São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Gás de marca e o interesse do consumidor

GESNER OLIVEIRA

As aparências enganam em defesa da concorrência. O conhecido gás de cozinha, ou gás liquefeito de petróleo (GLP), que pesa no índice de inflação do consumidor, ganha as manchetes quando o preço sobe no varejo, mas o problema central reside na origem da cadeia, dominada pela Petrobras. Além disso, nem sempre se leva em conta como o respeito à marca atende ao interesse do consumidor.
A cadeia produtiva do GLP pode ser dividida em duas etapas. A primeira, que envolve desde o refino do petróleo e produção do gás até sua chegada a terminais de distribuição, é na prática controlada pela Petrobras. A importação constituiria a única possibilidade de contestação desse mercado; contudo, por já poder contar com uma estrutura de terminais e dutos de distribuição (que seria muito custosa para um potencial concorrente iniciante no mercado), a Petrobras também mantém um quase monopólio da importação.
Já a segunda etapa, que abrange o envasamento do GLP em botijões (ou grande tanques para consumidores de alta escala) e a venda ao consumidor final, apresenta um grau de concentração menor, havendo 21 distribuidoras no mercado. O Índice de Herfindahl e Hirschman (HHI), que leva o nome dos economistas que o desenvolveram e mede a concentração do mercado, registrou 1.515 para a distribuição de GLP dentro de uma escala de zero (mercado concorrencial) a 10 mil (monopólio), inferior à média da indústria e ao nível que os órgãos de defesa da concorrência consideram elevado.
Duas falhas de mercado explicam por que a marca é tão importante para o consumidor na distribuição do GLP. Os nomes são pomposos, mas os conceitos são muito simples.
A primeira falha é a da informação assimétrica. Sua origem se deve ao fato de que, no momento da compra, o consumidor não tem condições de saber a qualidade e segurança de um botijão de gás. Diz-se, no jargão do economês, que esse produto tem atributos de experiência e credibilidade, e não de procura. Isso significa que a qualidade do botijão só pode ser averiguada após o momento de sua compra, e mesmo assim um real conhecimento da qualidade do produto é de difícil apuração, mesmo após seu consumo.
A externalidade negativa constitui a segunda falha do mercado. Decorre do fato de que o benefício social das medidas de segurança é menor que seu benefício privado. Em princípio, uma distribuidora individual não tem como assegurar o reconhecimento pelos seus esforços com a segurança no envasamento e distribuição do gás. Assim, se a regulação não for adequada, haverá propensão ao subinvestimento em segurança com efeitos nefastos para o consumidor e para o público em geral. Situações dessa natureza caracterizam o chamado "problema da carona" -"free riding" em inglês.
Essas duas falhas de mercado levam a uma tendência à integração vertical nesse segmento na tentativa de criar externalidades positivas de reputação, procurando repassar a imagem de qualidade de uma distribuidora para os seus postos de revendas.
A importância da marca reside nessa questão reputacional. A partir dela, o consumidor tem como saber se o botijão que ele compra foi envasado por uma companhia cuja qualidade de produção tem uma reputação boa ou ruim, diminuindo a assimetria de informação no mercado. Além disso, a defesa da marca permite premiar as distribuidoras que investem em qualidade, incentivando investimentos em segurança.
Não há milagre na formação de preços do gás de cozinha ou de qualquer outro produto. Ao consumidor interessa a maior concorrência na origem da cadeia produtiva e o respeito à marca na ponta final do consumo.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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