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LUÍS NASSIF
A retórica do rentismo
Não resisto a voltar aos
paralelos entre a Primeira República e o momento
atual. Reside aí a chave para
entender esse irracionalismo
reiterado da política econômica.
Na coluna de anteontem,
defendi a idéia de que os chamados interesses da cafeicultura não podiam ser entendidos de forma homogênea. A
cadeia do café tinha duas etapas: a interna e a externa. A
interna era composta pelo
plantador de café, pelo financiador (casa comissária, bancos), até chegar ao exportador.
A partir daí, havia uma outra
dinâmica, que era o circuito
percorrido pelos dólares (ou libras) até os bancos internacionais.
O que impôs a agenda "liberal" (de livre fluxo de capitais)
na Primeira República foram
os interesses rentistas da última etapa da cadeia do café, a
quem interessavam câmbio livre e juros altos. Esse modelo
enreda a economia do café em
crises sucessivas, levando, aí
sim -pelo poder político do
cafeicultor-, à gambiarra
das políticas de sustentação de
preço que quebram as contas
públicas.
Como se deu tal sobrevida a
uma política que liquidava
com a incipiente produção industrial local, mantinha o país
na estagnação e submetia o
principal setor produtivo -a
cafeicultura- à espada de
Dâmocles de crises sucessivas?
A consolidação se dá por
meio da "legitimação técnica"
de um grupo de economistas
que, supostamente -por sua
formação internacional-, conheceria as melhores práticas
econômicas internacionais.
Esse aval "técnico" é fundamental para vender a idéia de
que as demandas do "nosso"
grupo representam os verdadeiros interesses nacionais.
Qualquer demanda de fora é
"impatriótica" (vide "Federalismo Desigual: Políticas Cafeeiras e Equilíbrio Espacial
Paretiano", do professor
Olímpio Galvão, da Universidade Federal de Pernambuco).
Cometidos os desvios iniciais, trata-se de adiar o máximo possível a redução das vulnerabilidades da economia,
por meio da criação de expectativas sucessivas ("espetáculo
do crescimento" etc. etc. etc.).
Depois, com a vulnerabilidade
instalada, perpetua-se o modelo.
Por exemplo, em 1994, Edmar Bacha comemorava a
possibilidade de um déficit em
conta corrente de US$ 80 bilhões, porque presumivelmente seria preenchido por poupança externa transformada
em investimento. Neste ano,
produziu um artigo "reconhecendo" que os dólares vieram,
mas os investimentos não
aconteceram.
Na primeira etapa, o modelo
foi mantido por uma falsa solução. Na segunda, por um
problema real gerado pela falsa solução. Não se pense em
Bacha conspirando de madrugada contra o país. O processo
é mais sutil, decorrência de decisões sucessivas de curto prazo, nas quais se contemplam
os interesses imediatos do grupo, sem se atinar para o futuro
para o país.
Em ambos os períodos violaram-se princípios básicos de
mercado -seja criando uma
oferta artificial de café ou,
agora, de dólar- e princípios
básicos de gestão financeira
-permitindo um endividamento público irresponsável.
Tudo em nome da arte, da
ciência e do interesse nacional.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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