São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2006

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ARTIGO

Investimento tímido trava recuperação do leste asiático

Região volta a crescer após crise de 1997, mas temores de risco e ortodoxia fiscal severa impedem países de criarem condições para retomada mais forte

GUY DE JONQUIERES
DO "FINANCIAL TIMES"

BEM ANTES do 10º aniversário da crise econômica do leste asiático, as celebrações pelo restabelecimento da saúde na região estão progredindo a pleno vapor. Um novo estudo do Banco Mundial classifica o desempenho regional como "um renascimento". Os bancos de investimento declaram que, depois de terem sido eclipsados pela China durante uma década, os demais países em desenvolvimento asiáticos estão prontos a retomar seu lugar ao sol. E aí surge o suposto teste nuclear da Coréia do Norte para estragar a festa. Mas, mesmo sem o lembrete oferecido por Pyongyang quanto à vulnerabilidade da região aos riscos geopolíticos, certa dose de ceticismo viria a calhar. É sábio manter a prudência quando aqueles que foram apanhados cochilando no passado respondem pelos anúncios de que tudo voltou a estar bem. Pouco antes de a crise de 1997 irromper, um estudo do Banco Mundial elogiava o "milagre" econômico do leste asiático (ainda que, em nome da justiça, seja preciso apontar que o mais recente estudo identifica certos problemas e desafios). Os executivos de investimento internacionais mantiveram a fé na região até que fosse tarde demais.

Forma melhor
Por isso, será que o otimismo atual tem melhores fundamentos? À primeira vista, a recuperação da região parece impressionante. O crescimento anual médio de 7% desde 2000 restaurou as rendas nominais pelo menos aos níveis anteriores à crise, em termos de dólares. O investimento interno na região cresceu. Os sistemas bancários devastados foram reconstruídos, os balanços, saneados, e a capacidade excedente, reduzida, enquanto imensas reservas cambiais substituíram a ruinosa dependência de créditos de curto prazo obtidos no mercado internacional. Em termos financeiros, o leste asiático está em forma muito melhor do que há dez anos. As grandes questões giram em torno do crescimento. Se excluirmos a China, o quadro parece menos róseo. O Banco de Desenvolvimento Asiático estima que os demais países em desenvolvimento da região cresceram em média 4,9% ao ano entre 2000 e 2006, ante a média de 7,4% para o período 1990/6. Indonésia, Filipinas e Taiwan, no passado vibrantes tigres econômicos, não conseguiram sequer manter essa média. Evidentemente, parte do crescimento tórrido no período imediatamente anterior à crise representava apenas superaquecimento. Mas, dado o entusiasmo excessivo quanto à "ascensão asiática", o desempenho recente continua a parecer quase anêmico. A questão relevante não é determinar como o leste asiático conseguiu se recuperar, mas sim por que não conseguiu apresentar desempenho melhor.

Investimento
O principal fator negativo é o investimento insuficiente em quase todos os países -excetuada a China, cujo problema é o oposto. Jonathan Anderson, da UBS, afirma que, mesmo que incluamos China e Índia, a participação do investimento no PIB (Produto Interno Bruto) asiático está em seu mais baixo patamar dos últimos 40 anos, com as elevações limitadas a atividades relacionadas à exportação. O investimento doméstico, acima de tudo no setor de construção civil, continua deprimido. Isso, somado às taxas de câmbio artificialmente baixas, significa que a região continua a investir larga proporção de sua vultosa poupança no exterior. O argumento de que a região está eliminado o excesso de investimento do passado já não parece tão convincente. Na verdade, a necessidade de dispêndios internos em larga escala jamais foi mais urgente. O Banco de Desenvolvimento Asiático calcula que o desenvolvimento do continente requeria US$ 3 trilhões em investimento no setor de infra-estrutura básica nos próximos dez anos, para manter o crescimento. No entanto, excetuada a China, poucos países estão realizando os esforços necessários. Para uma região muitas vezes elogiada como propulsor de crescimento mundial, a maior parte da Ásia parece curiosamente relutante em apostar em si mesma.

Lições erradas
Uma razão importante é o fato de que os governos extraíram as lições erradas da crise. Memórias amargas de abandono pelas instituição internacionais ou de tratamento prepotente pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) criaram uma desesperada determinação quanto a evitar destino semelhante, no futuro. O resultado são políticas avessas a riscos e uma ortodoxia fiscal ainda mais severa do que aquela que o FMI hoje defende. O medo de que déficits orçamentários crescentes venham a ser punidos imediatamente pelos mercados é causa de limitação no investimento em infra-estrutura. Mas essas ansiedades parecem errôneas. Os mercados estão menos preocupados com o risco de uma alta no nível de captação governamental do que com a falta de confiança de que o dinheiro será gasto de maneira produtiva. O entusiasmo inicial por esquemas que envolveriam capital privado desapareceu, devido ao fracasso de alguns projetos. A incapacidade de desenvolver estruturas regulatórias sólidas ou mercados locais de títulos com profundidade suficiente para atenuar o risco de longo prazo servem para conter o interesse dos investidores. Na Indonésia e em outros países, a ação dos governos está paralisada por burocracias rígidas e obstrutivas. Além disso, como argumenta vigorosamente o mais recente relatório do Banco Mundial, a corrupção continua fora de controle em toda a região.

Instituições robustas
Muitas dessas deficiências levarão anos para serem corrigidas e exigirão instituições robustas, com raízes sólidas na cultura política. Mas os esforços asiáticos continuam a ser hesitantes e ocasionais. Não só o ritmo de reformas para abertura de mercados se reduziu, à medida que as lembranças da crise se dissipam, como em muitos países as reformas cujo objetivo seria melhorar a governança e a eficiência do setor público ainda nem começaram. Até que o façam, as economias da região continuarão a apresentar desempenho inferior ao seu potencial. Manter a inércia não é receita para nova crise ao estilo de 1997, mas representa, sim, uma oportunidade perdida. A recuperação do leste asiático foi beneficiada pelo ambiente internacional incomumente benigno que então prevalecia. A economia mundial sobreviveu a diversos revezes, graças às políticas expansionistas dos Estados Unidos e à abundante liquidez mundial. Eram condições quase ideais para a promoção de reformas difíceis. O momento, porém, não foi aproveitado como devia.

Tempos difíceis
Uma desaceleração na economia norte-americana causada pela queda do mercado de habitação poderia sinalizar tempos difíceis à frente. A despeito da rápida expansão do comércio na região, o leste asiático continua a depender pesadamente dos mercados finais de exportação no Ocidente, para manter suas fábricas em operação e seus lucros em alta. Até que a região crie fundações mais firmes e amplas para seu crescimento, falar de um renascimento econômico ou de tigres enfim libertados da jaula e prontos a rugir outra vez soa prematuro.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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