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OPINIÃO ECONÔMICA
Paciência e coragem
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Ultimamente, tenho pensando mais do que de costume nos leitores que me escrevem.
Ainda estou respondendo aos
poucos à torrente de mensagens
recebidas por causa do artigo sobre o "companheiro Bush" e da
"carta aos leitores", da semana
retrasada. O da quinta-feira passada, que foi sobre a minha antiga obsessão -o câmbio-, não
despertou tanto interesse, mas recebi um e-mail que me deixou
pensativo. É um leitor que me escreve com freqüência e diz notar
"tristeza" e "desânimo" nas colunas recentes. Incentivou-me a
continuar o "bom combate" como "contraponto dos porta-vozes
do mercado financeiro". E arrematou (ele sempre fala isso): "O
seu lugar é no Banco Central ou
no Ministério da Fazenda!".
Nas atuais circunstâncias, uma
pessoa como eu dificilmente conseguiria respirar nessas repartições federais. Se por acaso aparecesse por lá, com a intenção de ficar, seria certamente "caçado a
pauladas, feito uma ratazana
prenhe", como diria Nelson Rodrigues. Mas o importante é a observação sobre desânimo.
Há motivos para tristeza e desânimo? Provavelmente. Qual era o
quadro no Brasil antes da posse
de Lula? A opinião pública e as
forças políticas estavam divididas
em dois grandes blocos. O primeiro, hegemônico durante a década
de 1990, com Collor e FHC, aderiu
à agenda liberal e "globalizante".
As suas palavras de ordem eram
"mercado", "abertura" e "privatização". Desse bloco, faziam parte
elementos bastante variados: interesses estrangeiros que operam
no Brasil, instituições financeiras
e outras grandes empresas nacionais, grupos de mídia, economistas e tecnocratas a serviço desses
interesses, a classe média deslumbrada com os padrões de consumo importados etc.
No caso brasileiro, contudo, essa agenda liberal e "globalizante"
nunca reinou inconteste -diferentemente do que aconteceu, por
exemplo, na Argentina de Menem. A esse primeiro bloco, se
contrapôs um segundo, que sempre teve influência e conseguia
conter, em certa medida, os arroubos do primeiro. Esse segundo
bloco era ainda mais heterogêneo
e contraditório: incluía sindicatos
de trabalhadores, empresários industriais e comerciais, funcionários públicos, aposentados e pensionistas, trabalhadores sem terra, estudantes, militares, intelectuais de diversas procedências
ideológicas etc. Os governantes de
hoje, em sua imensa maioria,
participavam ativa e espalhafatosamente do segundo bloco, como
se recorda.
Com os insucessos acumulados
pelo governo Fernando Henrique
Cardoso, a oposição foi aumentando e ganhando poder, o que
culminou na eleição de Lula e no
fato inusitado de nenhum dos
candidatos à Presidência, nem
mesmo o oficial, ter tido a coragem de defender claramente o legado de FHC.
Depois da eleição, a reviravolta.
O governo Lula resolveu apoiar-se, em grande parte, nas forças
que compunham o bloco derrotado nas eleições. "O Brasil não é
para principiantes", advertia
Tom Jobim. Mas mesmo brasileiros escolados ficaram surpresos
com a extensão da reviravolta.
Para conquistar apoio do "mercado" e das forças financeiras, o
PT foi muito longe, chegando a
agredir frontalmente os interesses
de setores tradicionais da sua base de apoio -os funcionários públicos, para dar apenas um exemplo entre muitos.
O resultado foi uma desorientação geral. Os políticos do bloco liberal-globalizante sentiram-se
subitamente "desapropriados"
em matéria de política econômica. O pior para eles é que o ministro Palocci, que tem um quê de
Chancey Gardner (aquele personagem genial do Peter Sellers), ostenta entre as suas qualidades
uma que é fundamental: a sorte.
Seguindo praticamente as mesmas políticas, consegue resultados melhores do que o ex-ministro Malan, graças a um contexto
internacional (por enquanto)
mais favorável e ao efeito defasado das mudanças cambiais do período 1999-2002.
Tudo isso, entretanto, é apenas
parte da verdade. Sabemos que o
poder seduz e corrompe. Muitos
chegam a Brasília com as melhores intenções e voltam transmogrificados.
Mas nem todos, nem todos! Em
várias áreas do governo, existem
pessoas preparadas, combativas,
dedicadas ao interesse nacional e
que não entregaram os pontos.
Por exemplo (a lista não pretende
ser exaustiva): no BNDES, no Itamaraty, no Ministério de Minas e
Energia, no Ministério do Planejamento e mesmo na Fazenda e
no Banco Central, ainda que, nesses dois últimos casos, nunca em
posição de grande influência.
Valho-me desta coluna para
enviar a todas essas pessoas o
meu abraço imaterial. Não vamos nos esquecer de que outros
povos passaram, de cabeça erguida, por situações muito piores.
Não há, "tout compte fait", motivo para desânimo ou tristeza.
Gosto muito de citar a peroração de um dos últimos discursos
de Churchill na Câmara dos Comuns. É preciso combinar paciência e coragem, disse ele (Lula costuma lembrar só da primeira). O
tempo virá em que poderemos
deixar definitivamente para trás
"a época hedionda em que temos
de viver".
"Meanwhile", concluiu, "never
flinch, never weary, never despair" (enquanto isso, nunca se
acovardem, nunca desanimem,
nunca desesperem).
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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