|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O Congresso e as negociações comerciais
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em matéria de acordos internacionais, o Congresso
brasileiro tem tido um papel passivo, basicamente homologatório, das ações do Executivo. Além
de enfraquecer os negociadores
brasileiros, isso contraria o espírito da Constituição Federal.
O "caput" do artigo 48 da Constituição estabelece que cabe ao
Congresso dispor sobre todas as
matérias de competência da
União, entre as quais se inclui o
comércio exterior, conforme o artigo 22, inciso VIII. Além disso, o
artigo 49, inciso I define como da
competência exclusiva do Congresso resolver definitivamente
sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos
ao patrimônio nacional. Essa
competência é reafirmada pelo
artigo 84, inciso VIII, que define
como competência privativa do
presidente da República celebrar
tratados, convenções e atos internacionais, "sujeitos a referendo
do Congresso Nacional".
Desde que a Constituição foi
promulgada, em 1988, o escopo
das negociações comerciais, no
âmbito multilateral e regional,
vem sendo consideravelmente
ampliado, por insistência dos
países desenvolvidos. Temas como serviços, propriedade intelectual, investimento, defesa da concorrência e compras governamentais foram incorporados à
agenda internacional.
Isso significa que os acordos comerciais representam atualmente uma ameaça muito maior à soberania do país e às próprias
prerrogativas do Congresso, que
perderia a possibilidade de legislar de forma autônoma sobre
uma série de questões estratégicas, cuja regulamentação seria
progressivamente transferida para a órbita internacional. A tradicional passividade do Congresso tornou-se ainda mais perigosa.
Felizmente, o quadro começa a
mudar. Está tramitando projeto
de lei do senador Eduardo Suplicy (nº 189, de 2003), que estabelece um mandato negociador
para a participação do governo
em negociações comerciais. O objeto principal do projeto são as
negociações em andamento referentes à Rodada Doha da OMC, à
Alca e ao acordo de livre comércio entre a União Européia e o
Mercosul.
O que se pretende, por um lado,
é permitir ao Congresso exercer
com pleno conhecimento de causa a sua prerrogativa constitucional de referendar, ou não, os
acordos negociados. Por outro lado, a existência de um mandato
bem definido contribui para colocar o Executivo ao abrigo de
constrangimentos e pressões por
parte dos parceiros nas negociações.
Esse é, como se sabe, um procedimento de que se valem países
desenvolvidos há muito tempo.
Os EUA, por exemplo, têm a TPA
("Trade Promotion Authority",
conhecida antigamente como
"Fast Track Authority"). A última autorização concedida pelo
Congresso dos EUA, votada em
agosto de 2002, é uma lei extensa
e minuciosa, que define com muito cuidado não só os objetivos a
serem buscados pelo Executivo
nas negociações da OMC, da Alca
e outras mas também rigorosos
mecanismos de monitoramento
dos negociadores pelo Congresso.
Embora mais enxuto do que a
TPA, o projeto do senador Suplicy
contém diversos aspectos fundamentais. Alguns exemplos. Remete à OMC os temas ditos sistêmicos, como serviços, propriedade
intelectual relacionada com o comércio, investimentos e compras
governamentais, em linha com o
que já vem propondo o Itamaraty. Define como condição "sine
qua non" a remoção de barreiras
às exportações, inclusive das que
resultam da utilização abusiva
de legislações antidumping. Estabelece, também, que os negociadores brasileiros devem buscar a
inclusão nos acordos de cláusulas
que permitam proteger as indústrias nascentes e restringir as importações em caso de dificuldades
de balanço de pagamentos.
Por outro lado, valendo-se da
mesma linguagem adotada pela
TPA, o projeto exclui concessões
em setores "sensíveis à importação", inclusive os de tecnologia de
ponta. Exclui, também, a sub-rogação de empresas privadas nos
direitos dos Estados e a discussão
de limitações à regulação e controle dos movimentos de capital
(objetivos que os EUA vêm buscando insistentemente nas negociações da Alca e em outros fóruns).
O projeto estabelece também
que o Congresso acompanhará de
perto as negociações comerciais,
avaliando seus resultados parciais e finais. Estipula, ainda, que
a avaliação se fará obrigatoriamente antes da assinatura de
quaisquer acordos, ainda que
apenas setoriais.
O projeto foi aprovado na Comissão Mista do Mercosul, com
parecer do deputado João Herrmann Neto. Está agora na Comissão de Constituição e Justiça,
aguardando parecer do senador
Pedro Simon.
O mandato negociador será seguramente aperfeiçoado com as
sugestões de parlamentares, representantes dos empresários e
dos trabalhadores e especialistas.
O próprio Itamaraty, setor do governo que comanda as negociações comerciais, deverá ser chamado a opinar.
Não há dúvida, entretanto, de
que o projeto do senador Suplicy
é de grande importância. Numa
primeira reação, ainda sem conhecer todos os detalhes, o ministro Celso Amorim considerou
"extremamente útil e um instrumento de reforço da nossa posição negociadora contar com parâmetros e diretrizes da mesma
maneira que o governo americano tem" ("Gazeta Mercantil", 8 a
10 de agosto de 2003, pág. A-4).
O Congresso está dando um
passo fundamental para exercer
adequadamente as suas prerrogativas constitucionais e fortalecer a posição do Brasil nas negociações internacionais estratégicas que temos pela frente.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Na "cola" do BC, bancos baixam juors também Próximo Texto: Luís Nassif: Selic e o câmbio Índice
|