Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TELECOMUNICAÇÕES
Punição foi uma advertência à empresa, que decidiu não aumentar participação na Intelsat
Multa à Embratel é só aviso, diz Anatel
ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio
A multa de R$ 2,825 milhões sobre a Embratel, anunciada publicamente esta semana pela Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações), foi uma advertência à
empresa de que poderá sofrer
sanções ainda maiores caso contrarie os interesses estratégicos do
Brasil na Intelsat.
A Embratel poderia ter aumentado sua participação no capital
da Intelsat -consórcio internacional de satélites do qual o Brasil
é membro- e decidiu não fazê-lo
sem consultar a Anatel.
O conselheiro da Anatel Luiz
Francisco Perrone, diretor da Intelsat durante 11 anos (de 1984 a
95), diz que a decisão da Embratel
não afetou a representação do
Brasil na Intelsat, mas desobedeceu o compromisso firmado antes da privatização de consultar
previamente a Anatel sobre os assuntos relativos à Intelsat.
Perrone diz que a Anatel considera que cometeu um "lapso".
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Qual o poder de influência do Brasil na Intelsat?
Luiz Francisco Perrone - A Intelsat tem dois níveis de decisão.
As decisões políticas são tomadas
em assembléias dos países signatários, semelhantes às da ONU, e
cada país tem um voto. O grande
assunto em discussão no momento é a privatização da Intelsat. No
ano passado, na assembléia realizada em Salvador, decidiu-se
criar uma subsidiária privada da
Intelsat, em vez de privatizar o
consórcio.
Folha - A Embratel participa
dessa discussão?
Perrone - A parte política é privativa do governo e não tem nada
a ver com a Embratel, ainda que
ela fosse estatal. Quem representa
o Brasil é o Ministério das Comunicações e o Itamaraty.
Folha - Qual o papel da Embratel na Intelsat?
Perrone - Quando a Intelsat foi
criada, os países signatários decidiram que ela teria um fórum
operacional. Cada governo designou uma entidade para fazer parte desse acordo operacional, que
funciona como uma diretoria-executiva da Intelsat. Para fazer
parte desse acordo, o representante precisa ter um percentual
mínimo, de 1,6% ou 1,7% das cotas da Intelsat. A Embratel representa o Brasil.
Folha - O que ela faz?
Perrone - Participa nas decisões
sobre quantos satélites serão
comprados, qual será a tarifa dos
serviços, a tecnologia etc. Também representa a Portugal Telecom e a Antel, do Uruguai.
Folha - O papel da Embratel
mudou com a privatização?
Perrone - Quando o governo
privatizou a Telebrás, uma das
condições impostas ao comprador da Embratel foi a de que ela
continuaria representando o Brasil no acordo operacional da Intelsat. Para isso, ela tem de fazer
investimentos.
A Intelsat é como uma cooperativa, em que cada associado investe proporcionalmente ao uso que
faz do serviço. Os associados podem investir mais do que seria
sua cota proporcional, desde que
outro participante queira reduzir
sua cota. Anualmente, os sócios
fazem um ajuste de cotas.
Neste ano, a Embratel tinha direito de aumentar sua quota de
2,1% para 4,87%, mas decidiu não
fazê-lo.
Folha - Como representante
do Brasil, a empresa tinha obrigação de comprar as cotas?
Perrone - A Embratel assinou
um termo de compromisso com a
Anatel estabelecendo como ela
deveria se comportar na Intelsat.
Quem comprou o controle da
empresa, no caso a MCI, dos Estados Unidos, sabia de sua responsabilidade. O contrato diz que todas as decisões estratégicas ou políticas da Intelsat que forem submetidas à junta de operadoras devem ser comunicadas ao governo
brasileiro.
A Embratel não pode se pronunciar sem antes ouvir a Anatel.
Não abrimos mão da posição política do governo.
Folha - A empresa decidiu não
comprar as cotas a que tinha direito sem consultar a Anatel?
Perrone - O termo de compromisso diz que ela é obrigada a
submeter à Anatel suas decisões
de investimento na Intelsat. Se ela
tivesse decidido aumentar sua
participação para 8%, nós diríamos: está bom, boa sorte. Mas decidiu não comprar as cotas a que
tinha direito, sem nos avisar, e feriu seu compromisso.
Folha - A decisão da empresa
prejudica o Brasil?
Perrone - Não chega a prejudicar, porque ela manteve o assento
no fórum operacional. O erro foi
não ter comunicado sua decisão
previamente.
Nós a punimos para que amanhã ela não reduza a participação
para um patamar que não nos interessa.
Folha - A multa foi um alerta?
Perrone - Houve irregularidade
porque ela não cumpriu uma
cláusula do contrato com a Anatel, mas não houve danos à soberania nacional, nem a terceiros. O
governo brasileiro não teve de desembolsar dinheiro por causa disso, nem perdeu espaço na Intelsat. O único dano foi a desobediência ao contrato.
A Embratel alega que teria de
desembolsar US$ 88 milhões
para aumentar sua participação
na Intelsat e que esse investimento não lhe traria vantagens.
Perrone - Ainda assim, teria de
nos comunicar previamente. Vamos supor que ela quisesse reduzir sua participação para menos
de 1%, ficando de fora do acordo
operacional. A Anatel provavelmente vetaria, pois deixaríamos
de ter acesso a informações relevantes da Intelsat.
Folha - Por que o senhor diz
que a decisão da Embratel não
enfraqueceu o Brasil?
Perrone - Se as decisões na Junta dos Governadores fossem tomadas por voto, se poderia dizer
que a decisão da Embratel enfraqueceu o Brasil, mas, em sua
grande maioria, elas são tomadas
por consenso.
Folha - A Embratel está questionando a punição aplicada?
Perrone - O processo começou
em março e transcorreu em sigilo.
Quando divulgamos a punição é
porque o assunto já está encerrado. Não há recurso.
Folha - O que a empresa alegou em sua defesa?
Perrone - Que não tinha entendido direito a cláusula do contrato. Se você quer saber, a Embratel
simplesmente se esqueceu do
compromisso.
Folha - Esse caso não demonstra que o governo deveria ter ficado com alguma participação,
como uma "Golden Share", que
lhe assegurasse certo controle
sobre a Embratel?
Perrone - O caso não é suficiente para essa conclusão.
Folha - O senhor não vê conflito de interesses na Embratel? A
empresa é controlada por um
grupo norte-americano, a MCI.
O controlador não vai querer
atender primeiro aos interesses
de seu país de origem?
Perrone - Se tivesse havido
qualquer indício de interesse da
MCI nessa questão, a ação da
Anatel seria completamente diferente. Nós julgamos e aplicamos a
punição no pressuposto de que
houve apenas um lapso da empresa. Além disso, a MCI não participa da Intelsat. Quem representa os EUA no consórcio é a Comsat e o país quer privatizar a Intelsat e acabar com a ingerência governamental no consórcio.
Folha - Mas a Comsat aumentou suas cotas na Intelsat, ao
passo que a Embratel abriu mão
desse direito.
Perrone - Várias empresas aumentaram suas cotas e a Comsat
foi uma delas. Mas ela não comprou as cotas que caberiam à Embratel. Comprou do pool de vendedores.
Texto Anterior: Cenários: Dívida externa exige mais exportações Próximo Texto: Investimentos: Empresário condena "briga" por investimento Índice
|