São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

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Cliente sob suspeita traz dilema a bancos

Caso do HSBC, que financia usina autuada por supostas condições degradantes de trabalho, revela conflitos para preservar imagem

Instituições financeiras que se comprometem a seguir padrões socioambientais em empréstimos enfrentam desafios para evitar perdas

JULIO WIZIACK
DA REPORTAGEM LOCAL

Eleito pelo jornal "Financial Times" como um dos mais severos na concessão de crédito, o HSBC financia no Brasil a usina de álcool Pagrisa, autuada no início do mês pelo Ministério do Trabalho por ter mantido em sua fazenda, em Ulianópolis (PA), 1.108 funcionários em supostas condições de trabalho análogas à escravidão.
O financiamento, feito há dois anos, seria quitado em 2010. Com o processo aberto pelo ministério -cuja conclusão está prevista para o início desta semana-, a Pagrisa pode entrar para a lista suja das companhias brasileiras, e isso arranharia a imagem do HSBC. A usina nega irregularidades.
Tecnicamente, não há nada de errado no financiamento do HSBC à Pagrisa -ocorrido antes da autuação do ministério. O rigor do banco na avaliação do risco de crédito chega a ser exagerado em alguns quesitos. Além disso, não há como prever que, após a concessão do crédito, as empresas infringirão uma cláusula do contrato.
O problema é que, em momentos de crise, os bancos não costumam manter a transparência exigida das empresas que pedem recursos. "Eles gostam de placas dizendo que financiam obras monumentais e jogam histórias comprometedoras debaixo do tapete", diz Gustavo Pimentel, gerente do Projeto Eco-Finanças da ONG Amigos da Terra.
Por meio de sua assessoria, o HSBC alegou sigilo bancário para não se pronunciar sobre o caso. Mas o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) confirma que o HSBC usou o Finame no repasse de recursos à Pagrisa.
O Finame é uma linha de crédito oferecida pelo BNDES para a compra de máquinas e equipamentos a juros mais baixos que os de mercado. Os contratos são firmados entre o BNDES e os bancos comerciais da praça, que transferem o dinheiro às empresas- geralmente em parcelas- cobrando uma taxa pelo serviço.

Riscos
Na transação com a Pagrisa, o HSBC assumiu todos os riscos. Aí começa a confusão. Na semana passada, a usina teve seus contratos de venda de álcool cancelados por BR Distribuidora, Esso e Texaco.
Signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, essas companhias deixaram de comprar por mês 5 milhões de litros de álcool.
"Sem essa receita, corremos o risco de fechar", afirma Marcos Zancaner, um dos proprietários da usina.
As chances de a Pagrisa não pagar o financiamento são grandes. Caso o processo aberto pelo Ministério do Trabalho termine em condenação, o BNDES deverá ordenar ao HSBC a suspensão das parcelas restantes do financiamento.
Segundo a Pagrisa, os recursos foram liberados de uma só vez, e isso levaria o HSBC a "devolver" os recursos ao BNDES sob o risco de responder junto com a empresa por possíveis irregularidades.
É o que prevêem os Princípios do Equador, um conjunto de normas definidas pelo Banco Mundial que regulam a concessão de créditos.
Pelas normas, não pode haver dinheiro para quem destrói o ambiente ou mantém funcionários em condições degradantes de trabalho. Em caso de irregularidades comprovadas após a liberação dos recursos, o crédito tem de ser cortado para evitar a co-responsabilização.
O desafio para os bancos é a superação dos conflitos de interesse. Muitas vezes os sócios ou acionistas majoritários das empresas que batem às portas dos bancos pedindo empréstimos têm, em geral, conta corrente e de investimento abertas na instituição que concede o crédito.
A Pagrisa agora tenta provar sua inocência ao Ministério do Trabalho e evitar o pior. Cedendo ao apelo da bancada do Pará no Congresso, o ministro Carlos Luppi recebeu o dono da usina na semana passada.
Mesmo que a empresa seja condenada, poderá ainda evitar sua inclusão no cadastro nacional das empresas que contratam mão-de-obra análoga à escrava por meio de liminar, procedimento adotado por 30 companhias brasileiras.


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