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São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

Selic e o câmbio

Se se pretende que o Banco Central se torne um articulador de expectativas, é óbvio que a decisão de derrubar em 2,5 pontos percentuais a taxa Selic não foi bem implementada. Não pela queda em si, tardia, mas pelo discurso prévio de gradualismo. Passa-se a semana com o discurso do gradualismo, induzem-se as expectativas do mercado para corte de 1,5 ponto -que caracterizaria o tal gradualismo- e cortam-se 2,5 pontos.
Aliás, esses movimentos do mercado, de ir atrás dos sinais do Banco Central, demonstram claramente que o sistema de pesquisas Focus tem um viés que deforma completamente o modelo. O mercado não diz o que acha que deva ser a taxa esperada, mas o que acha que o Copom acha que deva ser a taxa futura.
De qualquer modo, foi um capítulo importante para romper, ainda que tardiamente, com a inércia antiinflacionária do Banco Central. Agora, abre-se espaço para um sopro de crescimento na economia brasileira enquanto não se criam as condições estruturais para um crescimento sustentado. O fim da rigidez incompreensível do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) na questão da taxa Selic e a flexibilização do compulsório, somados a uma exploração política bem-feita da aprovação das reformas, poderão criar as condições pelo menos para uma inversão pequena do atual clima recessivo.
Em alguns círculos do governo, trabalha-se com o seguinte cenário:
1) faltava a condição prévia, uma queda mais substantiva da taxa Selic para não apenas amenizar o quadro econômico mas principalmente criar um fato psicológico que motive o empresário. Mesmo antes da flexibilização do compulsório, existia dinheiro sobrando nos bancos por falta de tomador -em razão de taxas altas, mas, especialmente, de falta de confiança na atividade econômica. Portanto o fator psicológico é essencial para inverter o clima de recessão;
2) os passos seguintes consistem em colocar na rua ferramentas que possibilitem uma rápida expansão do crédito popular. Uma delas é a autorização para o desconto em folha de trabalhadores do setor privado. Outra é a regulamentação dos fundos de recebíveis, que permitirá à indústria de fundos garantir "funding" para financeiras;
3) considera-se que o país carece de infra-estrutura para processos mais longos de crescimento. Mas que, no curto prazo, haveria espaço para um crescimento sustentado no consumo popular, devido à capacidade ociosa do setor de roupas e alimentos.
O nó maior continua sendo a frente cambial. Ainda não há noção clara dos efeitos da apreciação cambial sobre o superávit comercial. O país continua vulnerável. Nesses setores do governo, há fé de que a seca norte-americana dará uma sobrevida às cotações de soja, permitindo sustentar um pouco mais os superávits.
O prazo que o governo terá para implementar políticas estruturantes será dado pelas contas externas. Se o déficit externo voltar, qualquer tentativa de crescimento terá que ser abortada para impedir sua ampliação.
Essa será a variável-chave dos próximos meses.
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