São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Devagar e sempre e devagar

Novo aumento do mínimo é só um sintoma caricato da síndrome de estagnação que paralisa o país faz 25 anos

FAZ 25 ANOS que o Brasil é um país travado. Assim continuará até que uma crise cataclísmica resolva impasses políticos que adiam, sine die, a solução decisiva de conflitos sobre a redistribuição de fundos públicos (dinheiro de tributos) e a regulação do mercado. O dia de ontem foi mais uma caricatura desse impasse contínuo. Lula, parece, vai conceder mais um aumento real de salário mínimo, que será acompanhado de um desconto de impostos para as classe média e alta. Com o aumento dos servidores, que ainda terá impacto no ano que vem, mais o crescimento vegetativo das folhas de pagamento do funcionalismo e do INSS etc., o aumento de arrecadação de 2007 já está quase empatado no gasto novo.
Para não ocorrer o empate, seria necessário cortar (ou conter o gasto, em proporção do PIB) em outras áreas: investimento, educação, custeio ("choque de gestão"). Mas Lula 2 não aumentaria o investimento público? Não vai aumentar o dinheiro para a educação básica (embora já queiram empurrar o aumento do Fundeb, o dinheiro da escola dos meninos pobres, para 2008)?
A conta de Lula 2 pode ser fechada se o superávit primário cair. Mas então a dívida pública cairia mais devagar; a taxa de juro básica e a conta de juros pagos sobre a dívida cairiam mais devagar também. Como o impacto da prevista redução de impostos sobre investimentos privados será marginal, se não for apenas embolsada, e como o investimento público não crescerá muito (0,3% do PIB, com muita sorte), nenhum indicador decisivo para o progresso da economia será alterado. Ficaremos no devagar e sempre.
O que isso tem a ver com o país travado faz um quarto de século? O empate a respeito de gasto público, impostos e regras para o mercado trava acumulação e investimentos na economia. Os atores político-sociais relevantes levam seu naco de fundos públicos, o poder político central não administra perdas, as contas não fecham. O gasto estoura?
Faz-se inflação. Chega de inflação?
Faz-se dívida pública. Chega de dívida pública? Aumentem os impostos.
É a história fiscal do Brasil do final da ditadura a Lula, passando por Sarney, Itamar e FHC. Como a arrecadação de impostos agora cresce mais devagar, o impasse começa a ficar mais evidente. Mas ainda é empurrado com a barriga; o conflito social morno não dá conta de resolvê-lo, para um lado ou outro.
Não há reforma na gestão da dívida pública, um entulho inflacionário caro, e a política monetária foi capturada pelo mercado. Miséria e desigualdade em tempos de voto livre induzem a liderança política ao distributivismo, que ora se esgota, pois elevar impostos tornou-se política e economicamente disfuncional.
Um conluio de imobilismo e esperteza empresarial com maluquices pré-capitalistas impede o mercado de funcionar direito. A regulação do mercado e do investimento, já em si uma droga, é atravancada pelo Judiciário pré-cambriano e por uma derrama de liminares, de esquerdistas doidivanas a empresas, que de resto aceitam passivamente a confusão regulatória.
Nesse contexto de impasse social, as mudanças ocorrem a conta-gotas. Arrastaremo-nos eternamente sobre o nosso pântano esplêndido.


vinit@uol.com.br

Texto Anterior: Mantega foi derrotado, dizem representantes de sindicalistas
Próximo Texto: Pacote limita reajuste a servidor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.