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CENÁRIOS
Forte entrada de capital externo desde 94 terá fase da volta e, por isso, exige dólares para pagar conta
Dívida externa exige mais exportações
da Reportagem Local
Não há outro caminho. O Brasil
está obrigado a se transformar
numa máquina exportadora. O
motivo é simples: nos últimos
anos, a economia foi inundada
por dólares, que vieram sob a forma de empréstimos externos, investimentos de multinacionais e
aplicações financeiras. Está chegando a hora de pagar a conta.
O volume de saída de dólares
para pagamento de juros e remessa de lucros está crescendo e vai
aumentar ainda mais. Não haverá
alívio a curto prazo. Dentro dos
próximos dez anos, o Brasil terá
déficits nas suas contas externas
(transações correntes) equivalentes a pelo menos 2,5% do PIB.
Essas são as principais conclusões de um extenso estudo sobre
o endividamento externo brasileiro preparado pelo economista-chefe do banco Bilbao Vizcaya,
Octavio de Barros. Ex-diretor-técnico da Sociedade Brasileira de
Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), Barros é um dos
maiores especialistas brasileiros
em contas externas, assunto ao
qual se dedica há cerca de 15 anos.
"Quando houve a mudança na
política cambial, muita gente imaginou que a desvalorização do
real poderia equilibrar o resultado
das nossas contas externas", diz
Barros. "Isso não é verdade. Precisamos fazer um esforço dramático de aumento de exportações, senão poderemos sofrer turbulências recorrentes na área cambial."
Endividamento
O Brasil deverá ter déficit durante mais uma década, pelo menos, porque houve um enorme
aumento do que os economistas
chamam de passivo externo
(aquele dinheiro que vem do exterior e em algum momento terá de
voltar).
Desde janeiro de 1994, o Brasil
recebeu mais de meio trilhão de
dólares (US$ 514,6 bilhões) do exterior. No mesmo período, saíram
cerca de US$ 332,9 bilhões para
amortização de dívidas, retorno
dos investimentos financeiros e
repatriação de capital. O saldo, de
US$ 181,7 bilhões, é considerado
grande pelos especialistas.
"Levando em conta os empréstimos e os investimentos de fora,
o Brasil é o mais endividado entre
os países em desenvolvimento",
diz Barros.
Isso explica porque o Brasil está
tão exposto aos humores do mercado financeiro internacional.
Como tem muito dinheiro aplicado no país, o investidor estrangeiro acompanha com máximo interesse tudo que acontece na política e na economia brasileira. Toda
vez que algo menos ortodoxo
acontece ele se assusta e ameaça
tirar o dinheiro do país.
"Ficamos mais plugados e mais
dependentes das expectativas e
dos humores internacionais sobre
a forma como se administra o
país. Os raios de manobra são menores e não há espaço para desprezar o que pensam da gente",
diz Octavio de Barros.
Aumento das exportações
O crescimento da dependência
externa é uma das razões pelas
quais o Brasil depende de um esforço radical nas exportações. A
balança comercial é o principal
item das contas externas que pode compensar o aumento das saídas de dólares para pagamento de
juros e de remessa de lucros. Aumentar as exportações é o caminho, diz Barros, para afastar o risco de novas pressões no câmbio.
No ano passado, o Brasil teve
um déficit comercial de US$ 6,4
bilhões. Segundo as projeções do
economista, o país poderá ter um
superávit de US$ 13,4 bilhões no
ano 2002. É um enorme esforço
para as empresas brasileiras, difícil de ser atingido. Mesmo assim,
não seria suficiente para zerar o
déficit externo.
O problema é que outro importante item da contabilidade externa deve apresentar déficit crescente. É a conta de serviços, na
qual estão incluídos a remessa de
lucros e a despesa com juros. De
acordo com o relatório do banco
Bilbao Vizcaya, o Brasil teve um
déficit na conta de serviços da ordem de US$ 14,7 bilhões em 1994.
O buraco deve chegar a US$ 36,1
bilhões em 2002.
"Não podemos nos iludir", diz
Barros. "Os mais importantes
itens na conta de serviços sofrem
poucas variações com a mudança
no câmbio. Apenas viagens internacionais e outros itens pouco relevantes são substantivamente reduzidos com a desvalorização. Só
nos resta gerar saldos comerciais
elevados e, mesmo assim, registrar déficits externos significativos."
Para que o déficit das contas externas fosse zerado nos próximos
dez anos, o Brasil precisaria de
saldos comerciais superiores a
US$ 20 bilhões. "É pouco provável que o Brasil consiga esse resultado, especialmente porque não
tem uma forte cultura exportadora. O número de países com saldo
dessa magnitude dá para contar
nos dedos de uma mão", diz o
economista.
O mais provável, diz Octavio de
Barros, é que o país consiga baixar
o déficit das contas externas de
4,72% do PIB, projetado para
1999, para cerca de 2,5% do PIB.
"Um déficit de 2,5% do PIB é administrável, especialmente se o
Brasil estiver crescendo e as multinacionais estiverem reaplicando
o dinheiro no país", diz Barros.
Investimento em produção
Octavio de Barros não critica o
crescimento do chamado passivo
externo. Apenas constata que é o
resultado do aproveitamento de
uma onda de investimentos dos
países ricos em nações emergentes, fenômeno especialmente forte no Brasil.
"A magnitude dos fluxos brasileiros de entrada e saída de recursos não tem paralelo no mundo
em desenvolvimento", diz o economista. O Brasil esteve entre os
que mais receberam aplicações
não só financeiras, mas também
em produção.
Nos últimos tempos, os investimentos produtivos têm sido fundamentais para cobrir o déficit
nas contas externas. Em 1999, os
investimentos das multinacionais
em produção devem somar R$ 23
bilhões, o equivalente a 88% do
buraco das contas externas.
Nos próximos anos, as transnacionais devem despejar menos dinheiro no Brasil. A principal razão é que as principais empresas
do programa de privatizações já
terão sido vendidas. Ainda assim,
o Brasil deverá receber entre US$
9 bilhões e US$ 10 bilhões por ano
em investimentos produtivos, nas
contas de Octavio de Barros.
"O Brasil ainda tem muitas
oportunidades de investimento.
Mas é menos provável que esses
investimentos sejam suficientes
para financiar o déficit da conta
corrente depois de esgotado o ciclo de privatizações. O resto dos
recursos necessários para o financiamento externo dependerá
sempre de um relacionamento estável e de confiança com a comunidade financeira internacional",
diz o economista.
O maior interesse das multinacionais que investiram -ou aumentaram seus investimentos-
no Brasil recentemente é aproveitar o enorme mercado interno do
país. Por isso, essas companhias
exportam relativamente pouco.
Para Octavio de Barros, é preciso envolver as múltis no esforço
para aumentar as exportações e
manter o Brasil afastado de novas
turbulências no câmbio.
"As multinacionais industriais
não vieram para o Brasil para exportar, mas têm condições de dobrar ou triplicar suas vendas externas. Essas empresas precisam
ser o principal veículo de venda
no exterior de produtos brasileiros", diz Barros.
Capital de curto prazo
O estudo do banco Bilbao Vizcaya levanta ainda quanto dinheiro entrou no Brasil desde o início
de 1994 e ajuda a entender o turbilhão que envolveu a economia
nos últimos anos.
Os ingressos líquidos somaram
US$ 181 bilhões de janeiro de 1994
a julho de 1999. O déficit na conta
corrente acumulado no período
foi de US$ 124 bilhões. A diferença, de US$ 56,9 bilhões se refere a
capital de curto prazo que deixou
o país principalmente na crise do
final do ano passado.
O estudo discrimina também
onde mais cresceu o passivo externo brasileiro. A maior fatia
(48,69%) se refere a empréstimos
contraídos no exterior. O segundo são os investimentos diretos
(40,56%). Em seguida, aparecem
as aplicação financeiras (10,76%).
(RICARDO GRINBAUM)
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