São Paulo, quinta, 22 de janeiro de 1998.



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José Simão e as elites brincalhonas

ALOYSIO BIONDI
Na mosca. Logo após a posse do governo FHC, o imbatível colunista-satírico José Simão detectou o finíssimo senso de humor da equipe econômica, "oops", da equipe da Mônica, capaz, segundo ele, de chamar a "fome" do trabalhador de "vácuo no estômago" do operário. Não deu outra.
O Brasil vive há quatro anos um clima delicioso, de governantes bem-humorados, "finérrrrrimos", empenhados em despejar toneladas de tintas cor-de-rosa sobre a opinião pública. Líderes empresariais, políticos, sindicalistas (!!), formadores de opinião adoraram esse Brasil Novo. Viraram elites brincalhonas, "gargalhativas", "tchu-tcho" bem. Piadistas. Só cidadãos mal-humorados, sem "fair-play", não entendem esse Brasil, e insistem em criticar os brincalhões e suas explicações para os problemas e rumos da economia.
Os bancos
O subministro da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, insiste: o Japão aprovou um pacote de reorganização do sistema financeiro de nada menos de US$ 230 bilhões, o equivalente a 5% do PIB japonês.
O Brasil, prossegue o raciocínio-brincadeira, socorreu bancos com o Proer gastando R$ 21 bilhões, ou o equivalente a "apenas" 2,5% do PIB. Além do mais, argumenta: o governo FHC agiu há muito tempo, evitando uma crise maior... Humorístico, realmente.
O Brasil gastou 2,5% do PIB com meia dúzia de bancos -ou de banqueiros, que entraram em crise por desmandos e fraudes durante anos. Além do mais -atenção, atenção, é preciso repetir- o governo, o contribuinte, ficou com a "parte podre" dos bancos quebrados, e os felizes "compradores" ganharam a parte lucrativa, graças ao dinheiro do Proer. Prejuízos dessa brincadeira, segundo o sorridente subministro: R$ 12,5 bilhões.
E, atenção, atenção: o pacote de reorganização do sistema financeiro japonês prevê o oposto: o governo ficará com ações dos bancos, isto é, se tornará "sócio" e participará dos lucros, quando houver recuperação. Para finalizar: não poderá ser socorrida a instituição bancária que "esteja à beira da falência" ("Gazeta Mercantil", 20 de janeiro de 1998, página B-16). Decididamente, os japoneses não são brincalhões. Povo desagradável!

Sem indústria
Por volta de outubro, mais uma tese otimista foi despejada sobre o país. Diante do "despencamento" das vendas de eletroeletrônicos e automóveis, as elites brincalhonas (Fiesp, Ipea, IBGE, Planalto) plantaram na imprensa a versão de que o país estava entrando em novo "ciclo de desenvolvimento". Agora, a indústria de bens de consumo recuava, mas os setores básicos ganhavam impulso e assumiam o papel de "locomotiva" da indústria.
Graças às privatizações, ou preparativos para ela, os setores de energia elétrica, telecomunicações e materiais de transportes disparariam. Esta coluna, mal-humorada, colocou a tese em dúvida. Agora, o IBGE divulga: em novembro, a indústria de bens de capital recuou 4,9%; a mecânica, 8,9%, e material de transportes, 15,5% (esse setor, na verdade, é representado basicamente pela indústria automobilística).
Os formadores de opinião apressadinhos é que, quando o setor estava crescendo, atribuíram o avanço à "modernização das ferrovias" privatizadas. Brincadeiras, brincadeiras...
Sem produção
Uma das maiores quedas na produção industrial de novembro ocorreu no setor de -pasme- telecomunicações e energia elétrica. Ora, como isso é possível, se a Telebrás, a favorita da equipe econômica, foi autorizada a investir nada menos de R$ 7 bilhões em 1997, o triplo dos investimentos da Petrobrás ou Eletrobrás? Simples.
Como esta coluna, mal-humoradamente, advertiu, as multinacionais do setor estão importando maciçamente peças e componentes (até 87% de importados, em alguns casos). O setor brasileiro de peças e componentes foi dizimado. Não pode haver novo "ciclo de desenvolvimento": trabalho, renda, impostos são criados.
Sem petróleo
Com a quebra do monopólio da Petrobrás, a política para o setor passa a ser conduzida pela Agência Nacional do Petróleo. Seu primeiro diretor-geral, David Zylberstajn, entre outras anedotas, repete que a Petrobrás "consumia" recursos do governo, e é preciso privatizar a área para sobrarem recursos para a educação e saúde, e larali laralá.
Sem piada: apenas da "conta álcool", o governo devia R$ 8 bilhões à Petrobrás. E há o subsídio à nafta, o preço baixo pago pelo barril produzido aqui e por aí afora. Anedota tem hora.
Ah, sim. José Simão que se cuide com tanta concorrência.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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