São Paulo, Sábado, 22 de Maio de 1999
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LUÍS NASSIF

O fast food do mercado

A crítica ao fast food da análise econômica começa a se ampliar pelo mercado, após a sucessão de análises falhas por parte de analistas nacionais e internacionais. Quanto mais são expostas as falhas de análise, mais choca a maneira arrogante com que se produziram análises definitivas sobre a crise brasileira, condicionando toda a política econômica a gurus sem nenhum espírito científico, utilizando suposições vagas como se fossem verdades definitivas.
Reproduzo dois e-mails recebidos, em resposta à coluna de ontem. A primeira, de Ailton Coentro Filho, consultor de São Paulo:
"Sou economista com anos de pós-graduação (mestrado e doutorado na FGV-Rio) e anos de militância no mercado de capitais, mas devo admitir que as mudanças e a evolução da economia mundial nos últimos anos pegou os economistas no mundo todo algo despreparados, sem um suporte teórico adequado para compreender e explicar adequadamente a natureza dessas mudanças, suas causas, suas consequências e se vivemos de fato um novo paradigma.
Dir-se-ia que a realidade está correndo à frente do pensamento econômico cristalizado na teoria atualmente consagrada. Um fenômeno parecido com o que motivou a perplexidade entre os economistas durante a depressão dos anos 30, quando a ciência econômica simplesmente não admitia a possibilidade da existência de desemprego involuntário. Isso não constava dos manuais, os quais teimavam e demonstravam que a economia sempre tendia ao equilíbrio de pleno emprego. Mas os manuais foram desmoralizados pela realidade: como explicar, afinal, que 25% dos trabalhadores norte-americanos estavam desempregados, contra sua vontade, por volta de 1933?
Precisou aparecer um certo Lorde Keynes para mostrar que nem sempre o mercado, sozinho, é capaz de conduzir a economia automaticamente ao equilíbrio de pleno emprego. (...) Hoje, também, alguns dogmas e verdades consagrados em economia estão sendo desafiados pela realidade e a teoria econômica ainda não conseguiu explicá-los convincentemente. Eis dois exemplos:
Até recentemente, todo economista norte-americano sabia que se a taxa de desemprego caísse abaixo de 6%, isso significaria que a inflação estava a caminho no horizonte, o que forçaria o Fed a desacelerar o ritmo da atividade. Pois bem: os EUA estão com 4,3% de desemprego (na faixa dos trabalhadores com diploma universitário o desemprego é de 1,5%), há vários meses abaixo dos 6% e a inflação é a menor em 30 anos.
E a prolongada crise de inapetência que envolve o Japão desde o início desta década? Ninguém conseguiu até agora explicar (...).
Ou seja, como você bem assinalou, os economistas precisam melhorar a qualidade da análise econômica para poder falar de forma mais qualificada -e, portanto, com maior credibilidade- sobre o momento atual no Brasil e no mundo. Sem tais cuidados, correm o risco de ver suas recomendações citadas por Cacciolas da vida como justificativa para as desastradas apostas feitas pelo Banco Marka no mercado de câmbio em janeiro"."

Argentina e Petrobrás
De uma analista setorial, desiludida com o mercado:
"Nos últimos dias estava me debruçando sobre a Petrobrás, tentando imaginar o que vai acontecer com a empresa dentro de um contexto de introdução de competição na indústria. E fui surpreendida com a notícia que a YPF -a supereficiente ex-estatal argentina- seria "delisted", ou seja, tiraria suas ações de circulação pública.
Meu entendimento foi que no contexto em que a maior competidora por investimentos de porta-fólio da Petrobrás saísse de circulação, haveria um fluxo natural de investimentos para a Petrobrás -que fundamentalmente tem um potencial de realização de ganhos de eficiência bem maior.
Qual não foi minha surpresa ao ver vários analistas indicando o contrário sob a alegação que ainda seria mais interessante manter investimentos na Argentina... etc.
Mark Mobius -o pretenso guru que perdeu todas a apostas na Ásia, literalmente todas, mas conservou a pose-, foi um dos que declararam amor eterno-enquanto-dure-a-insensatez à Argentina (há duas semanas). De novo, gostaria de saber quem ele ama agora!
É essa a triste lógica imediatista que ainda determina as decisões da boiada. E como você mesmo me disse uma vez, é bem mais confortável fazer parte de qualquer boiada...
Que Deus me conserve a lucidez!"

E-mail: lnassif@uol.com.br


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