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OPINIÃO ECONÔMICA
A Índia e a ortodoxia de galinheiro
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O presidente Lula fará nos
próximos dias uma visita
oficial à Índia. Não sei se o ministro Palocci estará na comitiva
presidencial. Se estiver, talvez
possa aproveitar a viagem para se
informar sobre a curiosa experiência econômica daquele país.
O caso da Índia é um osso duro
de roer, particularmente para a
ortodoxia de galinheiro que passa
por teoria econômica aqui no
Brasil. Segundo essa "teoria", o
ajustamento das contas públicas
é um motor de crescimento econômico e um fator fundamental
para o controle da inflação e a redução dos juros.
Vejamos. A Índia vem experimentando uma das mais altas taxas de crescimento do mundo
desde os anos 90, tendo atravessado incólume a "crise asiática" de
1997-98. No período 1995-2002, o
PIB indiano cresceu a uma taxa
média de quase 6% ao ano em
termos reais. No terceiro trimestre
de 2003, o crescimento chegou a
8,4% em relação a igual período
de 2002.
O déficit público na Índia também é dos mais altos do mundo. O
déficit governamental consolidado tem sido da ordem de 10% do
PIB, ano após ano, desde 1999.
À luz da ortodoxia de galinheiro, o que se deveria esperar dessa
combinação de rápido crescimento da economia e grandes déficits
fiscais? No mínimo, problemas
graves de inflação, taxas de juro
elevadas e vulnerabilidade externa.
Na Índia, nada disso aconteceu
por enquanto. A inflação anual
(preços ao consumidor) passou de
10,2% em 1995 para cerca de 4%
em 2000-2002. Nos 12 meses até
novembro do ano passado, o nível
de preços ao consumidor aumentou 3,1%.
Apesar das volumosas necessidades de financiamento do setor
público, as taxas de juro têm sido
sempre moderadas e também
apresentam tendência de queda
nos anos recentes. A taxa de juro
nominal da Letra do Tesouro de
91 dias diminuiu de aproximadamente 9% ao ano no período
1999-2001 para cerca de 6% em
2002-03. Atualmente, a taxa de
juro de curto prazo é de apenas
4,2% em termos nominais e próxima de zero em termos reais.
Segundo algumas teses simplórias, os déficits público e externo
são déficits "gêmeos". Será que os
desequilíbrios fiscais fragilizaram
as contas internacionais da Índia? Não há sinal disso. A Índia
mantém há vários anos uma posição externa muito forte. E aí é
que se pode encontrar, suspeito,
boa parte da explicação para o
desempenho econômico do país.
A força da posição externa da
Índia reside no seguinte: a) taxa
de câmbio depreciada e competitiva; b) balanço de pagamentos
em conta corrente ajustado; c)
controles seletivos sobre os movimentos de capitais; e d) reservas
internacionais elevadas. A conta
corrente do balanço de pagamentos apresentou déficits sempre inferiores a 1,5% do PIB no período
1997-2001 e tem sido superavitária desde 2002. As reservas internacionais alcançaram quase US$
100 bilhões no final de 2003.
Agora em janeiro, a vice-diretora do FMI, Anne Krueger, esteve
em Nova Déli para pronunciar a
conferência de abertura de um seminário sobre a política fiscal na
Índia. Repetiu a pregação habitual do FMI sobre a importância
do ajustamento das contas públicas. A conferência foi colocada no
site do Fundo, sob o título meio ridículo de "As Recompensas da
Virtude". Um exemplo citado pela sra. Krueger foi o Brasil, que estaria "começando a colher os benefícios" da dura política fiscal
adotada em 2003.
O Brasil! Belo exemplo de economia estagnada, cronicamente
vulnerável e dependente, que vive
sob a tutela do Fundo desde fins
de 1998.
Os indianos não devem ter ficado muito impressionados.
Obs.: Os dados mencionados no artigo
foram retirados das seguintes fontes: a)
International Monetary Fund, "World
Economic Outlook", setembro de 2003,
www.imf.org; b) International Monetary Fund, "IMF Concludes Article IV Consultation with India", 21 de agosto de
2003, www.imf.org; e c) "The Economist", Emerging-market indicators, 17
de janeiro de 2004.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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