São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2009

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Crise deve punir mais os salários elevados

Trabalhador com renda acima de R$ 4.650 terá menos emprego, diz Ipea

Setor industrial, que oferece melhores rendimentos, deverá sofrer mais com a desaceleração e ampliar corte de postos de trabalho


CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Os trabalhadores com salários mais altos estarão entre os que sofrerão mais os efeitos da crise mundial no mercado de trabalho, segundo prevê estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
A previsão para 2009 ocorre sobretudo em razão de demissões feitas por grandes companhias do setor industrial, que devem se intensificar. Na quinta-feira, a Embraer, por exemplo, anunciou o desligamento de 4.200 funcionários.
O Ipea avalia que os empregados com rendimento acima de dez salários mínimos (R$ 4.650) são os que deverão ter mais dificuldade em encontrar e manter o emprego. É nessa faixa salarial que devem se concentrar as demissões e a rotatividade de trabalhadores (troca de salários altos por baixos).
Também podem encontrar mais dificuldade em se manter no mercado os empregados com salários na faixa de 1,6 a 5 salários mínimos (R$ 744 a R$ 2.325). São trabalhadores que foram incorporados mais recentemente às empresas, durante o período de expansão econômica, e não ocupam vagas consideradas essenciais em uma companhia. Com menos tempo de serviço, o custo da demissão também é menor.
A previsão apontada pelo estudo do Ipea considera o que já ocorreu com o mercado de trabalho após três crises econômicas enfrentadas pelo Brasil -de 1990 a 1992, 1999 e 2003.
Quem ganha até 1,5 salário mínimo (R$ 697,50) será menos atingido pelo ajuste no mercado. Segundo o Ipea, esse trabalhador está em uma faixa de salário protegida pelos ganhos do salário mínimo e não sofre os efeitos da rotatividade.
Os trabalhadores com salários de cinco a dez mínimos (R$ 2.325 a R$ 4.650) terão menos dificuldades para enfrentar os efeitos da crise porque essa faixa de rendimento concentra o pessoal de nível técnico, mais qualificado, e profissionais que foram alvo de investimento das companhias durante o período de expansão econômica.
A FGV (Fundação Getulio Vargas) constatou que trabalhadores com renda mais alta já foram afetados pela crise. Pesquisa sobre rendimento do trabalho mostra que, desde 2004, a cada 100 pessoas, 80 se mantinham na classe AB de um ano para outro. De outubro a dezembro de 2008, no entanto, esse número caiu para 75.
Isso significa encolhimento das classes mais altas, já como efeito da crise mundial, segundo o professor Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV. O estudo, coordenado por Neri, considera que estão na classe AB as famílias com rendimento do trabalho superior a R$ 4.807 mensais.
"A tendência para 2009, considerando os efeitos das crises no passado, é de o emprego ser mais favorável para quem ganha menos e para quem busca oportunidades no comércio e nos serviços. A crise afetou mais a indústria, que paga os melhores salários", diz Marcio Pochmann, presidente do Ipea.
As medidas adotadas por meio de políticas públicas de governos federal, estaduais e municipais também visam, segundo ele, proteger o trabalhador com menor rendimento.

Micro e pequenas
A oferta de vagas deverá ser maior neste ano, segundo o Ipea, nas micro e nas pequenas empresas que empregam até 50 pessoas. As grandes companhias já iniciaram programas de demissão no fim do ano e devem continuar enxugando o quadro de pessoal em 2009.
A exemplo da Embraer, a Vale também cortou o número de trabalhadores -desde dezembro passado demitiu 1.300 funcionários, e outros 5.500 entraram em férias coletivas. O Brasil já perdeu 797,5 mil empregos com carteira assinada desde novembro passado, segundo o Ministério do Trabalho.
"As grandes organizações, principalmente as que não passaram por processos de reestruturação antes da crise ou as que retardaram ajustes porque a produção estava em alta, devem passar por mudanças, com cortes [de vagas e salários], sobretudo nas áreas gerenciais. A busca por eficiência se torna mais aguda em um cenário de crise", diz Gilberto Shinyashiki, professor de Recursos Humanos da USP em Ribeirão Preto.
Se a dificuldade para obter crédito se mantiver, entretanto, Marcel Solimeo, economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), avalia que os pequenos lojistas deverão demitir, e não empregar. "Essa situação está condicionada à oferta de crédito. Não temos dúvida de que, se houver vagas, será para pagar salários baixos, porque a ideia é cortar custos."
Para o economista Fábio Romão, da LCA Consultores, o comércio terá condições mais favoráveis do que a indústria para gerar empregos em 2009 porque o setor será impulsionado pelo aumento real de 6,3% concedido ao salário mínimo neste ano e pela menor pressão da inflação. "Em 2008, o IPCA acumulou alta de 5,9%. Para este ano, a nossa projeção é de inflação de 4,9%. Essa desaceleração, associada ao ganho do aumento real, cria condições mais favoráveis para o setor."
Até setembro, todos os setores da economia registraram alta no emprego e na renda. A massa salarial cresceu 8,2% em 2008 ante 2007. Na projeção de algumas consultorias, o crescimento agora deve ficar entre 0,5% e 1%. "O mercado de trabalho vai refletir o desempenho do país", afirma Fabio Silveira, sócio da RC Consultores.


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