São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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DAVID BLAKE

Os pecados de Greenspan


Greenspan não fez nada enquanto os operadores de crédito hipotecário seguiam normas mais imprudentes

POR VOLTA de 2002, quando sua reputação como "o homem que salvou o mundo" estava no auge, Alan Greenspan, então presidente do Fed, veio ao Reino Unido receber sua comenda como cavaleiro. O maior fã de Greenspan, Gordon Brown, hoje primeiro-ministro britânico, fez questão de incluir no texto da honraria a explicação de que ele a estava recebendo por promover a "estabilidade econômica".
Greenspan visitou o Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra. Disse-lhes que o sistema financeiro dos EUA havia provado sua resistência em meio ao estouro da bolha da internet. Os preços das ações haviam caído à metade, e o nível de inadimplência nos mercados de títulos era elevado, mas nenhum banco grande havia quebrado.
Greenspan teceu elogios à distribuição ampla dos riscos por meio do uso de instrumentos derivativos complexos. Um dos membros do comitê britânico perguntou como é que algo assim podia ter acontecido. "Alguém perdeu todo aquele dinheiro -quem ficou com ele?" Um ar de satisfação assomou ao rosto de Greenspan enquanto ele respondia: "As seguradoras européias". Seis anos mais tarde, a seguradora americana AIG foi na prática estatizada, para que sua quebra não explodisse o mundo financeiro.
Muita gente culpa o Fed da era Greenspan pela confusão. E esses críticos estão certos, ainda que não pelo motivo mais mencionado. Nos últimos dez anos, não existem indícios de que os EUA tenham tido crescimento excessivo, causador de inflação. A economia precisava de juros baixos e de estímulo fiscal para evitar uma severa recessão. O Fed estava certo ao fazer a sua parte.
A culpa que cabe a Greenspan é seu papel em permitir que a era dos juros baratos criasse uma bolha especulativa. Ele não pode alegar que não foi alertado sobre os riscos. Dois incidentes dos anos 90 servem como exemplo. O primeiro é de seu discurso de 96 sobre a "exuberância irracional". Reconheceu que existia uma bolha no mercado acionário, mas se recusou a agir. O segundo é do começo de 98, quando surgiram preocupações com o imenso crescimento do mercado de balcão para derivativos. Tais instrumentos ocuparam posição central na crise do risco de contrapartes. Mas Greenspan sugeriu que novas medidas de regulamentação poderiam perturbar os mercados de capitais.
Na virada do milênio, dada a ausência de normas mais severas para as margens, um circuito de retroalimentação jogou o preço das ações à estratosfera. À medida que os preços subiam, mais corretores se dispunham a emprestar dinheiro para a compra de mais ações. As compras continuaram enquanto os preços das ações subiam, até que a bolha estourasse. Criar uma bolha pode parecer um infortúnio. Criar duas decerto parece descuido, e foi exatamente isso o que Greenspan fez.
Feridos pelos prejuízos no mercado de ações, os americanos começaram a comprar casas. O setor de hipotecas usou títulos securitizados para garantir que as pessoas que originavam as hipotecas não precisassem se preocupar quanto aos pagamentos; o risco foi reempacotado e vendido a terceiros. Greenspan não se limitou a assistir. Ele afirmou repetidas vezes que a habitação era um investimento seguro porque os preços das casas não caem. Dessa vez, o erro foi assistir passivamente enquanto os operadores de crédito hipotecário adotavam normas mais e mais imprudentes.
Greenspan percebeu que algo grave aconteceu, e descreveu a situação como "algo que surge apenas uma vez a cada século". Mas homens como Greenspan também não surgem todos os dias.


DAVID BLAKE é executivo de uma administradora de recursos e escreve em caráter pessoal.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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