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ENTREVISTA
Presidente da Petrobras, que deixa o cargo hoje, nega favorecimento à empresa GDK e critica arrogância do PT
Dutra rechaça ingerência nas licitações
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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O presidente demissionário da Petrobras, o petista José Eduardo Dutra, que transfere hoje o cargo, durante entrevista à Folha |
GUILHERME BARROS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Depois de dois anos e meio à
frente da Petrobras, José Eduardo
Dutra, 48, irá transferir hoje o cargo para José Sérgio Gabrielli, que
ocupava a diretoria financeira da
empresa. Em entrevista concedida ontem à Folha, seu último dia
no cargo, Dutra manifestou sua
irritação com as denúncias de que
o ex-secretário do PT, Sílvio Pereira, teria ganho um Land Rover
da GDK por ter interferido numa
licitação de US$ 90 milhões vencida pela empresa na Petrobras.
Segundo ele, "não há a menor
possibilidade de alguém de fora
ou mesmo o presidente da Petrobras interferir no processo licitatório da companhia".
Dutra afirmou que a GDK já trabalha desde 94 na Petrobras. Em
2002, no governo FHC, a empresa
ganhou uma licitação de US$ 88
milhões na estatal. "Para se fazer
um favorecimento na Petrobras,
uma empresa teria que corromper dezenas de engenheiros", afirmou. "Teriam que ser dadas muitas Land Rovers".
Dutra não escondeu decepção e
angústia com o seu partido, o PT.
"A única música que me vem a
mente é a do Cazuza, o meu partido é um coração partido", diz.
A seguir, os principais trechos
da entrevista.
Folha - Qual o balanço que o sr.
faz de sua gestão?
José Eduardo Dutra - Extremamente positiva. A Petrobras expandiu sua atuação internacional.
Quando chegamos aqui, a empresa estava em nove países, hoje está
em 15. E vem batendo recordes
sucessivos de produção de petróleo no Brasil. Estamos no limiar
da auto-suficiência. Os lucros foram recordes na história da companhia. Em 2002, o lucro foi de R$
8 bilhões, em 2003 e 2004, de R$ 17
bilhões. O valor de mercado saltou de US$ 15 bilhões em 31 de dezembro de 2002 para US$ 53 bilhões ontem [quarta-feira].
Folha - O sr. acha que as indicações políticas nas estatais deveriam acabar?
Dutra - Esta é uma discussão que
chega a ser bizantina. Se o governo tem o controle de uma empresa, é óbvio e natural que aquele
governo vai apresentar para compor a direção da empresa pessoas
que estejam afinadas com a linha
política do governo, e que não necessariamente sejam políticos. No
caso da diretoria da Petrobras, só
eu, o diretor Gabrielli e o diretor
Ildo Sauer não éramos do corpo
de empregados da Petrobras. Todos os outros diretores já eram
funcionários. Daí para baixo, todos os gerentes já eram empregados. A Petrobras desenvolveu um
sistema de governança corporativa que não sofre influência política no sentido pequeno do termo.
A condução do dia a dia da empresa vem sendo tocada da mesma forma que vinha sendo tocada
nos governos anteriores. Houve
apenas alguns toques de mudança, como a exigência de conteúdo
nacional [nas licitações], que foi
muito criticada por alguns, mas
que se revelou acertada.
Folha - Muitos países estabelecem separação entre estatais e política para evitar denúncias.
Dutra - As denúncias existem independente de indicação política,
e isso vale não só para estatal, como também para empresa privada. Alguns escândalos que aconteceram nos Estados Unidos há
dois ou três anos atrás envolveram empresas privadas. O que é
importante é ter um processo de
condução da companhia sem uso
político-partidário, e isso a Petrobras desenvolveu.
Folha - E essas denúncias envolvendo a GDK e o carro dado pela
empresa ao ex-secretário do PT,
Sílvio Pereira?
Dutra - Primeiro, essa questão
da GDK ter dado o carro para o
Sílvio Pereira cabe a ele explicar.
O que me deixa triste é que se procura estabelecer uma vinculação
de um fato, como esse do carro,
com a vitória da GDK em licitações da companhia, como se isso
fosse possível. Essas acusações, na
verdade, colocam sob suspeita dezenas de técnicos da companhia
que participam de um processo licitatório. Não é possível, no processo licitatório de uma companhia como a Petrobras, alguém de
fora ou até mesmo o presidente
da empresa dizer quem vai ganhar o processo. A GDK já trabalha há muito tempo com a Petrobras. A GDK ganhou outra licitação, com quase o mesmo valor, de
US$ 88 milhões, para a implantação do pólo Araras em Urucú, em
2002. Quem foi que recebeu o jipe
para essa licitação? Tinha Silvinho
nessa época? A Petrobras trabalha
com a GDK desde 94. Ela teve US$
120 milhões em contratos em
2001, US$ 450 milhões em 2002,
US$ 140 milhões em 2003, US$
520 milhões em 2004 e agora está
com US$ 200 milhões. Para fazer
um favorecimento a uma empresa na Petrobras teria que corromper dezenas de engenheiros, até
chegar na diretoria, que é quem
delibera se assina ou não o contrato. Teriam que ser dadas muitas Land Rovers. Felizmente, o
mercado conhece a Petrobras e
não dá muita importância a essas
denúncias. As nossas ações não
sofreram influência nenhuma.
Folha - A que o sr. atribui essas
denúncias?
Dutra - Tem, em primeiro lugar,
um interesse político de um parlamentar dentro da CPI [a denúncia
foi feita pelo deputado do PFL da
Bahia Antônio Carlos Magalhães
Neto]. O que me surpreende é que
o PFL da Bahia tem dois senadores que já foram presidentes do
conselho de administração da
companhia, Rodolpho Tourinho
e José Jorge, e que sabem o que é
impossível uma ação deste tipo,
de alguém ganhar um carro para
intervir numa ação da empresa.
Esse é um aspecto do surfista político, que eu até admito. Acho que
faz parte do jogo. Mas tem também o surfista econômico, de
qualquer empresa que tenha perdido uma licitação e aproveita o
momento para jogar lama no ventilador e colocar sob suspeita
aquela licitação que ela perdeu.
Este é o grande problema, e há esse interesse neste momento.
Folha - Pode citar a empresa?
Dutra - Não. A única coisa que
posso dizer é que acho que tem
influência de setores com litígio
na Petrobras desde o tempo da
gestão Henri Phillipe Reichstul.
Folha - Mas o TCU (Tribunal de
Contas da União) está analisando a
licitação vencida pela GDK.
Dutra - O TCU está analisando
todas as licitações da minha administração desde junho do ano
passado, a meu pedido, o que
quer dizer que isso não tem nenhuma relação com as denúncias
de agora. Eu tenho absoluta certeza que, se houve pagamento de
um carro para o Silvinho, se era
com essa intenção, não surtiu
efeito. Agora, eu questiono até essa intenção. Se fosse uma empresa
que nunca tivesse ganho um contrato, até poderia se fazer essa ilação, mas a GDK tem contratos
com a Petrobras desde 94.
Folha - O Sílvio Pereira indicou diretores da Petrobras?
Dutra - Não.
Folha - Qual é a sua relação com
ele?
Dutra - Conheço o Silvinho há
anos. Conversei com ele n vezes.
E, como se sabe, ele recebia a indicação dos partidos da base aliada
do governo. Na Petrobras, hoje, a
Transpetro tem dois dirigentes do
PMDB, mas não foram indicados
pelo Silvinho. Ele não tem nenhuma ingerência na Petrobras.
Folha - O sr. conhece o empresário Fernando Moura, que se diz ser
ligado a GDK e que andava com desenvoltura na Petrobras?
Dutra - Eu não o conheço. Nunca o vi aqui. A informação que eu
tenho é que todos os contatos da
GDK com a Petrobras são feitos
pelo seu presidente, César Oliveira. Não há, portanto, nenhuma
relação desse Fernando Moura
aqui, nenhuma vinculação.
Folha - O presidente da Petrobras
manda na empresa?
Dutra - Não tem nenhuma pessoa que manda na Petrobras. O
conceito de governança corporativa é exatamente esse. O objetivo
é de se ter uma corporação com
métodos e processos onde não
exista uma pessoa que mande.
Objetivamente, eu não mando na
Petrobras. O presidente não manda na Petrobras. Isso vale para
qualquer grande empresa multinacional, e a Petrobras é uma
multinacional. Aqui, por exemplo, se fala na ditadura dos gerentes, ainda que ninguém goste do
termo ditadura, mas você tem um
procedimento dos gerentes que
quando os assuntos chegam na
diretoria é para aprovar ou não
aprovar. No procedimento, a diretoria não se envolve. É claro que
pode haver irregularidade, mas a
companhia tem uma auditoria interna permanente e a diretoria é
auditada pelo TCU e fiscalizada
pelo Congresso Nacional.
Folha - Qual o futuro da Petrobras?
Dutra - Como a indústria de petróleo se dá com aquisições, acho
que, no futuro, a Petrobras estará
disputando grandes aquisições de
empresas de petróleo, como fez
em 2002, quando a empresa comprou a argentina Perez Companc.
A Petrobras irá se inserir no mercado como compradora.
Folha - Como o sr. enxerga a crise
atual do PT?
Dutra - Muito preocupante. Estou muito angustiado com essa situação. Todos os petistas estão
angustiados. A única música que
me vem a mente é a do Cazuza, "O
meu partido é um coração partido". Mas eu acredito que o partido vá superar isso. Na história da
esquerda do mundo, você teve,
em diversas ocasiões, partidos
que afundaram e depois se reergueram. Os partidos que tinham
estrutura partidária, militância e
inserção social ressurgiram e isto
vai acontecer com o PT. O partido
tem 800 mil filiados. Se for necessário, a base do partido vai atropelar a direção e mudar tudo.
Neste momento, há responsabilidades maiores. O Campo Majoritário tem que assumir que é sua a
maior responsabilidade. Quer dizer, nós, do Campo Majoritário.
Eu acho que este até um nome
bastante arrogante, que deveria
mudar. O que a gente está vendo é
que assuntos de muita gravidade,
de muita importância para a realidade do partido não foram tratados de forma coletiva.
Será que isso vai ser fatal para o
PT? Nós estamos passando por
essa situação difícil, muito por
causa da nossa arrogância. O Brizola tinha uma certa razão quando chamava a gente de "UDN de
macacão". O PT adotava uma
postura de ser o dono da verdade,
de ser moralista, de ser o dono da
ética, de ter o monopólio da ética,
e, em função disso, antes da crise,
um percentual significativo da
população entendia que o PT era
um partido diferente. Na medida
que o PT perde isso, o partido perde muito mais que os outros partidos. Isso vai ser muito doloroso
para o PT. Hoje, uma parcela expressiva da população já acha que
o PT é um partido pior que os outros. É um sentimento de decepção. O PT vai ter que trabalhar
muito para juntar esses cacos.
Folha - O sr. pensa em sair do PT?
Dutra - Tem companheiros que
pensam em sair para ir para o
PSOL, mas, embora eu tenha
maior respeito pelo partido, não
creio naquilo do ponto de vista
político-ideológico. Se eu sair do
PT, vou deixar a política, mas essa
não é a minha intenção. Estou
saindo da Petrobras para colocar
a cara para bater como candidato.
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