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José Simão e as elites brincalhonas
ALOYSIO BIONDI
Na mosca. Logo após a posse
do governo FHC, o imbatível
colunista-satírico José Simão
detectou o finíssimo senso de
humor da equipe econômica,
"oops", da equipe da Mônica,
capaz, segundo ele, de chamar
a "fome" do trabalhador de
"vácuo no estômago" do operário. Não deu outra.
O Brasil vive há quatro anos
um clima delicioso, de governantes bem-humorados, "finérrrrrimos", empenhados em
despejar toneladas de tintas
cor-de-rosa sobre a opinião pública. Líderes empresariais, políticos, sindicalistas (!!), formadores de opinião adoraram esse Brasil Novo. Viraram elites
brincalhonas, "gargalhativas",
"tchu-tcho" bem. Piadistas. Só
cidadãos mal-humorados, sem
"fair-play", não entendem esse
Brasil, e insistem em criticar os
brincalhões e suas explicações
para os problemas e rumos da
economia.
Os bancos
O subministro da Fazenda, José
Roberto Mendonça de Barros, insiste: o Japão aprovou um pacote
de reorganização do sistema financeiro de nada menos de US$
230 bilhões, o equivalente a 5%
do PIB japonês.
O Brasil, prossegue o raciocínio-brincadeira, socorreu bancos
com o Proer gastando R$ 21 bilhões, ou o equivalente a "apenas" 2,5% do PIB. Além do
mais, argumenta: o governo FHC
agiu há muito tempo, evitando
uma crise maior... Humorístico,
realmente.
O Brasil gastou 2,5% do PIB
com meia dúzia de bancos -ou
de banqueiros, que entraram em
crise por desmandos e fraudes
durante anos. Além do mais
-atenção, atenção, é preciso repetir- o governo, o contribuinte,
ficou com a "parte podre" dos
bancos quebrados, e os felizes
"compradores" ganharam a
parte lucrativa, graças ao dinheiro do Proer. Prejuízos dessa brincadeira, segundo o sorridente
subministro: R$ 12,5 bilhões.
E, atenção, atenção: o pacote de
reorganização do sistema financeiro japonês prevê o oposto: o
governo ficará com ações dos
bancos, isto é, se tornará "sócio" e participará dos lucros,
quando houver recuperação. Para finalizar: não poderá ser socorrida a instituição bancária
que "esteja à beira da falência"
("Gazeta Mercantil", 20 de janeiro de 1998, página B-16). Decididamente, os japoneses não são
brincalhões. Povo desagradável!
Sem indústria
Por volta de outubro, mais uma
tese otimista foi despejada sobre
o país. Diante do "despencamento" das vendas de eletroeletrônicos e automóveis, as elites brincalhonas (Fiesp, Ipea, IBGE, Planalto) plantaram na imprensa a
versão de que o país estava entrando em novo "ciclo de desenvolvimento". Agora, a indústria
de bens de consumo recuava,
mas os setores básicos ganhavam
impulso e assumiam o papel de
"locomotiva" da indústria.
Graças às privatizações, ou preparativos para ela, os setores de
energia elétrica, telecomunicações e materiais de transportes
disparariam. Esta coluna,
mal-humorada, colocou a tese
em dúvida. Agora, o IBGE divulga: em novembro, a indústria de
bens de capital recuou 4,9%; a
mecânica, 8,9%, e material de
transportes, 15,5% (esse setor, na
verdade, é representado basicamente pela indústria automobilística).
Os formadores de opinião
apressadinhos é que, quando o
setor estava crescendo, atribuíram o avanço à "modernização
das ferrovias" privatizadas.
Brincadeiras, brincadeiras...
Sem produção
Uma das maiores quedas na
produção industrial de novembro ocorreu no setor de -pasme- telecomunicações e energia
elétrica. Ora, como isso é possível, se a Telebrás, a favorita da
equipe econômica, foi autorizada
a investir nada menos de R$ 7
bilhões em 1997, o triplo dos investimentos da Petrobrás ou Eletrobrás? Simples.
Como esta coluna, mal-humoradamente, advertiu, as multinacionais do setor estão importando maciçamente peças e componentes (até 87% de importados,
em alguns casos). O setor brasileiro de peças e componentes foi
dizimado. Não pode haver novo
"ciclo de desenvolvimento": trabalho, renda, impostos são criados.
Sem petróleo
Com a quebra do monopólio da
Petrobrás, a política para o setor
passa a ser conduzida pela Agência Nacional do Petróleo. Seu
primeiro diretor-geral, David
Zylberstajn, entre outras anedotas, repete que a Petrobrás "consumia" recursos do governo, e é
preciso privatizar a área para sobrarem recursos para a educação
e saúde, e larali laralá.
Sem piada: apenas da "conta
álcool", o governo devia R$ 8
bilhões à Petrobrás. E há o subsídio à nafta, o preço baixo pago
pelo barril produzido aqui e por
aí afora. Anedota tem hora.
Ah, sim. José Simão que se cuide com tanta concorrência.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi
editor de Economia da Folha. É diretor-geral do
grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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