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OPINIÃO ECONÔMICA
O artigo de Natal
JOÃO SAYAD
²
Chegamos à semana do Natal.
A mensagem de Cristo é de renovação. Sempre podemos começar de novo. Sempre seremos
perdoados, até no último milésimo de segundo do último minuto antes do Apocalipse.
É muita coisa.
Assim, recomeço, nesta semana do Natal, pensando se fui injusto ou se me arrependo, junto
com tantos outros analistas, das
críticas dos últimos 52 artigos.
Talvez a administração pública, com tantas pressões de gastos, favores e nomeações, necessite mesmo de controle do déficit
público como quer o governo.
O dentista sabe que a alimentação moderna, com açúcar e
outras coisas, acaba produzindo
muitas cáries. Da mesma forma,
o ministro da Fazenda, coitado,
tem que batalhar todo dia, o dia
todo para evitar essa despesa, a
excessiva, aquela, pouco ética,
aquela outra, postergável, e assim por diante. Ossos do ofício.
Mesmo no Natal, entretanto,
não consigo me conformar com
o diagnóstico dos problemas
brasileiros.
O dentista sabe que a salvação
do mundo não depende de uma
boa escovação, do flúor ou do
fim das cáries.
O ministro da Fazenda precisa
perceber, apesar do dia-a-dia,
que gasto público não é pecado
nem o déficit, origem dos nossos
sofrimentos.
Neste assunto, sinto muito,
não consigo me renovar. Começo o novo ano litúrgico tão errado ou tão certo quanto no ano
passado. Preocupado com a falta de verbas para educação, bolsas de estudo, pesquisas, saúde,
infra-estrutura e com tanto dinheiro gasto com juros.
No câmbio, errei com muitos
colegas e muitas vezes. Não desvalorizamos em março de 95,
nem em setembro de 1997, nem
em outubro de 1998.
Em troca, ganhamos a garantia, forte, dupla e desnecessária
de que não corríamos nenhum
risco inflacionário.
Pagamos em termos de mais
dívida pública, mais juros, mais
cortes de despesas não-financeiras, mais recessão.
Será que valeu a pena? Será
que a desvalorização lenta, imperceptível e permanente é melhor alternativa do que a desvalorização abrupta? Será que estávamos errados?
É Natal, com um pouco de boa
vontade podemos aceitar -está
bom, havia muitos riscos, não
desvalorizar foi prudente.
Mas como tanta prudência na
área cambial combina com tanta imprudência em juros?
A prudência antiinflacionária
se transforma em aventura temerária que gera níveis inéditos
de desemprego, destruição de
empresas, redução de gastos imprescindíveis em outras atividades do governo e um ônus permanente e definitivo para o setor público -a dívida de US$
300 bilhões-, com juros e
amortizações que comprometerão por muitos anos dinheiro e
recursos de todos nós.
Deus me ajude, pois não consigo me renovar. Passo a noite de
Natal entre amigos e família, rezando, pois como está não pode
ficar. Alguém tem que pensar de
novo. É a vez do governo.
²
João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP
e ex-ministro do Planejamento (governo José
Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net
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