São Paulo, segunda, 21 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Juros elevados atrofiam o setor produtivo, afirma economista

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

O segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso terá de mudar "o samba de uma nota só" da política econômica para que os reais problemas do país possam ser resolvidos.
A opinião é de Antônio Corrêa de Lacerda, 42, novo presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia), órgão que representa os 70 mil economistas do Brasil. Lacerda é professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e autor do livro "O Impacto da Globalização na Economia Brasileira".
Lacerda, que prevê uma queda de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) em 99, diz que governo e sociedade devem repensar um modelo de política econômica que, baseado excessivamente nos juros altos, tem provocado a desarticulação do Estado e a atrofia do setor produtivo.
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Quais as perspectivas da economia brasileira em 99?
Antônio Corrêa de Lacerda -
O PIB de 1999 vai cair 2% em relação ao deste ano, que será igual ao do ano passado.
Folha - Por quê?
Lacerda -
Por causa dos juros altos e do aumento de impostos. O desemprego cresceu em 1998 e está próximo de 8% da PEA (População Economicamente Ativa). Será superior a 10% da PEA no ano que vem. Se a estagnação econômica é um caos para o emprego, a recessão, então, é perversa. Cerca de 1,8 milhão de pessoas são incorporadas anualmente à PEA. O crescimento econômico anual do país teria de ser de 5% a 6% para que fossem criados pelo menos 1,8 milhão de empregos por ano.
Folha - Quando a economia brasileira terá condições de voltar a crescer e a gerar empregos?
Lacerda -
O país tem de compatibilizar a estabilização com o desenvolvimento. Não existe, a meu ver, essa dicotomia. A estabilização é um ganho para a sociedade, mas não pode ser um fim em si mesma. Deve-se criar políticas industrial, comercial, agrícola e de ciência e tecnologia com o objetivo de induzir o aumento da produtividade e das exportações.
Folha - Há como baixar significativamente os juros no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso?
Lacerda -
O segundo mandato do presidente Fernando Henrique terá de mudar o samba de uma nota só da política econômica.
Folha - Com a criação do Ministério do Desenvolvimento?
Lacerda -
O Ministério do Desenvolvimento não seria um contraponto à política econômica do ministro Pedro Malan. Seria um complemento.
Folha - Por quê?
Lacerda -
O presidente Fernando Henrique Cardoso deveria buscar um equilíbrio de forças entre os ministérios do Desenvolvimento e da Fazenda. O Brasil vive, do ponto de vista conjuntural, um momento econômico delicado. Mas a crise apresenta oportunidades. O Brasil se destaca, entre os países emergentes, como um foco de crescimento imediato.
Folha - Qual seria o papel do Ministério do Desenvolvimento?
Lacerda -
Cuidar das políticas de desenvolvimento. A maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento bem-sucedidos tem usado a política industrial para promover as exportações e para proteger, com inteligência, a produção local.
Folha - Por que a onda de pessimismo, exemplificada pelas baixas nas Bolsas e pela fuga de dólares, não vai embora, apesar do acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e do ajuste fiscal?
Lacerda -
Há uma grande contraposição entre os cenários de curto e de médio e longo prazos. O cenário de médio e longo prazo é bastante positivo. Uma prova disso são os investimentos diretos estrangeiros no país, que devem alcançar US$ 24 bilhões neste ano. O curto prazo, no entanto, sofre muito a influência da instabilidade atual, que é, na minha opinião, um fenômeno passageiro.
Folha - Por quê?
Lacerda -
Porque os avanços mínimos que serão feitos na área fiscal permitirão que o país volte a crescer no ano 2000.
Folha - As metas do ajuste fiscal são viáveis?
Lacerda -
Não são, mas o que é importante é a trajetória de longo prazo. Mas, como bem definiu o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, toda carta de intenções com o FMI é uma hipocrisia necessária.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.