São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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EM TRANSE

IR sobre aplicação de estrangeiro em setembro é mais de seis vezes o total arrecadado em 2001 nessa modalidade

Fuga de dólares eleva arrecadação da Receita

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Números sigilosos armazenados nos computadores da Receita Federal indicam uma intensificação da fuga de dólares do Brasil nos últimos três meses. De julho a setembro, R$ 2,7 bilhões (cerca de US$ 700 milhões) migraram de aplicações financeiras de estrangeiros para o exterior.
O quadro se agrava em outubro. Estima-se que outros R$ 7 bilhões (US$ 1,8 bilhão) possam ter deixado o país só na primeira quinzena deste mês. De novo, o dinheiro sai de aplicações de estrangeiros, sobretudo pessoas jurídicas.
Sabe-se que os saques aumentaram porque houve um surpreendente crescimento na arrecadação do tributo cobrado na hora do resgate -o Imposto de Renda retido na fonte sobre aplicações de renda fixa de não-residentes.
Os recolhimentos de setembro renderam ao fisco R$ 355 milhões. É mais do que entrou nos cofres da Receita em 2001: R$ 58,7 milhões. Sozinho, o valor de setembro equivale a seis anos de arrecadação desse tipo de imposto.
Em condições normais, o IR na fonte de não-residentes costuma render à Receita algo como R$ 3 milhões por mês. Excepcionalmente, a média do ano passado foi maior: R$ 4,9 milhões mensais. Por conta de um incremento nos saques de aplicações de estrangeiros ocorrido em outubro de 2001.
Recolheram-se naquele mês R$ 33 milhões em IR na fonte. Uma distorção atribuída à migração de capitais que ocorreu logo depois dos atentados terroristas nos EUA, em setembro de 2001.
No primeiro semestre de 2002, o faturamento da Receita com o IR na fonte de aplicações de estrangeiros comportou-se dentro de parâmetros históricos: média mensal de R$ 3 milhões.
Em julho, ocorreu um soluço. A arrecadação alçou a R$ 10 milhões. Sabendo-se que a alíquota do imposto é de 15%, tem-se que saíram do país naquele mês R$ 70 milhões (US$ 23 milhões). Em agosto, novo espasmo arrecadatório: R$ 22 milhões. Migração de mais R$ 154 milhões (US$ 49 milhões). Em setembro, veio o novo salto, que rendeu ao governo os já mencionados R$ 355 milhões.
O sistema de contabilidade da Receita permite o monitoramento constante do recolhimento de impostos. Os técnicos fazem previsões e checam diariamente a arrecadação efetiva. Normalmente, há poucas surpresas.
Na semana passada, os computadores registraram arrecadação de R$ 1,7 bilhão acima do previsto. O número provocou assombro. Numa análise preliminar, verificou-se que o dinheiro extra vem de impostos que incidem sobre operações que envolvem dólar, principalmente o IR na fonte sobre aplicações de estrangeiros.
Daí a estimativa de que R$ 7 bilhões (US$ 1,8 bilhão) possam ter fugido para fora do país na primeira quinzena de outubro. O dado depende do fechamento das contas de outubro.
Embora o grosso venha da renda fixa, o excedente arrecadatório de R$ 1,7 bilhão embute impostos que incidem sobre outras transações com dólar. As operações de "swap", por exemplo. O termo significa troca de rentabilidade. No caso do "swap" cambial, o BC oferece ao investidor a possibilidade de trocar a rentabilidade pela variação do dólar pela de juros.
De qualquer modo, a conta da fuga de dólares causou espanto às pessoas que manuseiam os números na Receita. Somando-se o que efetivamente saiu de julho a setembro (US$ 700 milhões) à estimativa dos primeiros 15 dias de outubro (US$ 1,8 bilhão), chega-se à cifra de US$ 2,5 bilhões.
O número já roça os US$ 3 bilhões que o FMI mandou para o Brasil como primeira parcela de um socorro total de US$ 30 bilhões, aprovado no último dia 6 de setembro. Impressiona ainda mais se confrontado com dados do BC sobre o total de aplicações de estrangeiros.
Os dados do BC são defasados. O último é de março. Naquele mês, havia US$ 1,72 bilhão de não-residentes depositado em fundos de renda fixa. É menos do que se estima ter saído do país só neste mês de outubro.
A defasagem temporal impede que se saiba como evoluiu esse tipo de investimento de lá para cá. Os computadores da Receita, porém, apontam para uma redução drástica.
Em tese, o dinheiro das aplicações de estrangeiros poderia migrar para outros investimentos. Apenas em tese. Os fundos lastreados em papéis do governo oferecem uma das melhores rentabilidades. O aplicador teria de se sujeitar, de resto, a uma segunda tributação. Pagaria o IR na fonte outra vez quando sacasse a nova aplicação.


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