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Crise deve punir mais os salários elevados
Trabalhador com renda acima de R$ 4.650 terá menos emprego, diz Ipea
Setor industrial, que oferece melhores rendimentos, deverá sofrer mais com a desaceleração e ampliar corte de postos de trabalho
CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
Os trabalhadores com salários mais altos estarão entre os
que sofrerão mais os efeitos da
crise mundial no mercado de
trabalho, segundo prevê estudo
do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada).
A previsão para 2009 ocorre
sobretudo em razão de demissões feitas por grandes companhias do setor industrial, que
devem se intensificar. Na quinta-feira, a Embraer, por exemplo, anunciou o desligamento
de 4.200 funcionários.
O Ipea avalia que os empregados com rendimento acima
de dez salários mínimos (R$
4.650) são os que deverão ter
mais dificuldade em encontrar
e manter o emprego. É nessa
faixa salarial que devem se concentrar as demissões e a rotatividade de trabalhadores (troca
de salários altos por baixos).
Também podem encontrar
mais dificuldade em se manter
no mercado os empregados
com salários na faixa de 1,6 a 5
salários mínimos (R$ 744 a
R$ 2.325). São trabalhadores
que foram incorporados mais
recentemente às empresas, durante o período de expansão
econômica, e não ocupam vagas consideradas essenciais em
uma companhia. Com menos
tempo de serviço, o custo da demissão também é menor.
A previsão apontada pelo estudo do Ipea considera o que já
ocorreu com o mercado de trabalho após três crises econômicas enfrentadas pelo Brasil -de
1990 a 1992, 1999 e 2003.
Quem ganha até 1,5 salário
mínimo (R$ 697,50) será menos atingido pelo ajuste no
mercado. Segundo o Ipea, esse
trabalhador está em uma faixa
de salário protegida pelos ganhos do salário mínimo e não
sofre os efeitos da rotatividade.
Os trabalhadores com salários de cinco a dez mínimos (R$
2.325 a R$ 4.650) terão menos
dificuldades para enfrentar os
efeitos da crise porque essa faixa de rendimento concentra o
pessoal de nível técnico, mais
qualificado, e profissionais que
foram alvo de investimento das
companhias durante o período
de expansão econômica.
A FGV (Fundação Getulio
Vargas) constatou que trabalhadores com renda mais alta já
foram afetados pela crise. Pesquisa sobre rendimento do trabalho mostra que, desde 2004,
a cada 100 pessoas, 80 se mantinham na classe AB de um ano
para outro. De outubro a dezembro de 2008, no entanto,
esse número caiu para 75.
Isso significa encolhimento
das classes mais altas, já como
efeito da crise mundial, segundo o professor Marcelo Neri,
diretor do Centro de Políticas
Sociais da FGV. O estudo, coordenado por Neri, considera que
estão na classe AB as famílias
com rendimento do trabalho
superior a R$ 4.807 mensais.
"A tendência para 2009, considerando os efeitos das crises
no passado, é de o emprego ser
mais favorável para quem ganha menos e para quem busca
oportunidades no comércio e
nos serviços. A crise afetou
mais a indústria, que paga os
melhores salários", diz Marcio
Pochmann, presidente do Ipea.
As medidas adotadas por
meio de políticas públicas de
governos federal, estaduais e
municipais também visam, segundo ele, proteger o trabalhador com menor rendimento.
Micro e pequenas
A oferta de vagas deverá ser
maior neste ano, segundo o
Ipea, nas micro e nas pequenas
empresas que empregam até
50 pessoas. As grandes companhias já iniciaram programas
de demissão no fim do ano e devem continuar enxugando o
quadro de pessoal em 2009.
A exemplo da Embraer, a Vale também cortou o número de
trabalhadores -desde dezembro passado demitiu 1.300 funcionários, e outros 5.500 entraram em férias coletivas. O Brasil já perdeu 797,5 mil empregos com carteira assinada desde novembro passado, segundo
o Ministério do Trabalho.
"As grandes organizações,
principalmente as que não passaram por processos de reestruturação antes da crise ou as
que retardaram ajustes porque
a produção estava em alta, devem passar por mudanças, com
cortes [de vagas e salários], sobretudo nas áreas gerenciais. A
busca por eficiência se torna
mais aguda em um cenário de
crise", diz Gilberto Shinyashiki,
professor de Recursos Humanos da USP em Ribeirão Preto.
Se a dificuldade para obter
crédito se mantiver, entretanto, Marcel Solimeo, economista
da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), avalia que os
pequenos lojistas deverão demitir, e não empregar. "Essa situação está condicionada à
oferta de crédito. Não temos
dúvida de que, se houver vagas,
será para pagar salários baixos,
porque a ideia é cortar custos."
Para o economista Fábio Romão, da LCA Consultores, o comércio terá condições mais favoráveis do que a indústria para
gerar empregos em 2009 porque o setor será impulsionado
pelo aumento real de 6,3% concedido ao salário mínimo neste
ano e pela menor pressão da inflação. "Em 2008, o IPCA acumulou alta de 5,9%. Para este
ano, a nossa projeção é de inflação de 4,9%. Essa desaceleração, associada ao ganho do aumento real, cria condições mais
favoráveis para o setor."
Até setembro, todos os setores da economia registraram
alta no emprego e na renda. A
massa salarial cresceu 8,2% em
2008 ante 2007. Na projeção de
algumas consultorias, o crescimento agora deve ficar entre
0,5% e 1%. "O mercado de trabalho vai refletir o desempenho do país", afirma Fabio Silveira, sócio da RC Consultores.
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