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LUÍS NASSIF
O Brasil visto de longe
O seminário "As Empresas Espanholas e a América Latina", promovido na cidade de Santander, na Espanha, visou basicamente convencer a imprensa espanhola
de que suas empresas não entraram em uma fria ao apostar
no continente latino-americano.
Até algum tempo atrás, a armada espanhola era saudada
como os neoconquistadores, as
empresas que, partindo para a
América Latina, garantiram
escala e dimensão global, evitando ser absorvidas por empresas maiores da União Européia.
Foi uma sacada de mestre, a
única saída das empresas espanholas para adquirir escala
global. Por que essa inversão
da mídia, de transformar o eldorado em um antro de governos corruptos e de países sem
futuro?
No fundo, a mídia espanhola
padece dos mesmos problemas
da mídia brasileira e de quantas mídias que se deixaram
emprenhar pelo ouvido pelas
análises imediatistas do mercado financeiro. Na cobertura
diária, vale a simplificação e os
estereótipos e a dramatização
de qualquer variação de mercado. E, assim como no próprio
mercado norte-americano,
vai-se comer nas mãos dos
analistas de grandes bancos e
de seu raciocínio bifásico: suas
análises de realidades complexas se resumem a responder à
questão "compro ou vendo".
No início da aventura latino-americana, o continente era
apresentado como o novo eldorado, com perspectivas infinitas de crescimento dos negócios. Presidentes corruptos, como Menem, pintados como estadistas modernizadores. Com
essa visão cor-de-rosa, a mídia
espanhola foi fundamental para convencer a velhinha de
Madri a aplicar nas ações dessas empresas.
Agora, com a redução dos ganhos e a queda nos preços das
ações, muda o foco, mas não o
vício de pensamento. Apenas se
muda o estereótipo. As perdas
não decorrem das expectativas
infundadas criadas pela própria mídia espanhola, mas da
corrupção endêmica da América Latina e de sua incapacidade definitiva de vencer o subdesenvolvimento.
Essa visão simplista de parte
da mídia espanhola passa ao
largo de avanços substanciais
ocorridos no Brasil, por exemplo. Nesses últimos dez anos as
grandes empresas brasileiras,
de capital nacional ou estrangeiro, se transformaram nas
mais bem administradas do
mundo. Após a estabilização,
em tempo recorde assimilaram
conceitos de qualidade total e
de planejamento estratégico
-com forte ênfase no fluxo de
caixa- que transformaram
muitas delas em referência
mundial, em grande parte devido à qualidade da mão-de-obra brasileira.
Em setores competitivos
-como a indústria aeronáutica, petrolífera, siderúrgica e
alimentícia- nossas empresas
começam a buscar a globalização. O agrobusiness brasileiro é
o mais competitivo do mundo.
Há em andamento um programa de integração da infra-estrutura do continente com desdobramentos fantásticos no
desenvolvimento regional.
O modelo político aprimorou-se, o poder tornou-se mais
difuso com ferramentas como
a Lei de Responsabilidade Fiscal, o fortalecimento do Legislativo, do Ministério Público e
do Judiciário.
Os problemas enfrentados
pelo continente são temporais.
As empresas espanholas e portuguesas conseguiram adquirir
ativos valiosos -pelos quais
muitas delas pagaram caro-
porque seus países lograram
acordos políticos mais cedo,
privatizaram mais cedo e com
mais competência, e suas grandes empresas, profissionalizadas, foram mais cedo aos mercados internacionais e tiveram
acesso a crédito abundante e
barato. Só isso explica o fato de
a Telefónica de España e a Portugal Telecom terem adquirido
empresas telefônicas brasileiras, e não o contrário.
Além disso, os governos do
Brasil e da Argentina, assim
como parte substancial da mídia, se inebriaram com as tolices brandidas por alguns economistas acerca do fluxo eterno de capitais para o continente, e criaram vulnerabilidades externas relevantes.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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