São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Rumo ao tri!

BENJAMIN STEINBRUCH

Há menos de um mês, quando o FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgou o seu "Perspectivas para a Economia Mundial", uma informação assustou muitos brasileiros, eu entre eles. Na América do Sul, em termos de crescimento econômico, o Brasil só deverá ter neste ano desempenho melhor do que dois países: Paraguai e Guiana.
Essa previsão constrangedora, num ano em que o país deve apresentar até uma taxa razoável de crescimento (3,5%), coincide com o momento em que se comemoram os dez anos do Plano Real, que ficará para a história pelo "milagre" da estabilização dos preços.
Sem nenhuma dúvida, passados dez anos do lançamento do Real, podemos dizer que estão apagados da memória brasileira os terríveis momentos da hiperinflação. A figura do dragão indomável a soltar fogo pela boca, que representava a inflação, tão comum nos jornais e revistas do início dos anos 90, já não diz nada à nova geração de adolescentes brasileiros. Ficou para trás aquele desesperador primeiro semestre de 1994, quando a inflação anual havia atingido 5.000%.
Tudo isso foi um grande avanço, com méritos totais do ministro da Fazenda e depois presidente Fernando Henrique Cardoso e de economistas que se juntaram a ele. Mas voltemos ao enfoque do primeiro parágrafo. Se o Brasil só ganha de Paraguai e Guiana em matéria de crescimento econômico, isso também é uma herança do Plano Real.
Com a mesma maestria usada para aniquilar a inflação, a equipe do Real tratou de menosprezar o crescimento da economia. O Brasil, após ostentar até os anos 70 uma das maiores taxas mundiais de expansão do PIB no século 20, caiu para as últimas posições no ranking.
São desoladoras para os brasileiros as estatísticas do próprio FMI para o período 1996-2005. Considerando o que já ocorreu nos últimos oito anos e as previsões para 2004 e 2005, o Brasil terá um crescimento médio anual de apenas 2,1% neste decênio. Será um dos piores desempenhos entre os países emergentes, que crescerão 5% em média. Também ficará abaixo dos índices de expansão da economia mundial e dos países desenvolvidos (veja tabela nesta página).
Antonio Delfim Netto, em artigo na Folha, observou que "o custo final do Real foi, infelizmente, muito alto para a sociedade". E foi alto por duas razões: porque fez empacar a economia e porque provocou um brutal aumento do endividamento público interno e externo.
Os responsáveis pelo lançamento do Real merecem todas as homenagens pela estabilização. Mas eles mesmos devem admitir, passados esses dez anos, que erraram a mão na condução do plano, jogaram na retranca sempre que alguma crise apontou no horizonte e exageram na ortodoxia monetária. Toda vez em que se depararam com turbulências, elevaram absurdamente as taxas de juros, política que acentuou o efeito maléfico da sobrevalorização cambial na economia. Essa prática, mantida durante dez anos, tornou escasso e caro o crédito aos negócios produtivos, estimulou a intermediação financeira, enriqueceu os bancos e, ao mesmo tempo, elevou a dívida pública a um nível jamais visto na história do país. A relação dívida/PIB passou de 30% em 1994 para 59% em 2003.
Por essas razões, a verdadeira história do Real deverá contemplar o sucesso e o fracasso. De um lado, o vitorioso controle da inflação. De outro, o registro de oportunidades perdidas. Por timidez ou conservadorismo exagerado, o Brasil atravessou a década de 90 e iniciou os anos 2000 sem gozar dos benefícios da grande expansão da economia americana, na era Clinton.
Tudo isso é lamentável, mas chega a ser deprimente constatar que o comportamento retranqueiro do governo anterior continua inalterado no atual. O Banco Central de hoje é ainda mais exagerado que o de ontem na ortodoxia ao se deparar com turbulências e conserva os juros reais em níveis inexplicavelmente altos, que mantêm a economia com o freio de mão puxado e aumentam de forma brutal a dívida pública.
Há dias, recebi um e-mail do amigo Baldomero Barbará Neto, observando que o governo precisa apresentar um programa de sustentabilidade da dívida pública interna, que já passa de R$ 820 bilhões. Tio B, como o chamo carinhosamente, acha que, se o governo conseguisse demonstrar como pretende administrar a dívida pública interna, haveria queda dos prêmios de risco, menor pressão sobre o câmbio, juros mais baixos e aumento da atividade econômica. Sem esse plano, seguindo com a trajetória atual da dívida, o Brasil em breve vai "comemorar" o tri, porque, pelas previsões de Tio B, a dívida pública vai atingir a cifra estratosférica de R$ 1 trilhão em março.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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