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ANÁLISE
EUA não são a Grécia, mas podem virar um Japão
Deflação sugere que país pode estar a caminho de uma década perdida em estilo
japonês, aprisionado em uma era longa de desemprego elevado e crescimento lento
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
A despeito do coral que alega
o contrário, não somos a Grécia. Mas estamos cada vez mais
parecidos com o Japão.
Nos últimos meses, boa parte
dos comentários sobre a economia vem repetindo um tema
central: as autoridades econômicas estão fazendo demais. Os
governos precisam parar de
gastar, é o que nos dizem.
A Grécia é usada como exemplo cautelar, e cada pequena alta nos juros que incidem sobre
os títulos do Tesouro norte-americano é tratada como indicação de que os mercados estão
se voltando contra os EUA devido aos nossos deficit.
Enquanto isso, há alertas
contínuos de que a inflação está
a caminho e que o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) precisa recuar em seus esforços de
apoiar a economia e dar início à
chamada "estratégia de saída",
apertando o crédito por meio
da venda de ativos e elevação
das taxas de juros.
E quanto ao desemprego
quase recorde, com um dos piores índices de longa duração
desde os anos 30? E quanto ao
fato de que os avanços no emprego dos últimos meses, ainda
que bem-vindos, até o momento recuperaram menos de 500
mil dos 8 milhões ou mais de
empregos perdidos depois da
crise financeira? Ah, preocupar-se com os desempregados é
tão 2009...
Mas a verdade é que as autoridades econômicas não estão
fazendo demais; estão fazendo
menos do que deveriam.
Dados recentes não sugerem
que os EUA estejam se encaminhando a um colapso da confiança dos investidores, em estilo grego. Em lugar disso, sugerem que podemos estar a caminho de uma década perdida em
estilo japonês, aprisionados em
uma era longa de desemprego
elevado e crescimento lento.
Juros
Falemos primeiro sobre as
taxas de juros. Em diversas ocasiões, ao longo dos 12 últimos
meses, fomos informados, depois de alguma alta modesta
nos juros, de que o mercado estava começando a reagir e que
os EUA precisavam reduzir seu
deficit imediatamente ou sofreriam as consequências.
Mais recentemente, muito se
falou sobre a alta nos juros dos
títulos de dez anos do Tesouro
norte-americano, de 3,6% para
quase 4%. "Medo quanto à dívida causa alta dos juros" foi a
manchete do "Wall Street
Journal", embora não existisse
indício real de que o medo
quanto à dívida fosse responsável pela alta.
Desde então, os juros recuaram para abaixo da marca que
mantinham antes da alta mais
recente. Na quinta-feira, os juros sobre os títulos de dez anos
eram de 3,3%.
Eu gostaria de dizer que a
queda nos juros reflete otimismo quanto às finanças federais
americanas. Mas o que ela reflete é uma alta no pessimismo
quanto às perspectivas de recuperação econômica, um pessimismo que fez os investidores
fugirem de qualquer coisa que
possa ser considerada arriscada -o que explica a queda no
mercado de ações- e optassem
pela segurança de uma aposta
nos títulos de dívida pública
norte-americana.
Europa
O que justifica esse novo pessimismo? Em parte ele reflete
os problemas da Europa, que se
relacionam menos do que temos ouvido às dívidas dos governos. Os líderes europeus impuseram uma moeda única a
economias que não estavam
preparadas para essa mudança.
Mas também houve sinais de
alerta em casa, o mais recente
dos quais no relatório da quarta-feira sobre os preços ao consumidor, que mostrava um indicador crucial de inflação em
queda para menos de 1%, sua
marca mais baixa em 44 anos.
Isso não deveria surpreender, na verdade: a expectativa é
que a inflação caia diante de desemprego em massa e capacidade produtiva excedente. Mas
é uma má notícia ainda assim.
Inflação baixa, ou pior, deflação, tende a perpetuar as crises
econômicas, porque encoraja
as pessoas a acumular dinheiro
em lugar de gastar, o que mantém a economia deprimida e
conduz a mais deflação.
O círculo vicioso que descrevi não é hipotético: pergunte
aos japoneses, que entraram
em uma armadilha deflacionária nos anos 90 da qual, a despeito de episódios ocasionais
de crescimento, ainda não conseguiram sair. A mesma coisa
poderia acontecer nos EUA.
Por isso, o que deveríamos
estar realmente perguntando
agora não é se vamos nos transformar na Grécia. Em lugar disso, deveríamos estar perguntando que medidas estão sendo
tomadas para evitar que nos
transformemos no Japão. E a
resposta é: nenhuma.
Instinto de aperto
Não que é o risco não seja
compreendido. Suspeito fortemente de que alguns dos dirigentes do Fed percebam com
clareza o paralelo com o Japão
e desejem fazer mais em apoio
à economia.
Mas, na prática, tudo que podem fazer é conter o instinto de
aperto monetário de seus colegas, os quais (como os dirigentes dos bancos centrais na década de 30) continuam a temer
desesperadamente a inflação, a
despeito da ausência de qualquer indício de alta de preço.
Suspeito, também, que os
economistas do governo Obama gostariam muito de ver um
novo plano de estímulo. Mas
sabem que um plano como esse
não teria chance de aprovação
em um Congresso que foi levado ao medo pelas palavras da linha dura quanto ao deficit.
Em resumo, o medo de
ameaças imaginárias impediu
qualquer resposta efetiva ao
verdadeiro perigo que nossa
economia está correndo.
O pior vai acontecer? Não necessariamente. Talvez as medidas econômicas já adotadas
bastem para realizar a tarefa e
dar impulso a uma recuperação
capaz de se sustentar sem ajuda. Com certeza é isso o que todos nós esperamos. Mas esperança não é plano.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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