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UM ANO DEPOIS
Presidente da Gradiente elogia administração petista, mas quer que o Banco Central acelere redução dos juros
Pioneiro no apoio a Lula, Staub pede ousadia
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Há um ano, o empresário Eugênio Staub, 61, presidente da Gradiente, uma das maiores empresas do setor eletroeletrônico no
Brasil, surpreendeu ao declarar
seu voto ao então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoje, após a vitória do PT,
Staub, membro do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e
Social e do conselho de administração do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), diz que a eleição de
Lula significou o fim do risco político para o país. O desafio, agora, é
vencer o risco econômico.
Nesta entrevista, concedida em
seu escritório na sexta-feira de
manhã, Staub não deixou, no entanto, de fazer algumas críticas à
política do governo, apesar de
manter seu apoio a Lula. Ele acha,
por exemplo, que o Banco Central
poderia ser mais ousado na política de redução dos juros.
O problema, a seu ver, é que o
sistema de consultas que o BC usa
para calcular os juros é viciado.
"Esse sistema de informações é
feito por pessoas ligadas ao setor
financeiro", afirmou Staub. "Esse
pessoal erra sempre."
Na queda-de-braço entre o
BNDES e o Ministério da Fazenda, Staub mostra-se claramente
favorável ao banco. "Eu tenho um
grande apreço pelo Palocci, acho
que ele também é um desenvolvimentista, mas está sentado na cadeira do Tesouro e tem de se
preocupar, antes de tudo, com a
responsabilidade fiscal", disse.
Leia a seguir a entrevista.
Folha - Qual é a sua avaliação do
governo Lula?
Eugênio Staub - Eu acho que nós
temos que comemorar, em primeiro lugar, o fato de o risco político do Brasil ter desaparecido. De
1989 para cá, nas três eleições presidenciais, o grande temor era o
Lula ou o PT chegarem ao poder.
Para muitos, o país acabaria.
Com a eleição e a posse do Lula,
não há mais esse risco político no
horizonte. Se o PSDB ganhar em
2006 ou em 2010, não será mais
um risco político. A democracia
brasileira amadureceu e se consolidou, inclusive para os olhos um
pouco estreitos da elite. A elite
não enxerga mais o risco de o país
ser colocado de pernas para o ar.
A eleição do Lula teve o mérito de
encerrar um ciclo de incerteza.
Folha - Se o risco político acabou,
por que não se investe no país?
Staub - É porque o risco político
foi substituído por essa bobagem
que é o risco-país. Exatamente
um ano atrás, em fins de setembro, o risco-país chegou ao pico
pelo medo de o Lula ganhar a eleição e a economia ir para a breca.
A verdade é que, nos últimos 20
anos, apesar de não ter tido progresso econômico na América Latina, houve um grande progresso
político. Todos os países viraram
democracias, a oposição ganhou,
a inflação acabou. A sociedade está mais amadurecida. Hoje há políticas econômicas sadias.
Ninguém discute mais se tem
que ter responsabilidade fiscal ou
não. Isso já é um dado. O empresariado não está investindo porque esse processo é muito recente
no Brasil. Há dúvidas, por exemplo, se a economia brasileira vai
ter condições de crescer. Todos
sabem que 2004 e 2005 vão ser
bons anos. O problema é saber se
a partir de 2006 o país terá condições de crescer.
O setor privado também está
traumatizado com as oscilações
do câmbio nos últimos dez anos.
Folha - Não há um componente
de insegurança política sobre como
o governo reagiria, por exemplo, a
uma queda de popularidade do
presidente?
Staub - Eu acho que não existe
mais ansiedade sobre isso. Percebi uma certa ansiedade dois meses atrás, principalmente do pessoal ligado ao meio rural com as
invasões do MST [Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra], mas acho que o presidente
já se manifestou sobre isso de forma muito clara.
Folha - O governo resolveu o problema?
Staub - Não resolveu, mas se posicionou contra a ilegalidade de
movimentos como esse. O governo está num processo de aprendizado para administrar esta máquina enorme que é o Brasil. E está aprendendo muito depressa.
No começo de 2004, ele vai estar
muito mais aparelhado do que
em 2003. Na iniciativa privada,
você passa três meses para contratar um novo diretor ou um gerente, e mesmo assim erra. Na hora em que você chega ao governo
federal e tem que preencher centenas de cargos de alto nível, é
perfeitamente aceitável se houver
um erro de 20%.
Folha - Uma das maiores queixas
do sr. foi quanto a ausência de política industrial no governo anterior.
O problema não continua?
Staub - Falta uma política industrial para o país. Os mais céticos
acham que estou defendendo o
cartório, mas não é isso. O país
precisa ter essa discussão. Existe
uma deficiência cultural no país
que acha que apoio ou proteção
do poder público à empresa é sinônimo de malandragem, coisa
ruim, quando nos outros países
não é assim. A empresa, principalmente a nacional, é prestigiada
por seus respectivos governos. Os
governos enxergam a empresa
nacional como um instrumento
de desenvolvimento econômico.
O poder das nações, hoje, fora
os Estados Unidos, não é mais em
cima do poder militar, mas sim
em cima do econômico. Ele é feito
com seus próprios exércitos, e os
exércitos são as empresas.
O governo Fernando Henrique
tinha um discurso correto sobre
política industrial, mas jamais fez
algo. O governo Lula também tem
um discurso correto sobre o assunto, mas vai fazer alguma coisa.
Folha - Até agora, não fez nada.
Staub - Não deu tempo, mas o
que está movimentando de gente
e inteligência sobre esse tema é sinal de que será feita alguma coisa.
Eu não tenho dúvidas de que vamos ter uma política de desenvolvimento econômico que irá englobar uma política industrial.
Folha - Como o sr. vê a atuação do
BNDES?
Staub - A atual diretoria do
BNDES herdou uma situação
muito adversa do governo anterior. A atividade tradicional do
banco está em ordem, mas foram
feitas grandes operações especiais
pelo governo anterior, principalmente na privatização -e a mais
conhecida foi a da AES-, que
prejudicaram muito o banco.
A administração do banco é
atrapalhada por esses "pepinos"
que foram herdados e estão sendo
descascados agora. No governo
anterior, o BNDES foi transportado de seu leito natural e transformado num banco de investimento muito semelhante aos bancos
privados, principalmente os internacionais, até por força da diretoria que foi colocada lá.
Vários dos diretores vieram de
bancos estrangeiros. A diretoria
nova mudou a estratégia e devolveu ao BNDES a tradição de ser
um banco de desenvolvimento.
Portanto, as pessoas que estão lá
têm que ser desenvolvimentistas,
como é o caso do Carlos Lessa,
pessoa que aprecio muito.
Folha - Os projetos defendidos
pelo BNDES têm encontrado muitas resistências, principalmente da
Fazenda...
Staub - O que a Fazenda coloca é
a preocupação de onde virão os
recursos.
Folha - O projeto defendido pelo
BNDES para o setor aéreo, por
exemplo, foi bombardeado pela
Fazenda.
Staub - A questão do setor aéreo
terá de ser resolvida. Se você olha
o que acontece nos outros países,
com a exceção dos Estados Unidos, que fornecem bilhões de dólares de subsídios, há uma empresa hegemônica no setor aéreo. Isso acontece na Itália, na França,
na Coréia do Sul e no Japão. O
projeto do BNDES defende a mesma coisa. Um país com as dimensões do Brasil precisa ter uma empresa hegemônica nacional. O
BNDES está na vanguarda do desenvolvimento. Eu acho que a posição da diretoria do banco está
essencialmente correta.
Folha - O BNDES não se opõe à política do Palocci?
Staub - Eu tenho um grande
apreço pelo Palocci, acho que ele
também é um desenvolvimentista, só que está sentado na cadeira
do Tesouro e tem de se preocupar, antes de tudo, com a responsabilidade fiscal. Eu não vejo esse
conflito. Ninguém mais do que a
cúpula do PT quer fazer desenvolvimento. Esse é o compromisso
das eleições. O governo vai ter de
induzir os investimentos. Necessitará ter projetos, vai ter de atrair
os investidores.
Não basta fazer uma boa lição
de casa para o país decolar. O país
precisa ser proativo.
Folha - Mas esse não é o discurso
do Palocci.
Staub - Eu acredito que seja esse
o pensamento do Palocci. O discurso dele tem de ser restrito ao
papel dele dentro do governo.
Folha - O sr. acha que há dois Paloccis?
Staub - Não vejo nem dois Paloccis nem dois governos. Eu vejo
muita identidade no PT. Há uma
identidade muito grande de visões e de propósitos na cúpula do
PT. O [Aloizio] Mercadante, o
[José] Genoino, o Palocci, o [Luiz]
Gushiken e o Lula pensam muito
igual. E a política econômica que
está aí não é do Palocci, mas sim
do presidente Lula. Essa é uma
novidade que nós não víamos havia oito anos. Nós temos um presidente trabalhador e proativo, ao
contrário do que os críticos falavam. Essa crítica caiu por terra.
Folha - O sr. acha que as medidas
do governo de criar linhas de crédito para a venda de eletrodomésticos terão efeito sobre as vendas?
Staub - Qual é o objetivo do programa? É reduzir o "spread" bancário, baixar o custo financeiro. O
crédito no Brasil é tão absurdamente caro que a Selic [taxa básica de juros] de 20% [ao ano], que
ainda é muito alta, é brincadeira
perto dos 200% que o consumidor paga de crédito pessoal.
O governo está criando uma alternativa, que tem pouco impacto, pois a demanda é muito maior
do que ele pode disponibilizar para isso. Mas já produziu resultados. Os bancos começaram a criar
linhas de crédito com desconto
em folha. Foi criada uma concorrência ao disponibilizar linhas
com juros de 30% ao ano. O governo está sendo indutor da redução do "spread". Não sei quantas
geladeiras serão vendidas pela
Caixa Econômica Federal, mas
vão mudar os parâmetros de decisão sobre os juros.
Folha - O Banco Central não produziu uma recessão desnecessária?
Staub - Nós temos ainda um medo excessivo da inflação. Não há
nenhuma razão para acreditar
que a inflação vá voltar. A partir
de março e abril já estava muito
claro, pela queda da atividade
econômica, pelo alinhamento da
taxa de câmbio e pela taxa de juros altos que o BC impôs, que não
haveria a volta da inflação.
Eu acho que o Banco Central
usa um sistema de consultas que é
viciado. Ele forma opinião sobre
inflação, juros e crescimento do
PIB por meio de consultas a especialistas do mercado financeiro e
esses meninos economistas têm
errado sistematicamente. É impressionante como o Banco Central confia nessa forma de consulta, que não acerta uma. O que esse
grupo previu em março é muito
diferente do que prevê hoje. E assim é induzido a ser conservador
demais.
Esse sistema de informações,
em primeiro lugar, é viciado por
ser feito por pessoas ligadas ao setor financeiro. A economia real é
muito maior do que isso. E, em segundo lugar, esse pessoal não
acerta uma. O Banco Central tem
que encontrar outra alternativa
para tomar suas decisões. O Copom [Comitê de Política Monetária] tem que se apoiar em outro tipo de informação. Instituições como Iedi [Instituto de Estudos sobre Desenvolvimento Industrial],
Fiesp [Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo] e federações de comércio precisam ser levadas em conta.
Folha - Qual sua aposta para a taxa Selic no final do ano?
Staub - Há dois meses, o mercado dizia que os juros iriam fechar
o ano em 20%. Agora, a previsão
já está em 17,5%. Eu acho que o
ideal é encerrarmos 2003 com
uma taxa Selic de 14% a 15%. O juro real no Brasil ainda é de 12,5%,
enquanto nos países desenvolvidos o juro real é negativo.
O que eu gostaria de ver é um
pouco mais de ousadia por parte
do BC. Eu acho que o Banco Central tem medo de errar. O objetivo
desse grupo que está no Banco
Central e na Fazenda é não ter que
aumentar os juros, o que também
não é mal. É absolutamente normal você ter ajustes para cima ou
para baixo. O que acontece conosco é que estamos num patamar muito elevado.
Folha - Qual é, na sua opinião, o
juro real ideal?
Staub - Eu acho que é de 8% no
final deste ano e de 4% no ano que
vem. A inflação verdadeira no
Brasil está entre 6% e 7%. O Banco Central foi excessivamente
conservador, mas está corrigindo
a rota agora. Eu acredito que o
fundo do poço acabou.
Folha - O diálogo com o governo
continua aberto?
Staub - O diálogo continua muito aberto neste governo. Hoje,
não só o presidente mas os ministros continuam mantendo muito
diálogo com os empresários. Há
muita abertura. As desconfianças
do lado do empresário sumiram.
E esse pessoal tinha paixão pelo
Fernando Henrique Cardoso.
Folha - Há um ano, o sr. disse que
o Lula tinha visão de estadista. Sua
previsão se confirmou?
Staub - Ele está muito mais perto, hoje, de se tornar um estadista.
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