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OPINIÃO ECONÔMICA
Gás de marca e o interesse do consumidor
GESNER OLIVEIRA
As aparências enganam
em defesa da concorrência.
O conhecido gás de cozinha, ou
gás liquefeito de petróleo (GLP),
que pesa no índice de inflação do
consumidor, ganha as manchetes
quando o preço sobe no varejo,
mas o problema central reside na
origem da cadeia, dominada pela
Petrobras. Além disso, nem sempre se leva em conta como o respeito à marca atende ao interesse
do consumidor.
A cadeia produtiva do GLP pode ser dividida em duas etapas. A
primeira, que envolve desde o refino do petróleo e produção do
gás até sua chegada a terminais
de distribuição, é na prática controlada pela Petrobras. A importação constituiria a única possibilidade de contestação desse mercado; contudo, por já poder contar com uma estrutura de terminais e dutos de distribuição (que
seria muito custosa para um potencial concorrente iniciante no
mercado), a Petrobras também
mantém um quase monopólio da
importação.
Já a segunda etapa, que abrange o envasamento do GLP em botijões (ou grande tanques para
consumidores de alta escala) e a
venda ao consumidor final, apresenta um grau de concentração
menor, havendo 21 distribuidoras
no mercado. O Índice de Herfindahl e Hirschman (HHI), que leva o nome dos economistas que o
desenvolveram e mede a concentração do mercado, registrou
1.515 para a distribuição de GLP
dentro de uma escala de zero
(mercado concorrencial) a 10 mil
(monopólio), inferior à média da
indústria e ao nível que os órgãos
de defesa da concorrência consideram elevado.
Duas falhas de mercado explicam por que a marca é tão importante para o consumidor na distribuição do GLP. Os nomes são
pomposos, mas os conceitos são
muito simples.
A primeira falha é a da informação assimétrica. Sua origem se
deve ao fato de que, no momento
da compra, o consumidor não
tem condições de saber a qualidade e segurança de um botijão de
gás. Diz-se, no jargão do economês, que esse produto tem atributos de experiência e credibilidade,
e não de procura. Isso significa
que a qualidade do botijão só pode ser averiguada após o momento de sua compra, e mesmo assim
um real conhecimento da qualidade do produto é de difícil apuração, mesmo após seu consumo.
A externalidade negativa constitui a segunda falha do mercado.
Decorre do fato de que o benefício
social das medidas de segurança é
menor que seu benefício privado.
Em princípio, uma distribuidora
individual não tem como assegurar o reconhecimento pelos seus
esforços com a segurança no envasamento e distribuição do gás.
Assim, se a regulação não for adequada, haverá propensão ao subinvestimento em segurança com
efeitos nefastos para o consumidor e para o público em geral. Situações dessa natureza caracterizam o chamado "problema da carona" -"free riding" em inglês.
Essas duas falhas de mercado
levam a uma tendência à integração vertical nesse segmento na
tentativa de criar externalidades
positivas de reputação, procurando repassar a imagem de qualidade de uma distribuidora para
os seus postos de revendas.
A importância da marca reside
nessa questão reputacional. A
partir dela, o consumidor tem como saber se o botijão que ele compra foi envasado por uma companhia cuja qualidade de produção
tem uma reputação boa ou ruim,
diminuindo a assimetria de informação no mercado. Além disso, a
defesa da marca permite premiar
as distribuidoras que investem
em qualidade, incentivando investimentos em segurança.
Não há milagre na formação de
preços do gás de cozinha ou de
qualquer outro produto. Ao consumidor interessa a maior concorrência na origem da cadeia
produtiva e o respeito à marca na
ponta final do consumo.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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