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OPINIÃO ECONÔMICA
Rosnadas e mordidas
BENJAMIN STEINBRUCH
Os países da Europa, vencedores e vencidos, saíram da
Segunda Guerra Mundial, como
se sabe, destroçados. Apesar do
fim do conflito, permaneciam rivalidades históricas que atrapalhavam os planos de reconstrução, principalmente entre os dois
maiores inimigos de então, a
França e a Alemanha.
Nesse contexto, em 1950, o ministro dos Assuntos Externos da
França, Robert Schuman, teve a
idéia de criar uma autoridade comum para regular as indústrias
de carvão e de aço nos dois países.
Schuman imaginou que se essas
indústrias, que teriam grande importância na reconstrução, trabalhassem integradas, poderiam
ajudar a acabar com as velhas rivalidades entre as duas nações,
substituindo-as por uma união
de interesses econômicos.
A idéia prosperou rapidamente,
a ponto de atrair também mais
quatro países: Holanda, Luxemburgo, Bélgica e Itália. Assim, em
18 de abril de 1951, esses seis países
assinaram o Tratado de Paris,
que criou a Ceca (Comunidade
Econômica do Carvão e do Aço).
Foi um momento único porque,
pela primeira vez, países historicamente envolvidos em guerras
sangrentas aceitavam a idéia de
transferir direitos nacionais de
soberania a um órgão situado
além de suas fronteiras.
A criação da Ceca acabou sendo o embrião da União Européia.
Aos poucos, o modelo foi se estendendo para outros setores -em
1957, criou-se a Comunidade Européia da Energia Atômica e a
Comunidade Econômica Européia-, o que levou à construção
da UE, com toda a sua complexidade atual, 15 países-membros e
moeda única.
É chocante, à luz da história de
sucesso da UE, observar o que se
passa no Mercosul, onde rivalidades banais, perto das européias do
passado, atrapalham a integração da América do Sul. O balanço
dos dez anos de Mercosul, comemorados na semana passada,
mostra resultados frustrantes.
Quando o acordo se iniciou, em
1994, cerca de 14% das exportações brasileiras eram dirigidas
para os quatro países do bloco.
Hoje, essa proporção caiu para
9%. A mesma tendência se deu
nas importações, que caíram de
14% do total para 10%.
Para a Argentina, esses dez
anos de Mercosul foram também
uma experiência frustrante. Apesar de seguidos superávits comerciais com o Brasil, o país vizinho
não conseguiu aumentar suas exportações de manufaturados nem
desenvolveu seu parque industrial. Ressalve-se que a origem da
desindustrialização da Argentina
passa longe do Mercosul e diz respeito a políticas econômicas neoliberais equivocadas, adotadas
pelo governo daquele país na década passada, como a abertura
indiscriminada do mercado interno e a livre conversibilidade do
peso.
Na semana passada, o chanceler argentino, Rafael Bielsa, disse
que seu governo "mostrará os
dentes" nas negociações da nova
fase do Mercosul. Ele inclui, entre
as novas exigências, salvaguardas
que permitam à Argentina a adoção de cotas ou tarifas quando
considerar que exportações brasileiras possam prejudicar interesses da indústria argentina. Essas
salvaguardas não podem ser aceitas pelo governo brasileiro, porque ferem o espírito do livre comércio.
O presidente Néstor Kirchner
diz que os benefícios do Mercosul
"não podem ter uma só direção".
A afirmação é desmentida por estatísticas. A Argentina amealhou
um saldo comercial extraordinário em sua balança comercial
com o Brasil desde a assinatura
do tratado, em 1994. Em nove
anos, de 1995 a 2003, o superávit
acumulado atingiu US$ 10,3 bilhões. Neste ano, pela primeira
vez a Argentina tem déficit (US$
1,5 bilhão de janeiro a outubro),
mas o superávit dos dez anos ainda soma US$ 8,8 bilhões.
Rosnar, como ameaçou o chanceler argentino, certamente não é
a melhor atitude em matéria de
integração regional. Mordida por
parte do Brasil também não levará a nada -aliás, a diplomacia
brasileira tem mostrado atitude
compreensiva, correta, em relação às travessuras argentinas.
A atual crise de relacionamento
indica que é preciso relançar o
Mercosul em bases mais sólidas,
talvez começar tudo de novo e fazer como os europeus em 1951: esquecer rivalidades, unir os países
em torno de um objetivo comum
importante para todos e, aos poucos, construir uma comunidade
em que os interesses econômicos
possam levar a uma integração
de verdade.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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