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DAVID BLAKE
Os pecados de Greenspan
Greenspan não fez nada enquanto os operadores de crédito hipotecário seguiam normas mais imprudentes
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POR VOLTA de 2002, quando sua
reputação como "o homem
que salvou o mundo" estava
no auge, Alan Greenspan, então presidente do Fed, veio ao Reino Unido
receber sua comenda como cavaleiro. O maior fã de Greenspan, Gordon Brown, hoje primeiro-ministro
britânico, fez questão de incluir no
texto da honraria a explicação de
que ele a estava recebendo por promover a "estabilidade econômica".
Greenspan visitou o Comitê de
Política Monetária do Banco da Inglaterra. Disse-lhes que o sistema financeiro dos EUA havia provado
sua resistência em meio ao estouro
da bolha da internet. Os preços das
ações haviam caído à metade, e o nível de inadimplência nos mercados
de títulos era elevado, mas nenhum
banco grande havia quebrado.
Greenspan teceu elogios à distribuição ampla dos riscos por meio do
uso de instrumentos derivativos
complexos. Um dos membros do comitê britânico perguntou como é
que algo assim podia ter acontecido.
"Alguém perdeu todo aquele dinheiro -quem ficou com ele?" Um ar de
satisfação assomou ao rosto de
Greenspan enquanto ele respondia:
"As seguradoras européias". Seis
anos mais tarde, a seguradora americana AIG foi na prática estatizada,
para que sua quebra não explodisse
o mundo financeiro.
Muita gente culpa o Fed da era
Greenspan pela confusão. E esses
críticos estão certos, ainda que não
pelo motivo mais mencionado. Nos
últimos dez anos, não existem indícios de que os EUA tenham tido
crescimento excessivo, causador de
inflação. A economia precisava de
juros baixos e de estímulo fiscal para
evitar uma severa recessão. O Fed
estava certo ao fazer a sua parte.
A culpa que cabe a Greenspan é
seu papel em permitir que a era dos
juros baratos criasse uma bolha especulativa. Ele não pode alegar que
não foi alertado sobre os riscos. Dois
incidentes dos anos 90 servem como exemplo. O primeiro é de seu
discurso de 96 sobre a "exuberância
irracional". Reconheceu que existia
uma bolha no mercado acionário,
mas se recusou a agir. O segundo é
do começo de 98, quando surgiram
preocupações com o imenso crescimento do mercado de balcão para
derivativos. Tais instrumentos ocuparam posição central na crise do
risco de contrapartes. Mas Greenspan sugeriu que novas medidas de
regulamentação poderiam perturbar os mercados de capitais.
Na virada do milênio, dada a ausência de normas mais severas para
as margens, um circuito de retroalimentação jogou o preço das ações à
estratosfera. À medida que os preços
subiam, mais corretores se dispunham a emprestar dinheiro para a
compra de mais ações. As compras
continuaram enquanto os preços
das ações subiam, até que a bolha estourasse. Criar uma bolha pode parecer um infortúnio. Criar duas decerto parece descuido, e foi exatamente isso o que Greenspan fez.
Feridos pelos prejuízos no mercado de ações, os americanos começaram a comprar casas. O setor de hipotecas usou títulos securitizados
para garantir que as pessoas que originavam as hipotecas não precisassem se preocupar quanto aos pagamentos; o risco foi reempacotado e
vendido a terceiros. Greenspan não
se limitou a assistir. Ele afirmou repetidas vezes que a habitação era
um investimento seguro porque os
preços das casas não caem. Dessa
vez, o erro foi assistir passivamente
enquanto os operadores de crédito
hipotecário adotavam normas mais
e mais imprudentes.
Greenspan percebeu que algo grave aconteceu, e descreveu a situação
como "algo que surge apenas uma
vez a cada século". Mas homens como Greenspan também não surgem
todos os dias.
DAVID BLAKE é executivo de uma administradora de recursos e escreve em caráter pessoal.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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