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COMÉRCIO EXTERIOR
Na avaliação de diplomatas, sucessor de FHC deverá adotar uma política mais intervencionista
Itamaraty já se adapta a novo presidente
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Itamaraty já prepara documentos oficiais na área comercial
com o perfil do próximo governo,
segundo diplomatas entrevistados pela Folha. O Ministério das
Relações Exteriores avalia que,
qualquer que seja o novo ocupante do Palácio do Planalto, haverá
uma política mais intervencionista que a do presidente Fernando
Henrique Cardoso.
No primeiro semestre deste
ano, numa reunião no Itamaraty,
foi decidido que era preciso achar
espaço para a prática de políticas
industriais no âmbito dos acordos internacionais, pois o novo
presidente passaria a implementar esse tipo de instrumento.
As regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), da
qual o Brasil é signatário desde
1994, impedem o uso de mecanismos tradicionais de incentivo à
produção, que foram amplamente usados no passado por países
como os EUA, o Japão e a Coréia,
afirma José Augusto de Castro,
presidente da AEB (Associação de
Comércio Exterior do Brasil).
Para se adaptar a demandas do
futuro governo, a diplomacia brasileira começa a incluir na pauta
de negociações temas que estavam banidos da agenda.
Subsídios, política industrial e
regras para obrigar as empresas
estrangeiras a exportarem parte
da produção e a comprarem de
fornecedores nacionais voltaram
a ser temas defendidos pelo Brasil
nas negociações internacionais.
Há cerca de duas semanas, o
Brasil e a Índia entregaram à
OMC uma proposta para mudar
as regras do Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio (Trims, na sigla
em inglês). A proposta é um sacrilégio para quem reza pela cartilha
do liberalismo econômico, ou seja, contraria todo o discurso defendido pela equipe econômica
de FHC nos últimos anos.
Brasileiros e indianos querem
liberdade para dar subsídios e
atrair investimentos estrangeiros,
desde que a empresa se comprometa a cumprir metas de exportação e a comprar parte dos seus insumos de fornecedores locais.
A proposta é exatamente o
oposto do atual Trims, que proíbe
exigências de exportação e de
compras de produtores nacionais
como pré-requisito para a instalação de empresas estrangeiras.
O Itamaraty sabe que as chances
de convencer os sócios ricos da
OMC a aceitar a proposta da Índia
e do Brasil são quase nulas. Os Estados Unidos, o Japão, a União
Européia e a Coréia tentaram até
barrar a possibilidade de discutir
a proposta. A diplomacia brasileira, no entanto, conseguiu levar
adiante pelo menos o debate.
O gesto da Índia e do Brasil não
deve ser subestimado mesmo que
o documento não provoque mudança nas regras. Ele marca uma
nova posição da diplomacia brasileira nas negociações externas.
Questão de justiça
Até o governo Collor (89-92), o
Brasil era conhecido como um
país extremamente protecionista.
Na época pré-Collor, um dos parceiros preferenciais brasileiros
para tentar emperrar as negociações que culminaram com a criação da OMC era a Índia.
Com Collor, a posição brasileira
mudou, e a Índia deixou de ser
um parceiro. A nova tese era que
todos os países, ricos ou pobres,
deveriam aceitar a agenda liberal,
que pregava o fim da intervenção
do Estado na economia.
O documento que o Brasil entregou à OMC sobre Trims marca
a volta da defesa do uso da intervenção estatal como instrumento
legítimo e necessário para o desenvolvimento industrial dos países mais pobres. Prova também
que o pensamento liberal do ministro Pedro Malan (Fazenda)
não é mais uma força hegemônica
no governo. O Itamaraty está hoje
mais próximo do Ministério do
Desenvolvimento, afirma Castro.
Mais além, a nova posição brasileira recupera o princípio que
norteava as negociações comerciais no passado -países em desenvolvimento devem ter tratamento diferenciado na OMC. É o
velho princípio de justiça de Rui
Barbosa de volta à mesa de negociações comerciais: Justiça é tratar
desigualmente os desiguais.
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