|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS TORRES FREIRE
O surto de euforia conservadora
"País nunca esteve tão bem", diz a finança; antigamente as coisas eram piores, de fato, mas foram piorando
|
"JAMAIS QUIS dizer que os
conservadores são geralmente estúpidos. Quis dizer que as pessoas estúpidas são geralmente conservadoras" é uma frase de John Stuart Mill, o filósofo e
economista político inglês (1806-1873), um batido clássico do almanaque capivarol das citações, fora de
moda devido ao espírito do tempo
mas adequada ao surto de euforia financista que temos visto por esses
dias. O Brasil nunca esteve tão bem,
nos dizem os povos do mercado.
É. A taxa de desemprego anda cronicamente pelos 9%-10%, cerca de
70% da população ganha menos de
uns R$ 500 e a renda não cresceu
desde 1995. "Ah, mas as condições
para o crescimento sustentável são
melhores que as da época do "milagre econômico'". Pois é.
Sim, não temos inflação, que devasta a vida do povo, e, de fato histórico, não temos dívida externa. Os
juros são ainda os mais aberrantes
do mundo, embora devam ser os
menores da nossa história moderna.
Em 1973, crescíamos a 14% (4%
agora). A inflação ia pela casa dos
15%, mais ou menos o dobro da inflação do planeta, um pouco maior
que o nível relativo de hoje. A participação das exportações do Brasil no
comércio mundial era a mesma. A
parcela mais rica (10%) da população tinha 51% da renda, e a metade
mais pobre tinha 11% em 1976. A relação hoje é, respectivamente, 45% e
14%. Melhorou? Em 1982, último
ano antes da ruína da economia da
ditadura militar, a desigualdade era
quase igual a de hoje: 46% a 13%. O
investimento produtivo total na
economia era 20% em 1973, contra
16% de agora. Tínhamos déficit externo moderado, como pedem tantos economistas liberais hoje.
Temos notas azuis nos boletins
das agências de classificação de crédito (e nos dizem agora que o boletim pode ficar ainda melhor mesmo
sem "reformas" e que o bom comportamento, "grau de investimento", não garante crescimento).
Mas o mundo quase inteiro está
assim, por osmose, dada a abundância financeira e o crescimento mundial. Certo, chegamos ao ponto até
de banqueiros de investimento
comprarem lojas de hambúrgueres.
A bonança quantitativa na finança
pode mesmo fazer diferença, se soubermos aproveitá-la, sobre o que
ainda não há indícios relevantes.
Crescemos na rabeira do mundo,
somos ignorantes e não ligamos para progresso tecnológico. Há guerra
civil no Rio. A de São Paulo se dá nos
cafundós invisíveis, pois os representantes das forças vivas da nação
paulista, tomaram a atitude providencial de expulsar o povaréu para a
periferia, onde se encachaçam, desempregados, e se trucidam, matando poucos da "elite branca".
Um país que não cresce faz décadas e desdenhou seus cafundós favoreceu a cultura da rapina dos coronelatos regionais. O Estado está podre de corrupto, em crise institucional e conspira contra a sociedade.
Fechamos nossas contas públicas
com aumentos crescentes de impostos e ineficiência. A propaganda liberal vulgar interdita o debate sobre
a ação do Estado para desencalacrar
de vez a economia. A economia brasileira não incorpora setores produtivos avançados faz um quarto de século (os últimos apareceram entre o
"milagre" e a ditadura Geisel).
É, pode até ficar melhor. E pior.
vinit@uol.com.br
Texto Anterior: Telefonia: Orascom planeja comprar BrT, não TIM Próximo Texto: Montadoras devem ter um ano de crescimento chinês Índice
|