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São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nem o genial Mário conseguiu

BENJAMIN STEINBRUCH

O economista Mário Henrique Simonsen foi o todo-poderoso ministro da Fazenda do governo Ernesto Geisel, de 1974 a 1978. Com a posse de João Figueiredo, o último presidente do regime militar, assumiu o Ministério do Planejamento, mas ficou apenas alguns meses no cargo. Pediu demissão para reassumir sua cadeira na Fundação Getúlio Vargas.
Morto em 1997, aos 61 anos, Simonsen já entrou para a história como um dos brasileiros mais brilhantes de todos os tempos. Embora fosse viciado na complexidade da econometria e da matemática, resolvia os problemas do dia-a-dia do ministério com simplicidade e humor.
Está no livro "Mário", organizado pelos jornalistas Coriolano Gatto e Luiz César Faro, um fato ocorrido durante o governo Geisel, quando os Estados Unidos tentaram aumentar a alíquota de importação de calçados brasileiros. O efeito negativo dessa medida para a indústria nacional fez soar um sinal de alerta no Itamaraty, que passou a fazer gestões diplomáticas contra a taxação em Washington.
Simonsen decidiu agir por conta própria. Redigiu um decreto que aumentou o imposto de importação de fitas de cinema e fez uma cópia da minuta chegar às mãos do lobista de Hollywood no Brasil, Harry Stone. Não houve a taxação dos calçados nem a do cinema, e o Itamaraty comemorou o desfecho como resultado de suas gestões. Simonsen, quieto no seu canto, morreu de rir.
Conto isso para dizer que Simonsen, com todo o seu brilhantismo, foi parcialmente derrotado numa batalha que travou durante o governo Geisel para reduzir o ritmo de crescimento da economia.
Essa situação vivida nos anos 1970 é impensável nos dias de hoje, marcados pela retração econômica. Naquela época, o Brasil vinha de um período de expansão acelerada do PIB: 10,4% em 1970, 11,4% em 1971, 11,9% em l972 e incríveis 13,9% em 1973. Mas, nesse ano, estourou a crise do petróleo. De uma hora para outra, os membros da Opep organizaram um cartel que multiplicou por quatro os preços do barril do óleo cru. O Brasil, grande importador, não tinha dólares suficientes para continuar comprando todo o petróleo que necessitava, a menos que se endividasse de forma perigosa.
Simonsen adotou então a política do "desaquecimento", termo que frequentou as manchetes de jornais diariamente a partir de 1974. A idéia era que, reduzindo o ritmo de crescimento, as importações de petróleo cairiam e com isso seria possível equilibrar as contas externas e impedir o aumento da dívida em dólares.
Durante quatro anos, Simonsen usou um arsenal de medidas econômicas para desaquecer a economia, mas não alcançou plenamente o objetivo. O máximo que conseguiu foi reduzir a taxa de crescimento para 4,9% em 1977 e em 1978. Ao deixar o governo, em 1979, a dívida externa brasileira tinha quase triplicado em relação à de 1974 e chegou a US$ 49 bilhões. O nível era absurdamente alto para a época e foi o estopim das crises de balanço de pagamentos que o país enfrentou na década de 1980.
A lição desses tempos de Simonsen é que a economia brasileira tem propensão ao crescimento. As estatísticas do século 20 também comprovam isso. O Brasil foi o país com maior expansão econômica de 1900 a 1980. Nesse período, o PIB cresceu cerca de 1.200%. Em todo o século, o aumento foi de 1.400%.
As dificuldades que o país enfrenta hoje, portanto, devem ser consideradas como passageiras. O padrão histórico brasileiro de crescimento econômico é muito mais elevado que o atual. Crescer e criar renda nunca foram problema para o Brasil. Nosso calcanhar-de-aquiles é a distribuição da renda criada, esta sim uma chaga secular no país.
O Brasil pode, sim, retomar o caminho do investimento, da criação de renda e da geração de empregos. O Banco Central deve fazer amanhã, se as previsões do mercado se confirmarem, a primeira redução importante dos juros no governo Lula (no mês passado, a taxa caiu apenas 0,5 ponto percentual).
Espera-se que esse seja o sinal para a nova fase de desenvolvimento que o país aguarda, com investimento público e estímulo ao privado. Felizmente, a história mostra que a economia não precisa de grandes anabolizantes para crescer. Na verdade, é necessário ter muita competência para segurar o crescimento. Nem o genial Mário conseguiu.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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