São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Um Brasil diferente...

O ajuste das contas externas pode ser comparado ao 1º estágio de foguete que pode nos levar ao desenvolvimento

O BANCO Central nos informou nesta semana que um evento extraordinário ocorreu no ultimo mês de janeiro. Pela primeira vez, o Brasil tem reservas cambiais superiores à sua divida externa total. Em outras palavras, nossos compromissos em dólares, privados e públicos, são menores -o BC estima em US$ 4 bilhões- do que os ativos brasileiros no exterior. Embora essa situação estivesse prevista por quem acompanha as estatísticas quase dia a dia, a sua confirmação me causa um sentimento estranho. Como nossa economia mudou nesta última década!
Antes de fazer um juízo de valores sobre essa nova situação, quero deixar bem clara uma posição que defendo há algum tempo: a fragilidade externa de nossa economia foi a causa principal de nossos problemas econômicos que ocorreram a partir da segunda metade dos anos 70 do século passado. Por isso a informação divulgada pelo Banco Central, apesar de já esperada havia tempos, tem uma importância tão grande.
Ela marca o fim de uma época de crises constantes, crescimento medíocre e altamente instável, estagnação da renda da população e piora da distribuição de renda por conta da inflação elevada. Embora um grande número de economistas justifique o martírio dos últimos 30 anos a partir de várias outras distorções em nosso sistema econômico -pequena abertura para o exterior, riscos de natureza jurídica, sistema tributário irracional entre outros-, fica claro hoje que a fraqueza de nossa moeda era a mãe de todos os problemas que enfrentamos.
Não digo que, resolvida essa questão -e ela está hoje resolvida dentro de um horizonte de tempo longo-, os outros problemas que herdamos do passado desaparecerão. Mas afirmo, com convicção, que, sem resolver a questão externa, não havia mecanismos para enfrentar -e vencer- esses outros desafios.
Muitos vão certamente contra-argumentar -e tentar jogar água fria no meu entusiasmo- com afirmações como a de ser um absurdo um país como o Brasil ter uma posição credora externa. Nós precisaríamos de poupança vinda de fora para financiar nosso desenvolvimento. Essa afirmação poderia estar correta em um mundo econômico diferente do atual. Mas a experiência das últimas décadas mostra que os países em desenvolvimento que obtiveram maior sucesso em termos de crescimento foram, na maior parte dos casos, os que mantiveram a conta corrente em equilíbrio ou até superavitária.
O ajuste das contas externas é um presente, um efeito colateral do crescimento asiático, que elevou nossos termos de troca. Pode ser comparado ao primeiro estágio de um foguete que pode nos levar ao desenvolvimento. Mas esse primeiro estágio é apenas condição necessária, não suficiente, para que o Brasil consolide um novo patamar de desenvolvimento. Os próximos estágios não cairão do céu. O país precisará construí-los com firme ação do setor privado e do Estado, este como indutor do desenvolvimento.
Isso demanda investimento colossal em educação, saúde e infra-estrutura, áreas com escasso progresso no que depende da ação estatal. Implica que o governo deixe de ser um peso morto e busque aumentar sua produtividade. Implica reformas estruturais em diversas áreas.
A boa notícia é que temos algum tempo para construir essas condições. A má notícia é que não será o governo Lula, por absoluta inépcia, a fazer o que é preciso.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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