São Paulo, Domingo, 22 de Agosto de 1999
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TELECOMUNICAÇÕES
Punição foi uma advertência à empresa, que decidiu não aumentar participação na Intelsat
Multa à Embratel é só aviso, diz Anatel

ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio

A multa de R$ 2,825 milhões sobre a Embratel, anunciada publicamente esta semana pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), foi uma advertência à empresa de que poderá sofrer sanções ainda maiores caso contrarie os interesses estratégicos do Brasil na Intelsat.
A Embratel poderia ter aumentado sua participação no capital da Intelsat -consórcio internacional de satélites do qual o Brasil é membro- e decidiu não fazê-lo sem consultar a Anatel.
O conselheiro da Anatel Luiz Francisco Perrone, diretor da Intelsat durante 11 anos (de 1984 a 95), diz que a decisão da Embratel não afetou a representação do Brasil na Intelsat, mas desobedeceu o compromisso firmado antes da privatização de consultar previamente a Anatel sobre os assuntos relativos à Intelsat.
Perrone diz que a Anatel considera que cometeu um "lapso". Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual o poder de influência do Brasil na Intelsat?
Luiz Francisco Perrone -
A Intelsat tem dois níveis de decisão. As decisões políticas são tomadas em assembléias dos países signatários, semelhantes às da ONU, e cada país tem um voto. O grande assunto em discussão no momento é a privatização da Intelsat. No ano passado, na assembléia realizada em Salvador, decidiu-se criar uma subsidiária privada da Intelsat, em vez de privatizar o consórcio.

Folha - A Embratel participa dessa discussão?
Perrone -
A parte política é privativa do governo e não tem nada a ver com a Embratel, ainda que ela fosse estatal. Quem representa o Brasil é o Ministério das Comunicações e o Itamaraty.

Folha - Qual o papel da Embratel na Intelsat?
Perrone -
Quando a Intelsat foi criada, os países signatários decidiram que ela teria um fórum operacional. Cada governo designou uma entidade para fazer parte desse acordo operacional, que funciona como uma diretoria-executiva da Intelsat. Para fazer parte desse acordo, o representante precisa ter um percentual mínimo, de 1,6% ou 1,7% das cotas da Intelsat. A Embratel representa o Brasil.

Folha - O que ela faz?
Perrone -
Participa nas decisões sobre quantos satélites serão comprados, qual será a tarifa dos serviços, a tecnologia etc. Também representa a Portugal Telecom e a Antel, do Uruguai.

Folha - O papel da Embratel mudou com a privatização?
Perrone -
Quando o governo privatizou a Telebrás, uma das condições impostas ao comprador da Embratel foi a de que ela continuaria representando o Brasil no acordo operacional da Intelsat. Para isso, ela tem de fazer investimentos.
A Intelsat é como uma cooperativa, em que cada associado investe proporcionalmente ao uso que faz do serviço. Os associados podem investir mais do que seria sua cota proporcional, desde que outro participante queira reduzir sua cota. Anualmente, os sócios fazem um ajuste de cotas.
Neste ano, a Embratel tinha direito de aumentar sua quota de 2,1% para 4,87%, mas decidiu não fazê-lo.

Folha - Como representante do Brasil, a empresa tinha obrigação de comprar as cotas?
Perrone -
A Embratel assinou um termo de compromisso com a Anatel estabelecendo como ela deveria se comportar na Intelsat. Quem comprou o controle da empresa, no caso a MCI, dos Estados Unidos, sabia de sua responsabilidade. O contrato diz que todas as decisões estratégicas ou políticas da Intelsat que forem submetidas à junta de operadoras devem ser comunicadas ao governo brasileiro.
A Embratel não pode se pronunciar sem antes ouvir a Anatel. Não abrimos mão da posição política do governo.

Folha - A empresa decidiu não comprar as cotas a que tinha direito sem consultar a Anatel?
Perrone -
O termo de compromisso diz que ela é obrigada a submeter à Anatel suas decisões de investimento na Intelsat. Se ela tivesse decidido aumentar sua participação para 8%, nós diríamos: está bom, boa sorte. Mas decidiu não comprar as cotas a que tinha direito, sem nos avisar, e feriu seu compromisso.

Folha - A decisão da empresa prejudica o Brasil?
Perrone -
Não chega a prejudicar, porque ela manteve o assento no fórum operacional. O erro foi não ter comunicado sua decisão previamente.
Nós a punimos para que amanhã ela não reduza a participação para um patamar que não nos interessa.

Folha - A multa foi um alerta?
Perrone -
Houve irregularidade porque ela não cumpriu uma cláusula do contrato com a Anatel, mas não houve danos à soberania nacional, nem a terceiros. O governo brasileiro não teve de desembolsar dinheiro por causa disso, nem perdeu espaço na Intelsat. O único dano foi a desobediência ao contrato.

A Embratel alega que teria de desembolsar US$ 88 milhões para aumentar sua participação na Intelsat e que esse investimento não lhe traria vantagens.
Perrone -
Ainda assim, teria de nos comunicar previamente. Vamos supor que ela quisesse reduzir sua participação para menos de 1%, ficando de fora do acordo operacional. A Anatel provavelmente vetaria, pois deixaríamos de ter acesso a informações relevantes da Intelsat.

Folha - Por que o senhor diz que a decisão da Embratel não enfraqueceu o Brasil?
Perrone -
Se as decisões na Junta dos Governadores fossem tomadas por voto, se poderia dizer que a decisão da Embratel enfraqueceu o Brasil, mas, em sua grande maioria, elas são tomadas por consenso.

Folha - A Embratel está questionando a punição aplicada?
Perrone -
O processo começou em março e transcorreu em sigilo. Quando divulgamos a punição é porque o assunto já está encerrado. Não há recurso.

Folha - O que a empresa alegou em sua defesa?
Perrone -
Que não tinha entendido direito a cláusula do contrato. Se você quer saber, a Embratel simplesmente se esqueceu do compromisso.

Folha - Esse caso não demonstra que o governo deveria ter ficado com alguma participação, como uma "Golden Share", que lhe assegurasse certo controle sobre a Embratel?
Perrone -
O caso não é suficiente para essa conclusão.

Folha - O senhor não vê conflito de interesses na Embratel? A empresa é controlada por um grupo norte-americano, a MCI. O controlador não vai querer atender primeiro aos interesses de seu país de origem?
Perrone -
Se tivesse havido qualquer indício de interesse da MCI nessa questão, a ação da Anatel seria completamente diferente. Nós julgamos e aplicamos a punição no pressuposto de que houve apenas um lapso da empresa. Além disso, a MCI não participa da Intelsat. Quem representa os EUA no consórcio é a Comsat e o país quer privatizar a Intelsat e acabar com a ingerência governamental no consórcio.

Folha - Mas a Comsat aumentou suas cotas na Intelsat, ao passo que a Embratel abriu mão desse direito.
Perrone -
Várias empresas aumentaram suas cotas e a Comsat foi uma delas. Mas ela não comprou as cotas que caberiam à Embratel. Comprou do pool de vendedores.


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