São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2008

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Amorim ataca europeus e vê dia "inútil" de negociações

Na 1ª fase do encontro da Rodada Doha, brasileiro classifica proposta da UE de "encenação"

Ministro diz que nova oferta não traz nenhum avanço; expectativa é que os temas principais comecem a ser discutidos hoje na OMC

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

O primeiro dia da reunião considerada decisiva para quebrar um impasse de sete anos nas negociações comerciais da Rodada Doha serviu como um prenúncio pessimista do que virá no resto da semana. O encontro começou com a União Européia prometendo mais acesso a seus mercados agrícolas, e terminou com o Brasil chamando a proposta de "encenação". O chanceler Celso Amorim chegou a dizer que a primeira reunião foi "inútil".
A suposta oferta européia foi feita logo pela manhã pelo comissário de Comércio do bloco, Peter Mandelson. Ele sugeriu que o bloco estaria disposto a aceitar cortes de 60% em suas tarifas de importação sobre produtos agrícolas, o que seria um avanço em relação ao número atualmente na proposta em discussão, de 54%.
Já era noite em Genebra quando os ministros deixaram a sede da OMC (Organização Mundial do Comércio), após cinco horas de reunião. Indagado sobre a proposta européia, Amorim negou que ela represente uma nova concessão.
"Ora, 60%!", ironizou. "É muito fácil produzir números como 60% ou 90% quando eu escolho os produtos em que ninguém está interessado ou que poucos países exportam. Eu quero saber o que eles vão fazer com frango, etanol, açúcar. É isso que me interessa." Completou o comentário classificando a oferta européia de "encenação estatística".
Sobre o primeiro dia de reuniões, o chanceler brasileiro não escondeu sua impaciência com a ausência de discussões substanciais. "Talvez tenha sido uma reunião necessária e nós precisemos passar por isso", disse Amorim. "Mas do meu ponto de vista foi totalmente inútil, porque não ouvi idéias ou sugestões novas. Vamos ver amanhã [hoje]."
A manipulação de Mandelson ao sugerir que estava oferecendo nova concessão foi logo desqualificada dentro da própria UE. Mariann Fischer-Boel, comissária européia de Agricultura, reconheceu que a proposta não tinha "nada de novo". O mesmo tom foi usado pela ministra de Comércio da França, país que atualmente ocupa a Presidência da UE. Segundo Anne-Marie Idrac, a diferença entre o número na proposta e o oferecido por Mandelson era uma questão de como calcular os cortes, com ou sem a inclusão de produtos tropicais.
"Houve progresso ou novas porcentagens? A resposta é não. Peter Mandelson esclareceu o que as discussões técnicas mostraram: nada a mais e nada a menos", disse Idrac, que reiterou a protecionista posição francesa, de que nenhuma concessão adicional deve ser feita em acesso a seu mercado agrícola. "Nossa proposta já é a mais generosa sobre a mesa."
No fim do dia, Mandelson negou-se a detalhar sua oferta e jogou a pressão para os países em desenvolvimento, dos quais espera cortes maiores em suas tarifas industriais que os aceitos até agora. "Esses cortes precisam dar acesso a mercados na prática, essa é a questão. Nada além disso funcionará. Nada além disso permitirá um acordo", disse Mandelson.
Ninguém esperava um avanço logo no primeiro dia, mas diplomatas presentes à reunião disseram que o chanceler brasileiro e outros ministros estavam visivelmente impacientes com o tempo excessivo gasto com a apresentação de propostas que todos já conhecem. A expectativa é que os temas principais comecem a ser discutidos hoje, quando será possível avaliar quais as chances de sucesso do encontro. "O jogo começa amanhã", disse o chanceler de Barbados, Christopher Sincker, um dos 35 ministros que participaram da reunião.


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