São Paulo, Domingo, 22 de Agosto de 1999
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CENÁRIOS
Forte entrada de capital externo desde 94 terá fase da volta e, por isso, exige dólares para pagar conta
Dívida externa exige mais exportações

da Reportagem Local

Não há outro caminho. O Brasil está obrigado a se transformar numa máquina exportadora. O motivo é simples: nos últimos anos, a economia foi inundada por dólares, que vieram sob a forma de empréstimos externos, investimentos de multinacionais e aplicações financeiras. Está chegando a hora de pagar a conta.
O volume de saída de dólares para pagamento de juros e remessa de lucros está crescendo e vai aumentar ainda mais. Não haverá alívio a curto prazo. Dentro dos próximos dez anos, o Brasil terá déficits nas suas contas externas (transações correntes) equivalentes a pelo menos 2,5% do PIB.
Essas são as principais conclusões de um extenso estudo sobre o endividamento externo brasileiro preparado pelo economista-chefe do banco Bilbao Vizcaya, Octavio de Barros. Ex-diretor-técnico da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), Barros é um dos maiores especialistas brasileiros em contas externas, assunto ao qual se dedica há cerca de 15 anos.
"Quando houve a mudança na política cambial, muita gente imaginou que a desvalorização do real poderia equilibrar o resultado das nossas contas externas", diz Barros. "Isso não é verdade. Precisamos fazer um esforço dramático de aumento de exportações, senão poderemos sofrer turbulências recorrentes na área cambial."

Endividamento
O Brasil deverá ter déficit durante mais uma década, pelo menos, porque houve um enorme aumento do que os economistas chamam de passivo externo (aquele dinheiro que vem do exterior e em algum momento terá de voltar).
Desde janeiro de 1994, o Brasil recebeu mais de meio trilhão de dólares (US$ 514,6 bilhões) do exterior. No mesmo período, saíram cerca de US$ 332,9 bilhões para amortização de dívidas, retorno dos investimentos financeiros e repatriação de capital. O saldo, de US$ 181,7 bilhões, é considerado grande pelos especialistas.
"Levando em conta os empréstimos e os investimentos de fora, o Brasil é o mais endividado entre os países em desenvolvimento", diz Barros.
Isso explica porque o Brasil está tão exposto aos humores do mercado financeiro internacional. Como tem muito dinheiro aplicado no país, o investidor estrangeiro acompanha com máximo interesse tudo que acontece na política e na economia brasileira. Toda vez que algo menos ortodoxo acontece ele se assusta e ameaça tirar o dinheiro do país.
"Ficamos mais plugados e mais dependentes das expectativas e dos humores internacionais sobre a forma como se administra o país. Os raios de manobra são menores e não há espaço para desprezar o que pensam da gente", diz Octavio de Barros.

Aumento das exportações
O crescimento da dependência externa é uma das razões pelas quais o Brasil depende de um esforço radical nas exportações. A balança comercial é o principal item das contas externas que pode compensar o aumento das saídas de dólares para pagamento de juros e de remessa de lucros. Aumentar as exportações é o caminho, diz Barros, para afastar o risco de novas pressões no câmbio.
No ano passado, o Brasil teve um déficit comercial de US$ 6,4 bilhões. Segundo as projeções do economista, o país poderá ter um superávit de US$ 13,4 bilhões no ano 2002. É um enorme esforço para as empresas brasileiras, difícil de ser atingido. Mesmo assim, não seria suficiente para zerar o déficit externo.
O problema é que outro importante item da contabilidade externa deve apresentar déficit crescente. É a conta de serviços, na qual estão incluídos a remessa de lucros e a despesa com juros. De acordo com o relatório do banco Bilbao Vizcaya, o Brasil teve um déficit na conta de serviços da ordem de US$ 14,7 bilhões em 1994. O buraco deve chegar a US$ 36,1 bilhões em 2002.
"Não podemos nos iludir", diz Barros. "Os mais importantes itens na conta de serviços sofrem poucas variações com a mudança no câmbio. Apenas viagens internacionais e outros itens pouco relevantes são substantivamente reduzidos com a desvalorização. Só nos resta gerar saldos comerciais elevados e, mesmo assim, registrar déficits externos significativos."
Para que o déficit das contas externas fosse zerado nos próximos dez anos, o Brasil precisaria de saldos comerciais superiores a US$ 20 bilhões. "É pouco provável que o Brasil consiga esse resultado, especialmente porque não tem uma forte cultura exportadora. O número de países com saldo dessa magnitude dá para contar nos dedos de uma mão", diz o economista.
O mais provável, diz Octavio de Barros, é que o país consiga baixar o déficit das contas externas de 4,72% do PIB, projetado para 1999, para cerca de 2,5% do PIB. "Um déficit de 2,5% do PIB é administrável, especialmente se o Brasil estiver crescendo e as multinacionais estiverem reaplicando o dinheiro no país", diz Barros.

Investimento em produção
Octavio de Barros não critica o crescimento do chamado passivo externo. Apenas constata que é o resultado do aproveitamento de uma onda de investimentos dos países ricos em nações emergentes, fenômeno especialmente forte no Brasil.
"A magnitude dos fluxos brasileiros de entrada e saída de recursos não tem paralelo no mundo em desenvolvimento", diz o economista. O Brasil esteve entre os que mais receberam aplicações não só financeiras, mas também em produção.
Nos últimos tempos, os investimentos produtivos têm sido fundamentais para cobrir o déficit nas contas externas. Em 1999, os investimentos das multinacionais em produção devem somar R$ 23 bilhões, o equivalente a 88% do buraco das contas externas.
Nos próximos anos, as transnacionais devem despejar menos dinheiro no Brasil. A principal razão é que as principais empresas do programa de privatizações já terão sido vendidas. Ainda assim, o Brasil deverá receber entre US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões por ano em investimentos produtivos, nas contas de Octavio de Barros.
"O Brasil ainda tem muitas oportunidades de investimento. Mas é menos provável que esses investimentos sejam suficientes para financiar o déficit da conta corrente depois de esgotado o ciclo de privatizações. O resto dos recursos necessários para o financiamento externo dependerá sempre de um relacionamento estável e de confiança com a comunidade financeira internacional", diz o economista.
O maior interesse das multinacionais que investiram -ou aumentaram seus investimentos- no Brasil recentemente é aproveitar o enorme mercado interno do país. Por isso, essas companhias exportam relativamente pouco.
Para Octavio de Barros, é preciso envolver as múltis no esforço para aumentar as exportações e manter o Brasil afastado de novas turbulências no câmbio.
"As multinacionais industriais não vieram para o Brasil para exportar, mas têm condições de dobrar ou triplicar suas vendas externas. Essas empresas precisam ser o principal veículo de venda no exterior de produtos brasileiros", diz Barros.

Capital de curto prazo
O estudo do banco Bilbao Vizcaya levanta ainda quanto dinheiro entrou no Brasil desde o início de 1994 e ajuda a entender o turbilhão que envolveu a economia nos últimos anos.
Os ingressos líquidos somaram US$ 181 bilhões de janeiro de 1994 a julho de 1999. O déficit na conta corrente acumulado no período foi de US$ 124 bilhões. A diferença, de US$ 56,9 bilhões se refere a capital de curto prazo que deixou o país principalmente na crise do final do ano passado.
O estudo discrimina também onde mais cresceu o passivo externo brasileiro. A maior fatia (48,69%) se refere a empréstimos contraídos no exterior. O segundo são os investimentos diretos (40,56%). Em seguida, aparecem as aplicação financeiras (10,76%).
(RICARDO GRINBAUM)


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