São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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Construção civil volta a depender do governo

SAMANTHA LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

Depois de ter vivido, entre 2007 e 2008, os melhores dias dos últimos dez anos e ter puxado o crescimento da economia, a construção civil volta a depender de políticas públicas. O pacote habitacional preparado pelo governo, que deve ser apresentado nesta semana, é a única esperança do setor para reverter a desaceleração e expandir-se em tempos de crise. "Sem o pacote, corremos o risco de voltar ao patamar de cinco anos atrás, quando não havia crédito nem garantias", afirma Rogério Zylbersztajn, vice-presidente da RJZ-Cyrela.
Com expansão de 8%, o setor puxou o crescimento de 5,1% do PIB no ano passado, o melhor desempenho depois dos setores bancários e de serviços de informação. Foi o melhor resultado desde 1998.
Mas, por ser dependente do crédito e das expectativas do consumidor sobre o futuro, a construção civil foi fortemente atingida pela crise. No último trimestre de 2008, expandiu-se em apenas 2,1% em relação a igual trimestre de 2007, atrás de outros sete setores (na comparação, o PIB cresceu 1,3%).
A situação continua delicada neste início de ano. "Observamos grande queda no volume de vendas, o que tem levado as construtoras a segurar novos empreendimentos", diz Bruno Oliveira, analista de construção do banco Safra. "O governo surge como o único agente capaz de suprir a necessidade das construtoras. Sem o pacote, as perspectivas são complicadas."
"O mercado imobiliário é ativo, capaz de responder rapidamente ao estímulo e, assim, minimizar os efeitos da crise", defende Paulo Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.
O governo está sensível aos argumentos. Como apurou recentemente a Folha, Lula deposita no setor as esperanças de que o PIB não afunde. O déficit habitacional chega a 8 milhões de residências. O pacote fomentaria a capacidade de compra da baixa renda, que tem pouco acesso ao crédito. Esse público é alvo de 600 das 2.000 construtoras do país.
A expectativa é que o Tesouro Nacional entre com R$ 6,5 bilhões em incentivos. "Uma política destinada a esse público pressupõe destinar recursos a fundo perdido", afirma Kazuo Nakano, arquiteto do Instituto Pólis, que estuda políticas urbanas no país.
O setor pode ser ainda mais beneficiado se for confirmado o aumento no limite dos financiamentos pelo Sistema Financeiro da Habitação, dos atuais R$ 350 mil para R$ 600 mil.
Especialistas criticam a formatação do pacote. "Está se resumindo a uma questão economicista, para atender um setor que sempre dependeu do governo", diz Nakano. "Tratando só de crédito, sem considerar a ocupação urbana e a infraestrutura, o pacote vai levar à criação de periferias sem estrutura, que teremos de resolver no futuro", adverte.
Depois do período de contração entre 1998 e 2003, a construção entrou em um ciclo de crescimento em 2004. O setor foi incentivado pela criação de mecanismos que permitiam a retomada do imóvel dos inadimplentes, a queda nos juros e o crescimento da economia.
A euforia do mercado de capitais também atingiu o setor. Desde 2005, 22 construtoras chegaram à Bolsa e levantaram recursos. Os problemas começaram quando as empresas, para cumprir os planos de investimento, começaram a comprar terrenos a preços elevados e lançar projetos que acabaram encalhando. "A média-alta e a alta renda demonstraram sinais de esgotamento", afirma Nakano. "Daí o desespero para atingir a baixa renda."


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