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ARTIGO
A nova realidade
ROGERIO P. DE ANDRADE
Os recentes movimentos na área
cambial deixam bem claro que as
autoridades econômicas abandonaram a meta de buscar a estabilização de preços (inflação zero) a
qualquer custo e mudaram suas
prioridades de forma a equilibrar o
balanço de pagamentos. Na verdade, alterações importantes nos
fundamentos da política econômica do real já haviam acontecido
por ocasião da crise russa. O contágio mostrava que um dos pilares
do real, a ampla disponibilidade de
capital externo para financiar o balanço de pagamentos com uma taxa de câmbio sobrevalorizada, havia se exaurido e que correções de
rumo faziam-se necessárias.
Se o país vivia no início de 1998
um problema de balanço de pagamentos, um ano depois a realidade
é de uma crise de balanço de pagamentos. Com a crise asiática, ataques especulativos contra o real levaram a uma queda das reservas,
que depois se recuperaram. Neste
início de 1999, os ataques especulativos impuseram, além da perda
súbita de reservas, o colapso do regime cambial até então vigente baseado em bandas móveis e pré-anunciadas.
A principal diferença do caso
brasileiro com os países que passaram por experiências semelhantes,
como o México, os asiáticos e a
Rússia, é que as autoridades monetárias desistiram de sustentar a
banda desejada bem antes da quase completa exaustão das reservas
que normalmente caracteriza situações clássicas de crise do balanço de pagamentos que culminam
com ataques especulativos. Ainda
por cima, se se leva em conta que o
empréstimo de emergência capitaneado pelo FMI e pelo BIS não foi
suficiente para inverter as expectativas e a fuga de capitais, tem-se na
devida conta a gravidade da crise.
Apesar de que até agora a reação
do mercado tenha sido favorável e
de que tudo parece indicar que a
taxa de câmbio de "equilíbrio" definida pelo mercado deva se situar
na faixa de 20% a 25% de desvalorização, a política que as autoridades monetárias anunciaram é uma
faca de dois gumes. Ao adotar uma
espécie de "wait and see policy", a
política do "esperar para ver", permitindo a livre flutuação cambial,
mas ao mesmo tempo advertindo
que intervirá ocasionalmente para
controlar movimentos desordenados, o governo introduz mais incerteza quanto à verdadeira política a ser seguida doravante. No limite, isso poderá gerar um ciclo
perverso, no qual se alternam crises e retomadas fugazes de confiança, com consequências imprevisíveis.
Além disso, como há elevada incerteza quanto aos desdobramentos futuros da mudança nas prioridades e na condução da política
econômica, isto é, como os mercados não possuem conhecimento
perfeito acerca de quanto o governo está disposto a queimar de suas
reservas para sustentar uma paridade ou uma banda que só ele conhece, poderão se ver encorajados
a disparar mais ataques especulativos e testar até onde o governo
aceita ir, na esperança de que, cedo
ou tarde, conheçam a verdadeira
intenção do Banco Central e vençam as apostas.
Com reservas limitadas e com
baixo grau de credibilidade, como
é o caso atual, a sustentabilidade
da banda secreta é incerta; as apostas continuarão até que os agentes
especuladores façam o governo explicitar o que pretende ou a credibilidade plena seja restaurada.
A alteração no regime cambial
baseado em bandas móveis para
um de livre flutuação significou,
na prática, o abandono de uma das
âncoras que sustentavam o plano
de estabilização. A política monetária apertada, a outra âncora usada de forma "ad hoc" toda vez que
uma crise maior se manifestava,
também terá que ser revista. A esperança de muitos é que a âncora
fiscal venha a substituir a âncora
cambial. Mas, dado o histórico desabonador acerca da confiabilidade de ajustes fiscais no país, é de
prever que as turbulências continuarão por um bom tempo. Mais
do que isso, novo círculo vicioso
estará criado se a maior carga do
ajuste recair sobre a política monetária, pois isso implica minar ao
longo do tempo os esforços fiscais
e pôr em xeque a nova orientação
de política.
A grande questão, portanto, não
são os possíveis impactos das desvalorizações cambiais sobre os
preços domésticos, que serão pequenos e plenamente absorvíveis
no longo prazo, por duas razões.
Primeiro, a retração da demanda
se encarregará de tornar mais lento o espraiamento desse choque de
oferta por meio do sistema econômico. Segundo, o baixo grau de indexação da economia impedirá
que uma vez gerada uma inflação
maior a mesma se reproduza inercialmente com o tempo.
O grande problema está em se o
governo possui competência e
graus de liberdade suficientes para
fazer uma transição organizada
com um mínimo de custo. Afinal,
não restam dúvidas de que no longo prazo os benefícios serão muito
maiores do que sustentar o nó
cambial e financeiro, ao permitir,
em tese, uma redução das taxas de
juros, a melhoria do déficit em
transações correntes e a recuperação das exportações, com evidentes impactos positivos sobre a demanda, a produção e o emprego.
A consistência da nova estratégia
de política econômica estará comprometida caso persista a política
de taxas de juro elevadas. As desvalorizações cambiais e a introdução encabulada de um regime
cambial de livre flutuação têm como objetivo tornar o câmbio mais
realista de agora em diante e, dessa forma, inverter o déficit em
transações correntes de 4,5% do
PIB por meio do maior estímulo às
exportações e desestímulo às importações. Mas o aspecto que passou despercebido é que taxas de
juro elevadas implicam valorização cambial. Isso cria uma inconsistência interna quanto aos objetivos a ser alcançados.
As autoridades econômicas defrontam-se, portanto, com um
"trade off" de que ainda não se deram conta. Se seguem a nova política que tem como meta o equilíbrio do balanço de pagamentos,
devem se conformar com uma inflação moderada, pois a taxa de juro terá que cair. Se mantiverem a
taxa de juro elevada durante muito tempo com o objetivo de controlar eventuais repercussões inflacionárias das desvalorizações
cambiais, sob o novo regime a taxa
de câmbio se valorizará de novo,
obrigando-as a retornar à política
anterior e fixar novamente as variações da taxa de câmbio em nova
banda. Nesse último caso, o governo terá que buscar a todo custo
restaurar a confiança do mercado,
sinalizando de forma convincente
que possui instrumentos e credibilidade para conter potenciais
ataques especulativos. Mas precisará também de um volume muito
mais elevado de reservas internas,
o que, na atual conjuntura, é irrealista supor. Portanto uma queda a
mais rápida possível das taxas de
juro se impõe como necessidade
lógica, face à realidade conjuntural e aos novos objetivos de política.
Rogerio P. de Andrade é doutor em economia
pela Universidade de Londres (University College).
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