São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Paciência e coragem

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ultimamente, tenho pensando mais do que de costume nos leitores que me escrevem. Ainda estou respondendo aos poucos à torrente de mensagens recebidas por causa do artigo sobre o "companheiro Bush" e da "carta aos leitores", da semana retrasada. O da quinta-feira passada, que foi sobre a minha antiga obsessão -o câmbio-, não despertou tanto interesse, mas recebi um e-mail que me deixou pensativo. É um leitor que me escreve com freqüência e diz notar "tristeza" e "desânimo" nas colunas recentes. Incentivou-me a continuar o "bom combate" como "contraponto dos porta-vozes do mercado financeiro". E arrematou (ele sempre fala isso): "O seu lugar é no Banco Central ou no Ministério da Fazenda!".
Nas atuais circunstâncias, uma pessoa como eu dificilmente conseguiria respirar nessas repartições federais. Se por acaso aparecesse por lá, com a intenção de ficar, seria certamente "caçado a pauladas, feito uma ratazana prenhe", como diria Nelson Rodrigues. Mas o importante é a observação sobre desânimo.
Há motivos para tristeza e desânimo? Provavelmente. Qual era o quadro no Brasil antes da posse de Lula? A opinião pública e as forças políticas estavam divididas em dois grandes blocos. O primeiro, hegemônico durante a década de 1990, com Collor e FHC, aderiu à agenda liberal e "globalizante". As suas palavras de ordem eram "mercado", "abertura" e "privatização". Desse bloco, faziam parte elementos bastante variados: interesses estrangeiros que operam no Brasil, instituições financeiras e outras grandes empresas nacionais, grupos de mídia, economistas e tecnocratas a serviço desses interesses, a classe média deslumbrada com os padrões de consumo importados etc.
No caso brasileiro, contudo, essa agenda liberal e "globalizante" nunca reinou inconteste -diferentemente do que aconteceu, por exemplo, na Argentina de Menem. A esse primeiro bloco, se contrapôs um segundo, que sempre teve influência e conseguia conter, em certa medida, os arroubos do primeiro. Esse segundo bloco era ainda mais heterogêneo e contraditório: incluía sindicatos de trabalhadores, empresários industriais e comerciais, funcionários públicos, aposentados e pensionistas, trabalhadores sem terra, estudantes, militares, intelectuais de diversas procedências ideológicas etc. Os governantes de hoje, em sua imensa maioria, participavam ativa e espalhafatosamente do segundo bloco, como se recorda.
Com os insucessos acumulados pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a oposição foi aumentando e ganhando poder, o que culminou na eleição de Lula e no fato inusitado de nenhum dos candidatos à Presidência, nem mesmo o oficial, ter tido a coragem de defender claramente o legado de FHC.
Depois da eleição, a reviravolta. O governo Lula resolveu apoiar-se, em grande parte, nas forças que compunham o bloco derrotado nas eleições. "O Brasil não é para principiantes", advertia Tom Jobim. Mas mesmo brasileiros escolados ficaram surpresos com a extensão da reviravolta. Para conquistar apoio do "mercado" e das forças financeiras, o PT foi muito longe, chegando a agredir frontalmente os interesses de setores tradicionais da sua base de apoio -os funcionários públicos, para dar apenas um exemplo entre muitos.
O resultado foi uma desorientação geral. Os políticos do bloco liberal-globalizante sentiram-se subitamente "desapropriados" em matéria de política econômica. O pior para eles é que o ministro Palocci, que tem um quê de Chancey Gardner (aquele personagem genial do Peter Sellers), ostenta entre as suas qualidades uma que é fundamental: a sorte. Seguindo praticamente as mesmas políticas, consegue resultados melhores do que o ex-ministro Malan, graças a um contexto internacional (por enquanto) mais favorável e ao efeito defasado das mudanças cambiais do período 1999-2002.
Tudo isso, entretanto, é apenas parte da verdade. Sabemos que o poder seduz e corrompe. Muitos chegam a Brasília com as melhores intenções e voltam transmogrificados.
Mas nem todos, nem todos! Em várias áreas do governo, existem pessoas preparadas, combativas, dedicadas ao interesse nacional e que não entregaram os pontos. Por exemplo (a lista não pretende ser exaustiva): no BNDES, no Itamaraty, no Ministério de Minas e Energia, no Ministério do Planejamento e mesmo na Fazenda e no Banco Central, ainda que, nesses dois últimos casos, nunca em posição de grande influência.
Valho-me desta coluna para enviar a todas essas pessoas o meu abraço imaterial. Não vamos nos esquecer de que outros povos passaram, de cabeça erguida, por situações muito piores. Não há, "tout compte fait", motivo para desânimo ou tristeza.
Gosto muito de citar a peroração de um dos últimos discursos de Churchill na Câmara dos Comuns. É preciso combinar paciência e coragem, disse ele (Lula costuma lembrar só da primeira). O tempo virá em que poderemos deixar definitivamente para trás "a época hedionda em que temos de viver".
"Meanwhile", concluiu, "never flinch, never weary, never despair" (enquanto isso, nunca se acovardem, nunca desanimem, nunca desesperem).


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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