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Pacote de Lula ignora aspectos urbanísticos
Para especialistas, medidas do governo são mais "imobiliárias" do que "habitacionais'; relatora da ONU teme novas "Cidades de Deus'
Após mais de um ano de debates, plano em vigor hoje não está sendo aproveitado para a formulação das novas medidas, avaliam estudiosos
NATÁLIA PAIVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O pacote habitacional que o
governo Lula ainda finaliza é
alvo de críticas de urbanistas. O
plano de construir 1 milhão de
casas até o fim de 2010 é visto
como incapaz de atacar as principais carências habitacionais
do país -e reduzir, de fato, o
déficit de 7,9 milhões de casas.
As principais medidas aventadas focam aumento de recursos
orçamentários, desonerações,
criação de um fundo garantidor
e ampliação do teto de recursos
do FGTS para financiamento.
A arquiteta Raquel Rolnik, da
USP, relatora de direito à moradia da ONU, diz que há "uma diferença muito grande entre
medidas de fomento à construção civil e política habitacional", e o pacote é mais imobiliário do que outra coisa, afirma.
Para Rolnik, uma intervenção dessa magnitude não pode
prescindir de uma estratégia
fundiária e urbanística -ponto
que, até agora, não foi tocado
pela cúpula do governo. Caso
contrário, diz Rolnik, vai haver
substancial aumento no preço
dos terrenos, com duas possíveis consequências: o subsídio
do governo vai escorrer para os
donos de terras ou a baixíssima
renda vai ser alocada nos terrenos mais baratos -e apartados.
"Ou seja, vamos produzir um
montão de casas sem cidade,
infraestrutura, emprego, reproduzindo nosso modelo clássico de desenvolvimento urbano: Cidade de Deus 2."
Evaniza Rodrigues, da União
Nacional por Moradia Popular,
diz que para alguns problemas
centrais o pacote não propõe
solução: "Onde as casas serão
feitas? O que vamos fazer para
segurar o preço da terra? Prefeitos que usarem as Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social] terão prioridade?".
A especialista em política da
habitação e professora da USP
Erminia Maricato diz que o pacote é "louvável" como medida
antirrecessão -mas há "travas". "Acho que o governo não
percebeu que a questão fundiária pode ser uma trava, ouve
muito o mercado; e eu dirijo o
principal da minha crítica à regressão nas cidades brasileiras,
que se recusam a aplicar a função social da propriedade para
fazer inclusão social."
Rolnik diz que a própria lógica de moradia que orienta o pacote está equivocada: pensa-se
em uma única estratégia -produção de mais casas- para diferentes necessidades habitacionais existentes. A professora
propõe outras ações, como urbanização e regularização de
áreas precárias já construídas,
aluguel subsidiado e ocupação
de prédios vazios (6,6 milhões).
Outra contradição apontada
no pacote é a desarticulação
com o PlanHab (Plano Nacional de Habitação), formulado
ao longo de um ano e meio de
discussões públicas. O objetivo
do plano, finalizado em dezembro, era servir como base das
estratégias do Ministério das
Cidades para equacionar o problema da habitação até 2023.
O PlanHab tem quatro eixos:
financeiro, urbano-fundiário,
institucional e produtivo. Para
o coordenador do plano, o arquiteto Nabil Bonduki, da USP,
as medidas divulgadas até agora se fixam no eixo financeiro e
flertam com o produtivo.
Do primeiro, aproveita a
ideia do fundo garantidor. Mas,
no PlanHab, ele seria permanente e voltado ao grupo com
renda de até R$ 1.600. Para o
presidente da FEA (Federação
Nacional de Arquitetos), Ângelo de Arruda, o aumento do fundo para até dez mínimos tira recursos da renda mais baixa e dificulta a redução do déficit nessa faixa. Crítica parecida é feita
em relação à ampliação do valor financiado pelo FGTS.
Outro dispositivo do plano
era o ranking dos municípios a
partir do tratamento que eles
dessem às questões urbanísticas, que seria usado na distribuição dos recursos da União.
Até agora, não há estímulo à regulação fundiária no pacote.
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