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GESNER OLIVEIRA
Perguntas sobre Sadia-Perdigão
A concentração de mercado
não é condição suficiente
para concluir sobre a
nocividade de uma operação
A OFERTA hostil de compra da
Perdigão realizada pela Sadia
poderia representar mais
uma megaoperação a transformar a
paisagem da indústria brasileira. A
negociação privada nem sempre é
fácil, como demonstra a recusa da
Perdigão seguida de retirada da segunda oferta pela Sadia, ontem, mas
é possível, desde logo, abordar algumas das questões de interesse público, como a da concorrência nos mercados.
Os números da operação são impressionantes. Caso viesse a ser formado, o novo grupo Sadia-Perdigão
representaria receita líquida superior a R$ 12 bilhões, 81 mil empregados, cadeia produtiva com cerca de
16 mil produtores e exportações para mais de centena de países. Transações desse porte vão se tornar cada vez mais freqüentes. Isso se deve
a uma razão simples: é preciso escala
para operar com custos baixos em
mercado mundial cada vez mais
competitivo.
Tal globalização das empresas está em contradição com a defesa da
concorrência nos mercados domésticos? Não necessariamente. Uma
autoridade como o Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) deve fazer uma análise de custo-benefício. Do lado do custo, está o
aumento de poder de mercado que
normalmente acompanha transações que concentram o mercado. Do
lado do benefício, os ganhos obtidos
com a integração e racionalização
das atividades das empresas ou
aquilo que no jargão da área é chamado de eficiência. Não basta ser
grande. É preciso ser eficiente. Isso
vale tanto para o mercado doméstico quanto (e especialmente) para o
mercado internacional.
Existe um número mágico de concentração de mercado a partir do
qual uma operação não pode ser
aprovada? Não. A concentração de
mercado não é condição suficiente
para concluir sobre a nocividade de
uma operação. Além disso, uma
grande transação como seria Sadia-Perdigão envolveria não apenas um
mercado mas vários. Alguns podem
acusar problemas concorrenciais,
outros não. Tal exame exige análise
minuciosa, tornando temerárias
avaliações apressadas.
É possível fazer previsões do "risco Cade" com base em decisões passadas da autarquia, como Nestlé-Garoto (2004), AmBev (2000) ou
Kolynos-Colgate (1996)? Esses casos ajudam pouco porque chocolate,
cerveja e pasta de dente guardam
pouca semelhança com a gama de
produtos compreendidos em industrializados de carnes e alimentos
prontos e semiprontos de Sadia e
Perdigão. Além disso, o comércio
exterior e as exportações em particular têm papel relevante nesse caso, em contraste com os anteriores.
Daqui a alguns anos, quando o estoque de casos for maior, será possível
fazer projeções dessa natureza com
maior margem de segurança.
Nem mesmo a joint venture realizada pelas duas empresas em
2001, denominada BRF Trading
S.A. e que chegou a ser submetida
ao Cade na época, serve de parâmetro. Além de envolver apenas o
mercado externo, o conselho não
chegou a entrar no mérito da operação porque as empresas desistiram do empreendimento. De qualquer forma, os votos e relatório sobre esse caso estão disponíveis no
endereço eletrônico do Cade
(www.cade.gov.br).
Quanto tempo o Cade demoraria
para apreciar uma possível operação entre Sadia e Perdigão? É difícil responder com precisão. Em
parte em razão de uma legislação
extremamente burocratizada, os
processos podem demorar muito
nos órgãos de defesa da concorrência no Brasil. Mas, embora a proposta de reforma da lei 8.884/94
continue engavetada no Congresso, verificou-se sensível melhora
na redução dos prazos de análise
no período recente, em virtude de
maior coordenação entre o Cade e
as secretarias dos ministérios da
Justiça e da Fazenda, que também
participam do processo decisório.
Na prática, o sistema tem se tornado mais ágil, o que é fundamental
para a decisão econômica.
Uma das muitas peças publicitárias que ilustram a guerra comercial entre as hoje rivais Sadia e Perdigão registra uma senhora, dona
Elvira, que sabe exatamente o tipo
de produto que deseja. Se ela tem
razão ou não, é uma questão subjetiva. Do ponto de vista concorrencial, importa saber se dona Elvira
continuará a ter um leque de opções em boas condições de qualidade e preço, no Brasil e no exterior.
GESNER OLIVEIRA , 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
@ - gesner@fgvsp.br
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