São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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LUÍS NASSIF

O Brasil visto de longe

O seminário "As Empresas Espanholas e a América Latina", promovido na cidade de Santander, na Espanha, visou basicamente convencer a imprensa espanhola de que suas empresas não entraram em uma fria ao apostar no continente latino-americano.
Até algum tempo atrás, a armada espanhola era saudada como os neoconquistadores, as empresas que, partindo para a América Latina, garantiram escala e dimensão global, evitando ser absorvidas por empresas maiores da União Européia.
Foi uma sacada de mestre, a única saída das empresas espanholas para adquirir escala global. Por que essa inversão da mídia, de transformar o eldorado em um antro de governos corruptos e de países sem futuro?
No fundo, a mídia espanhola padece dos mesmos problemas da mídia brasileira e de quantas mídias que se deixaram emprenhar pelo ouvido pelas análises imediatistas do mercado financeiro. Na cobertura diária, vale a simplificação e os estereótipos e a dramatização de qualquer variação de mercado. E, assim como no próprio mercado norte-americano, vai-se comer nas mãos dos analistas de grandes bancos e de seu raciocínio bifásico: suas análises de realidades complexas se resumem a responder à questão "compro ou vendo".
No início da aventura latino-americana, o continente era apresentado como o novo eldorado, com perspectivas infinitas de crescimento dos negócios. Presidentes corruptos, como Menem, pintados como estadistas modernizadores. Com essa visão cor-de-rosa, a mídia espanhola foi fundamental para convencer a velhinha de Madri a aplicar nas ações dessas empresas.
Agora, com a redução dos ganhos e a queda nos preços das ações, muda o foco, mas não o vício de pensamento. Apenas se muda o estereótipo. As perdas não decorrem das expectativas infundadas criadas pela própria mídia espanhola, mas da corrupção endêmica da América Latina e de sua incapacidade definitiva de vencer o subdesenvolvimento.
Essa visão simplista de parte da mídia espanhola passa ao largo de avanços substanciais ocorridos no Brasil, por exemplo. Nesses últimos dez anos as grandes empresas brasileiras, de capital nacional ou estrangeiro, se transformaram nas mais bem administradas do mundo. Após a estabilização, em tempo recorde assimilaram conceitos de qualidade total e de planejamento estratégico -com forte ênfase no fluxo de caixa- que transformaram muitas delas em referência mundial, em grande parte devido à qualidade da mão-de-obra brasileira.
Em setores competitivos -como a indústria aeronáutica, petrolífera, siderúrgica e alimentícia- nossas empresas começam a buscar a globalização. O agrobusiness brasileiro é o mais competitivo do mundo. Há em andamento um programa de integração da infra-estrutura do continente com desdobramentos fantásticos no desenvolvimento regional.
O modelo político aprimorou-se, o poder tornou-se mais difuso com ferramentas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o fortalecimento do Legislativo, do Ministério Público e do Judiciário.
Os problemas enfrentados pelo continente são temporais. As empresas espanholas e portuguesas conseguiram adquirir ativos valiosos -pelos quais muitas delas pagaram caro- porque seus países lograram acordos políticos mais cedo, privatizaram mais cedo e com mais competência, e suas grandes empresas, profissionalizadas, foram mais cedo aos mercados internacionais e tiveram acesso a crédito abundante e barato. Só isso explica o fato de a Telefónica de España e a Portugal Telecom terem adquirido empresas telefônicas brasileiras, e não o contrário.
Além disso, os governos do Brasil e da Argentina, assim como parte substancial da mídia, se inebriaram com as tolices brandidas por alguns economistas acerca do fluxo eterno de capitais para o continente, e criaram vulnerabilidades externas relevantes.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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