gasto público por intermédio de seus representantes no Congresso Nacional.
Até aí, tudo bem, faz sentido que
o poder público tribute para redistribuir, por meio do gasto, conforme as necessidades da população e os investimentos desejados.
Por que, então, os candidatos
não conversam sobre o nível do
gasto público, se é esse o centro de
sua atividade? Por que essa questão é tão pouco tratada nos programas de governo dos quatro
candidatos?
A despesa pública no Brasil virou tabu porque o nível de conflito nesse tema ultrapassou os limites considerados normais. Para
falar de despesa pública, o político tem de enfrentar uma realidade dolorosa: dizer que não sobrou
espaço para ele gastar, uma vez
que a gastança anterior gerou dívida sobre dívida. O gasto futuro
terá de ser inteiramente reformado e cortes radicais terão de ser
praticados. Um choque fiscal impõe-se sobre a despesa pública.
No entanto a presunção do eleitor é que suas chances como cidadão só serão ampliadas se ele
conseguir uma beirada dos próximos gastos do governo. Ilusão.
Para gastar mais, o governo terá
que, antes, tributar mais, ou tomar mais emprestado ou fabricar
mais dinheiro. Três opções ruins,
uma pior do que a outra. As administrações passadas, inclusive
a atual, já usaram e abusaram
dessas três maneiras de financiar
o gasto sem fim. Endividaram o
país até o talo. FHC emitiu menos dinheiro, mas tributou um
montão e emitiu "papagaios" a
perder de vista.
Portanto para não jogar fora o
voto o eleitor deve ter certeza de
que: (1) não há margem para um
gastinho a mais, por menor que
seja; (2) será necessário rediscutir
até os gastos considerados "imexíveis" (altos proventos de milhares de aposentados, serviços e
programas considerados "sagrados", despesas e transferências tidas como líquidas e certas aos Estados e municípios). Ninguém
poderá escapar de algum sacrifício.
Se você tem dúvida (é tão difícil
acreditar que chegamos a esse
ponto!) tome lá alguns números
básicos para sua reflexão. Dez
anos atrás, o governo (soma dos
níveis federal, estadual, municipal e Previdência Social) tomava
25% (ou seja, o equivalente a três
meses no ano) de toda a renda
gerada no país para poder financiar seus gastos. Você acha pouco? Ele também. Por isso, emitia
moeda para gastar mais e tomava emprestado na praça porque,
afinal, "ninguém é de ferro".
Dez anos depois, em 2000, o governo toma quase cinco meses da
sua renda anual. Não parece, não
é mesmo? Mas faça você as contas
dos tributos (em cascata) que você paga em cada compra, em cada desconto de salário, em cada
aplicação financeira, sobre a renda declarada do seu salário e sobre o faturamento da sua empresa. Essa é a cara do gasto público
brasileiro: 40% do Produto Interno Bruto. Com tributos de toda
espécie, os mais esdrúxulos e capciosos, o governo fará uma arrecadação de 35% do PIB, faltando
5 pontos percentuais (35 - 40 =
-5) para cobrir o déficit público
em 2002. Você acha isso muito ou
pouco? Vamos lá: 5% de uma
produção total de cerca de R$ 1,2
trilhão (repito, um trilhão de
reais) representam déficit anual
de R$ 60 bilhões. É realmente um
colosso de déficit! Quantas vezes
você ouviu algum candidato tocar nesse assunto indigesto, mas
verdadeiro?
Ano após ano, mais déficit. Logo, a dívida (soma dos "papagaios") que rola esse déficit vai
crescendo. E os que emprestam
esse dinheiro ao governo somos
nós mesmos. Caramba! Somos
nós, via caderneta, títulos de capitalização, FIF, fundo cambial
-pelo amor de Deus- precisamos, então, de juros compatíveis
com o risco crescente dessas aplicações. Falou em risco? Sobem os
juros...
Portanto trata-se de tolice sem
sentido querer pensar que, numa
renegociação de dívidas o credor
bonzinho (nós) deixará o governo pagar menos juros, para esse
poder continuar gastando como
sempre, desenfreadamente. A esta altura, já percebemos que cabe
ao governo fazer o primeiro movimento, mostrando que vai rever os gastos, todos os gastos, para começar a fechar suas contas
-seu déficit. Isso precisa acontecer já em 2003, sob pena de o risco
percebido, aqui no país e por parte dos financiadores de fora, ficar
insuportável.
Chegamos, de fato, ao fim da linha. A era FHC ainda foi de gastos crescentes, mas à custa de impostos crescentes e de dívida explosivamente crescente. Agora
acabou. Podemos enfrentar essa
situação limite de modo organizado ou desorganizado. No segundo caso, só se for emitindo
mais moeda, como sugerido pelo
economista M. Mussa (ex-FMI)
em patética entrevista no último
domingo. Voltar à inflação e ao
caos, eis a sugestão de um "amigo" do Brasil.
Em 2003, não bastará austeridade, como pretende um dos candidatos. Precisaremos de audácia. Outro fala em reformas, mas
qual delas trará corte de gastos?
Outro fala em mais crédito, que
também é gasto do setor público.
O governo FHC acelerou o gasto
público: 10,7% em 1999; 12,7% em
2000; 18,1% em 2001; 14% em
2002. Confronte com o crescimento da produção: 0,8% em 1999;
4,4% em 2000; 1,5% em 2001; e,
no máximo, 1,5% em 2002. Quem
mais cresceu (a agricultura, o
agronegócio) foi quem menos
chegou perto dos gastos do governo. De fato, o maior gasto público
está associado à anemia do crescimento brasileiro e à pobreza do
país -não à sua superação. Países europeus, especialistas em
gastar, produziram um controle
concentrado da despesa pública
nos últimos anos (Espanha, Itália, Portugal e até a França). O
sucesso do programa trouxe o aumento dos empregos e da renda.
No Brasil, os candidatos prometem crescimento. Prometem cifras de milhões de empregos a serem criados. Tudo fictício enquanto o nervo da gastança pública continuar exposto. É por aí que tem de começar o próximo
governo. Se for para valer...
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
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