São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A Índia e a ortodoxia de galinheiro

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O presidente Lula fará nos próximos dias uma visita oficial à Índia. Não sei se o ministro Palocci estará na comitiva presidencial. Se estiver, talvez possa aproveitar a viagem para se informar sobre a curiosa experiência econômica daquele país.
O caso da Índia é um osso duro de roer, particularmente para a ortodoxia de galinheiro que passa por teoria econômica aqui no Brasil. Segundo essa "teoria", o ajustamento das contas públicas é um motor de crescimento econômico e um fator fundamental para o controle da inflação e a redução dos juros.
Vejamos. A Índia vem experimentando uma das mais altas taxas de crescimento do mundo desde os anos 90, tendo atravessado incólume a "crise asiática" de 1997-98. No período 1995-2002, o PIB indiano cresceu a uma taxa média de quase 6% ao ano em termos reais. No terceiro trimestre de 2003, o crescimento chegou a 8,4% em relação a igual período de 2002.
O déficit público na Índia também é dos mais altos do mundo. O déficit governamental consolidado tem sido da ordem de 10% do PIB, ano após ano, desde 1999.
À luz da ortodoxia de galinheiro, o que se deveria esperar dessa combinação de rápido crescimento da economia e grandes déficits fiscais? No mínimo, problemas graves de inflação, taxas de juro elevadas e vulnerabilidade externa.
Na Índia, nada disso aconteceu por enquanto. A inflação anual (preços ao consumidor) passou de 10,2% em 1995 para cerca de 4% em 2000-2002. Nos 12 meses até novembro do ano passado, o nível de preços ao consumidor aumentou 3,1%.
Apesar das volumosas necessidades de financiamento do setor público, as taxas de juro têm sido sempre moderadas e também apresentam tendência de queda nos anos recentes. A taxa de juro nominal da Letra do Tesouro de 91 dias diminuiu de aproximadamente 9% ao ano no período 1999-2001 para cerca de 6% em 2002-03. Atualmente, a taxa de juro de curto prazo é de apenas 4,2% em termos nominais e próxima de zero em termos reais.
Segundo algumas teses simplórias, os déficits público e externo são déficits "gêmeos". Será que os desequilíbrios fiscais fragilizaram as contas internacionais da Índia? Não há sinal disso. A Índia mantém há vários anos uma posição externa muito forte. E aí é que se pode encontrar, suspeito, boa parte da explicação para o desempenho econômico do país.
A força da posição externa da Índia reside no seguinte: a) taxa de câmbio depreciada e competitiva; b) balanço de pagamentos em conta corrente ajustado; c) controles seletivos sobre os movimentos de capitais; e d) reservas internacionais elevadas. A conta corrente do balanço de pagamentos apresentou déficits sempre inferiores a 1,5% do PIB no período 1997-2001 e tem sido superavitária desde 2002. As reservas internacionais alcançaram quase US$ 100 bilhões no final de 2003.
Agora em janeiro, a vice-diretora do FMI, Anne Krueger, esteve em Nova Déli para pronunciar a conferência de abertura de um seminário sobre a política fiscal na Índia. Repetiu a pregação habitual do FMI sobre a importância do ajustamento das contas públicas. A conferência foi colocada no site do Fundo, sob o título meio ridículo de "As Recompensas da Virtude". Um exemplo citado pela sra. Krueger foi o Brasil, que estaria "começando a colher os benefícios" da dura política fiscal adotada em 2003.
O Brasil! Belo exemplo de economia estagnada, cronicamente vulnerável e dependente, que vive sob a tutela do Fundo desde fins de 1998.
Os indianos não devem ter ficado muito impressionados.


Obs.: Os dados mencionados no artigo foram retirados das seguintes fontes: a) International Monetary Fund, "World Economic Outlook", setembro de 2003, www.imf.org; b) International Monetary Fund, "IMF Concludes Article IV Consultation with India", 21 de agosto de 2003, www.imf.org; e c) "The Economist", Emerging-market indicators, 17 de janeiro de 2004.

Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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