São Paulo, terça-feira, 22 de maio de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O surto de euforia conservadora


"País nunca esteve tão bem", diz a finança; antigamente as coisas eram piores, de fato, mas foram piorando

"JAMAIS QUIS dizer que os conservadores são geralmente estúpidos. Quis dizer que as pessoas estúpidas são geralmente conservadoras" é uma frase de John Stuart Mill, o filósofo e economista político inglês (1806-1873), um batido clássico do almanaque capivarol das citações, fora de moda devido ao espírito do tempo mas adequada ao surto de euforia financista que temos visto por esses dias. O Brasil nunca esteve tão bem, nos dizem os povos do mercado.
É. A taxa de desemprego anda cronicamente pelos 9%-10%, cerca de 70% da população ganha menos de uns R$ 500 e a renda não cresceu desde 1995. "Ah, mas as condições para o crescimento sustentável são melhores que as da época do "milagre econômico'". Pois é.
Sim, não temos inflação, que devasta a vida do povo, e, de fato histórico, não temos dívida externa. Os juros são ainda os mais aberrantes do mundo, embora devam ser os menores da nossa história moderna.
Em 1973, crescíamos a 14% (4% agora). A inflação ia pela casa dos 15%, mais ou menos o dobro da inflação do planeta, um pouco maior que o nível relativo de hoje. A participação das exportações do Brasil no comércio mundial era a mesma. A parcela mais rica (10%) da população tinha 51% da renda, e a metade mais pobre tinha 11% em 1976. A relação hoje é, respectivamente, 45% e 14%. Melhorou? Em 1982, último ano antes da ruína da economia da ditadura militar, a desigualdade era quase igual a de hoje: 46% a 13%. O investimento produtivo total na economia era 20% em 1973, contra 16% de agora. Tínhamos déficit externo moderado, como pedem tantos economistas liberais hoje.
Temos notas azuis nos boletins das agências de classificação de crédito (e nos dizem agora que o boletim pode ficar ainda melhor mesmo sem "reformas" e que o bom comportamento, "grau de investimento", não garante crescimento).
Mas o mundo quase inteiro está assim, por osmose, dada a abundância financeira e o crescimento mundial. Certo, chegamos ao ponto até de banqueiros de investimento comprarem lojas de hambúrgueres.
A bonança quantitativa na finança pode mesmo fazer diferença, se soubermos aproveitá-la, sobre o que ainda não há indícios relevantes.
Crescemos na rabeira do mundo, somos ignorantes e não ligamos para progresso tecnológico. Há guerra civil no Rio. A de São Paulo se dá nos cafundós invisíveis, pois os representantes das forças vivas da nação paulista, tomaram a atitude providencial de expulsar o povaréu para a periferia, onde se encachaçam, desempregados, e se trucidam, matando poucos da "elite branca".
Um país que não cresce faz décadas e desdenhou seus cafundós favoreceu a cultura da rapina dos coronelatos regionais. O Estado está podre de corrupto, em crise institucional e conspira contra a sociedade.
Fechamos nossas contas públicas com aumentos crescentes de impostos e ineficiência. A propaganda liberal vulgar interdita o debate sobre a ação do Estado para desencalacrar de vez a economia. A economia brasileira não incorpora setores produtivos avançados faz um quarto de século (os últimos apareceram entre o "milagre" e a ditadura Geisel).
É, pode até ficar melhor. E pior.

vinit@uol.com.br


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