São Paulo, sábado, 22 de julho de 2006

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GESNER OLIVEIRA

Perguntas sobre Sadia-Perdigão

A concentração de mercado não é condição suficiente para concluir sobre a nocividade de uma operação

A OFERTA hostil de compra da Perdigão realizada pela Sadia poderia representar mais uma megaoperação a transformar a paisagem da indústria brasileira. A negociação privada nem sempre é fácil, como demonstra a recusa da Perdigão seguida de retirada da segunda oferta pela Sadia, ontem, mas é possível, desde logo, abordar algumas das questões de interesse público, como a da concorrência nos mercados. Os números da operação são impressionantes. Caso viesse a ser formado, o novo grupo Sadia-Perdigão representaria receita líquida superior a R$ 12 bilhões, 81 mil empregados, cadeia produtiva com cerca de 16 mil produtores e exportações para mais de centena de países. Transações desse porte vão se tornar cada vez mais freqüentes. Isso se deve a uma razão simples: é preciso escala para operar com custos baixos em mercado mundial cada vez mais competitivo.
Tal globalização das empresas está em contradição com a defesa da concorrência nos mercados domésticos? Não necessariamente. Uma autoridade como o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) deve fazer uma análise de custo-benefício. Do lado do custo, está o aumento de poder de mercado que normalmente acompanha transações que concentram o mercado. Do lado do benefício, os ganhos obtidos com a integração e racionalização das atividades das empresas ou aquilo que no jargão da área é chamado de eficiência. Não basta ser grande. É preciso ser eficiente. Isso vale tanto para o mercado doméstico quanto (e especialmente) para o mercado internacional.
Existe um número mágico de concentração de mercado a partir do qual uma operação não pode ser aprovada? Não. A concentração de mercado não é condição suficiente para concluir sobre a nocividade de uma operação. Além disso, uma grande transação como seria Sadia-Perdigão envolveria não apenas um mercado mas vários. Alguns podem acusar problemas concorrenciais, outros não. Tal exame exige análise minuciosa, tornando temerárias avaliações apressadas.
É possível fazer previsões do "risco Cade" com base em decisões passadas da autarquia, como Nestlé-Garoto (2004), AmBev (2000) ou Kolynos-Colgate (1996)? Esses casos ajudam pouco porque chocolate, cerveja e pasta de dente guardam pouca semelhança com a gama de produtos compreendidos em industrializados de carnes e alimentos prontos e semiprontos de Sadia e Perdigão. Além disso, o comércio exterior e as exportações em particular têm papel relevante nesse caso, em contraste com os anteriores.
Daqui a alguns anos, quando o estoque de casos for maior, será possível fazer projeções dessa natureza com maior margem de segurança.
Nem mesmo a joint venture realizada pelas duas empresas em 2001, denominada BRF Trading S.A. e que chegou a ser submetida ao Cade na época, serve de parâmetro. Além de envolver apenas o mercado externo, o conselho não chegou a entrar no mérito da operação porque as empresas desistiram do empreendimento. De qualquer forma, os votos e relatório sobre esse caso estão disponíveis no endereço eletrônico do Cade (www.cade.gov.br).
Quanto tempo o Cade demoraria para apreciar uma possível operação entre Sadia e Perdigão? É difícil responder com precisão. Em parte em razão de uma legislação extremamente burocratizada, os processos podem demorar muito nos órgãos de defesa da concorrência no Brasil. Mas, embora a proposta de reforma da lei 8.884/94 continue engavetada no Congresso, verificou-se sensível melhora na redução dos prazos de análise no período recente, em virtude de maior coordenação entre o Cade e as secretarias dos ministérios da Justiça e da Fazenda, que também participam do processo decisório.
Na prática, o sistema tem se tornado mais ágil, o que é fundamental para a decisão econômica. Uma das muitas peças publicitárias que ilustram a guerra comercial entre as hoje rivais Sadia e Perdigão registra uma senhora, dona Elvira, que sabe exatamente o tipo de produto que deseja. Se ela tem razão ou não, é uma questão subjetiva. Do ponto de vista concorrencial, importa saber se dona Elvira continuará a ter um leque de opções em boas condições de qualidade e preço, no Brasil e no exterior.


GESNER OLIVEIRA , 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade. Internet: www.gesneroliveira.com.br
@ - gesner@fgvsp.br


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